Ciência e Saúde

Com células-tronco embrionárias de ratos, cientistas produzem parte do olho

A parte é a responsável pela formação da imagem. Estudo pode favorecer, no futuro, transplantes em humanos e proporcionar novos tratamentos para doenças ópticas

Paloma Oliveto
postado em 07/04/2011 07:00
Criar órgãos complexos in vitro é um dos maiores desafios da medicina regenerativa. Um grupo internacional de pesquisadores, porém, acaba de mostrar que a tarefa não é impossível. Eles conseguiram, em laboratório, desenvolver uma retina sintética, a partir de células-tronco embrionárias de ratos. O estudo com os roedores pode ser um primeiro passo para que, no futuro, a descoberta ajude a fabricar tecidos para transplantes em humanos, o que beneficiaria milhares de pessoas em todo o mundo. Somente no Brasil, 35 mil indivíduos sofrem de problemas relacionados a essa fina camada de células nervosas que, quando danificada, pode levar à cegueira total.

Embora diversos experimentos já tenham conseguido desenvolver órgãos a partir de células-tronco, a ciência ainda não obteve estruturas tridimensionais, cuja formação depende da ação coordenada de vários tipos de células. Uma das questões mais importantes é descobrir se as interações entre os diferentes tecidos precisam ser manipuladas ou podem ocorrer espontaneamente. A pesquisa, publicada na revista especializada Nature, mostrou que, sem intervenção, as células conseguem trabalhar em conjunto, até darem origem a um órgão como o olho, que possui diversas camadas diferenciadas. A retina surge a partir de um membro chamado vaso óptico, processo que, em humanos, acontece por volta da sexta semana de vida intrauterina (veja arte).

O mecanismo-base de formação do vaso óptico, uma complexa estrutura composta por duas camadas, é discutido há décadas pela embriologia. A retina, parte do olho responsável pela formação de imagens, tem seu desenvolvimento a partir da vesícula óptica, uma cavidade que começa a se dobrar para dentro do emaranhado de células até originar o vaso. Essa parte do olho, por sua vez, tem uma dupla camada celular: o epitélio pigmentar, no lado externo, e a retina neural, no interno. Para alguns pesquisadores, a mutação da vesícula se deve a influências físicas e químicas de outros tecidos, como a córnea. Outros cientistas, porém, como o ;pai; da embriologia experimental, Hans Spemann, sugere que o processo ocorre espontaneamente.

Para resolver essa questão, a equipe de pesquisadores, liderada por Mototsugu Eiraku, vice-presidente da Unidade de Análises de Tecidos Multidimensionais do Laboratório de Neurogênese e Organogênese, no Japão, cultivou células-tronco embrionárias de ratos por um método chamado SFEBq, já utilizado anteriormente para a diferenciação das células pluripotentes em diversas outras estruturas neurais. No sétimo dia, os precursores do epitélio retinal começaram a se formar, seguidos pela vesícula óptica e, finalmente, pelo vaso óptico. O fato de que as camadas interna e externa das células desse tecido desenvolveram-se espontaneamente mostrou a Eiraku que, na formação do vaso óptico, as células se auto-organizam.

Descoberta
Utilizando o método da microscopia multifóton, que permite construir imagens em duas e três dimensões, os pesquisadores exploraram os mecanismos por trás desse processo. Eles descobriram que, depois de os precursores do epitélio retinal originar as camadas epiteliais e neuronais, o tecido passou por um rearranjo morfológico de quatro etapas, até chegar, finalmente, à estrutura do vaso óptico. Simulações feitas no computador mostraram como o vaso óptico se forma. Os cientistas observaram que, no processo, o epitélio torna-se menos rígido, permitindo que a vesícula se curve para dentro. Uma vez que essa condição é satisfeita, o tecido externo começa a se expandir, graças à divisão celular, o que resulta na maior interiorização do vaso.

Como último teste, Eiraku extirpou o tecido neuronal do vaso óptico derivado das células-tronco embrionárias e o cultivou em três dimensões. Ele descobriu que os neurônios da retina passaram por divisões celulares até se organizarem em camadas estratificadas ; como ocorre com a retina. ;O que conseguimos fazer nesse trabalho foi resolver um problema da embriologia de quase um século, mostrando que os precursores da retina têm capacidade de originar o vaso óptico;, disse Eiraku, por meio da assessoria de imprensa.

;É emocionante pensar que estamos no caminho certo para nos tornarmos capazes de gerar não apenas certos tipos de células diferenciadas, mas que se auto-organizam, o que poderá abrir novos caminhos para aplicações em medicina regenerativa;, afirmou. ;As aplicações potenciais incluem abordagens terapêuticas para o tratamento de doenças degenerativas da retina, tais como a retinose pigmentar.;

De acordo com Robin R. Ali, médico do Departamento de Genética do Instituto de Oftalmologia do College London, o desenvolvimento de um sistema equivalente que utilize estruturas humanas abre perspectivas para o desenvolvimento de novas drogas, que poderiam ser criadas a partir das células-tronco pluripotentes induzidas, sem necessidade de cultivar as embrionárias, motivo de discussões éticas.

;A maioria das formas de cegueira tratável resulta da perda de células fotorreceptoras, enquanto que as células neurais da retina não são atingidas. Em camundongos, o transplante de células precursoras dos fotorreceptores conseguiram reparar a retina de animais adultos, mas o desafio tem sido, até agora, a obtenção de números suficientes dos precursores de células. O sistema de cultivo pode resolver o problema;, acredita.

Formato arredondado
As culturas de células e tecidos em laboratório representam um dos principais métodos de pesquisas científicas na área biomédica. Normalmente, elas são feitas sobre uma superfície plana de vidro, bidimensional, bem diferente da estrutura em três dimensões na qual as células vivem no organismo real. Atualmente, existem géis especiais que forçam a célula a crescer em formato arredondado, permitindo a montagem de células vivas tridimensionais em laboratório.

A parte é a responsável pela formação da imagem. Estudo pode favorecer, no futuro, transplantes em humanos e proporcionar novos tratamentos para doenças ópticas

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação