Ciência e Saúde

Brasil começa a investir em pesquisas sobre eletrônica orgânica impressa

A área do conhecimento é capaz de criar os componentes que deverão substituir os chips de silício e cobre utilizados atualmente

Tereza Rodrigues
postado em 05/04/2011 07:00
A área do conhecimento é capaz de criar os componentes que deverão substituir os chips de silício e cobre utilizados atualmenteBelo Horizonte ; O desenvolvimento tecnológico tem proporcionado tantas mudanças no dia a dia que, muitas vezes, as pessoas não prestam atenção nos novos costumes que adquirem por conta da modernidade. No entanto a tendência é que a vida se transforme de forma cada vez mais rápida. Se um computador portátil já possibilita grande liberdade como ferramenta de trabalho móvel, imagine se a pasta usada para carregá-lo tiver um painel de plástico flexível capaz de transformar energia solar em energia elétrica e recarregar a bateria do aparelho sem a incômoda dependência das tomadas. Essa é somente uma das aplicabilidades da eletrônica orgânica impressa, uma das maiores apostas para os próximos anos, assim como a eletrônica do silício foi o boom da tecnologia nos anos 1950.

Com centenas de possibilidades de aplicação, a nova técnica deverá complementar ; ou mesmo substituir ; a eletrônica tradicional em materiais semicondutores usados na fabricação de sensores, telas flexíveis, painéis para captação de energia solar, lâmpadas e etiquetas inteligentes, além de inúmeras novidades que ainda estão por surgir.

A nova área de pesquisa apresenta ainda vantagens ambientais e econômicas. A eletrônica orgânica consiste na combinação de moléculas de carbono, e não de materiais como silício ou cobre, muito usados na fabricação de componentes para a eletrônica tradicional. Dessa forma, utiliza matéria-prima abundante na natureza e técnicas baratas de produção, similares à impressão gráfica normal, requerendo investimentos mais baixos.

De acordo com o coordenador do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo), da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, Roberto Mendonça Faria, com US$ 100 mil é possível montar uma fábrica, enquanto o investimento inicial para a produção de chips de silício é de, pelo menos, US$ 3 bilhões. ;A técnica está entre os principais investimentos estratégicos dos países que não querem mais ser dependentes da tecnologia de outras potências. Com a eletrônica atual, o Brasil sofre com a balança comercial, porque importa muito e praticamente não exporta;, comenta.

Segundo ele, algumas empresas nos Estados Unidos e na Europa já estão praticamente aptas a comercializar produtos desenvolvidos a partir da eletrônica orgânica, mas a tecnologia está atualmente ;saindo dos laboratórios;, um ponto ideal para a entrada do Brasil nesse promissor mercado, que começa a render seus primeiros produtos. Alguns fabricantes de celulares e tevês adotam a técnica para produzir as telas de Oled (sigla em inglês para Diodo Orgânico Emissor de Luz), uma espécie de LCD ultrafina que consome menos energia, uma vez que são moléculas orgânicas que emitem luz ao serem atravessadas por uma corrente elétrica (veja arte).

Etiquetas e células
No Brasil, além dos 35 grupos de pesquisa que compõem o Ineo, há poucas iniciativas de estudos na área. Uma delas parte do CSEM Brasil, instituição privada de pesquisa aplicada, sem fins lucrativos, que tem sede em Belo Horizonte e estabeleceu parceria com centros líderes no mundo, como o Imperial College London. No início deste ano, a empresa assinou com o governo de Minas Gerais um termo de cooperação técnica, com aporte de R$ 7 milhões para desenvolver produtos a partir da eletrônica orgânica.

O desenvolvimento de etiquetas com sensores de identificação por radiofrequência (RFID) e células fotovoltaicas (que convertem luz em energia elétrica) será o foco da CSEM Brasil este ano, de acordo com um dos diretores executivos da empresa, Tiago Alves. ;A ideia é começar com dispositivos simples e de baixíssimo custo, de forma complementar à eletrônica tradicional. Em alguns casos, o potencial do silício é insubstituível, porque demanda complexidade, como ocorre com um microprocessador. Mas existem alguns produtos, como a etiqueta que foi usada pelos participantes da corrida de São Silvestre esse ano, que só farão parte do nosso dia a dia se forem de baixo custo. Ou seja, só são possíveis com o desenvolvimento da eletrônica orgânica impressa;, explica.

Ele vê também a possibilidade de o mercado crescer para áreas como a mineração, que demanda energia elétrica distribuída. No caso de necessidade de atuar numa mina localizada em uma região sem eletricidade, um caminhão poderia levar rolos de painéis de células fotovoltaicas. Segundo Alves, é fundamental que cresçam os investimentos na área, ;porque esse é um bonde que está passando e não podemos perder;. ;Outras tecnologias já viraram ;trem-bala; e o Brasil não soube aproveitar, mas por enquanto temos capacidade científica e financeira para acompanhar o que está sendo desenvolvido nos principais laboratórios do mundo;, complementa.

Multidisciplinar
São várias as áreas profissionais que envolvem a eletrônica orgânica. O professor Roberto Mendonça Faria, do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo), explica como as etapas do processo demandam multidisciplinaridade. ;Para começar, químicos orgânicos trabalham na síntese das moléculas cuja base é o carbono, e físico-químicos desenvolvem a parte de soluções, quando as moléculas são dissolvidas em solventes orgânicos, os mais usados são o tolueno ou o clorofórmio.

As películas conseguidas a partir dessa fase, chamadas de filmes ultrafinos, têm dimensões nanométricas, cuja espessura chega a ser determinada pela espessura da molécula. ;Para fazermos a arquitetura eletrônica desses filmes, precisamos ainda dos engenheiros eletrônicos;, explica. De acordo com o professor, há muita pesquisa na área de física no que se refere à microscopia, aos estudos sobre as propriedades da molécula, e ainda sobre a carga elétrica delas.

;Há uma enorme variedade de competências científicas dentro da eletrônica orgânica. E a conversão de energia fotovoltaica aumenta ainda mais essas possibilidades;, acrescenta. Para exemplificar, o pesquisador cita o alerta do Japão, que teve que pesar os riscos de se investir em energia nuclear depois de sofrer o terremoto do último dia 11. ;A economia dos países mais desenvolvidos não deve ser baseada em uma matriz energética só. Há muito o que se desenvolver a partir da eletrônica orgânica;, conclui.

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