Ciência e Saúde

Robôs capazes de realizar experimentos e decidir seus próximos passos

Projeto de universidade inglesa utiliza dois modelos de máquinas capazes de realizar experimentos e decidir sozinhas os próximos passos das pesquisas em que atuam

postado em 19/04/2011 08:00
Projeto de universidade inglesa utiliza dois modelos de máquinas capazes de realizar experimentos e decidir sozinhas os próximos passos das pesquisas em que atuam
O mundo das cadeias de DNA se revela cada vez mais complexo. Em cada pesquisa, os cientistas descobrem novos genes, com funções específicas e determinantes para os organismos de plantas, animais e pessoas. Esse trabalho, no entanto, não teria alcançado tamanho grau de refinamento sem a ajuda de máquinas que, alguns anos atrás, passaram a ajudar os biólogos no mapeamento de milhares de genes. Agora, esses cientistas de metal estão fazendo ainda mais: testam, analisam os resultados e, a partir disso, planejam as próximas ações.

Dois robôs dessa nova geração integram um projeto da Universidade de Aberystwyth, no Reino Unido, que pretende ampliar a participação das máquinas em pesquisas. Adam e Eve ; sim, nomes inspirados nos personagens bíblicos Adão e Eva ; são capazes de fazer mais de mil experimentos em um único dia, gerando cerca de 200 mil resultados. Essa não é, contudo, a grande façanha dos equipamentos. O melhor, dizem os cientistas que trabalham com a ;dupla;, é que eles já conseguem fazer coisas antes exclusivas dos colegas de carne e osso.

Elizabeth Bisland, pesquisadora brasileira que trabalha na Universidade de Cambridge, também participante do projeto, conta que, quando o primeiro robô foi desenvolvido, testes provaram sua capacidade. Adam (que é também uma sigla para A discover machine, uma máquina descobridora) foi tão ou mais eficiente que alunos de pós-graduação e professores na hora de escolher o próximo experimento e ser realizado. ;Além disso, como todo o processo é automatizado, as informações relevantes ficam registradas na memória do computador. Se tivermos uma nova ideia, podemos buscar dados no banco com facilidade para fazer outras análises;, explica Elizabeth.

O ;primogênito; da equipe ficou pronto em 2008. Desde então, Adam se dedica a estudar funções de genes do fungo Saccharomyces cerevisiae, a levedura da cana-de-açúcar. O robô verifica as amostras para descobrir o que afeta o funcionamento das células do organismo, um dos mais importantes para a alimentação animal, por ser rico em proteínas. ;Adam analisa o crescimento das linhagens de leveduras em condições diferentes, como, por exemplo, quando há a presença de drogas ou deficiência de algum nutriente. Assim, por meio de um processo de eliminação, ele consegue sugerir os genes responsáveis por determinadas tarefas no organismo;, detalha a brasileira.

Ross King, professor da Universidade de Aberystwyth e coordenador do projeto dos robôs cientistas ; financiado pelo Conselho de Pesquisa em Biotecnologia e Ciências Biológicas do Reino Unido ;, compara a atuação de Adam e do colega Eve ao trabalho dos detetives. ;O raciocínio é o mesmo utilizado por Sherlock Holmes na avaliação das hipóteses de quem poderia ter cometido um crime. O robô seleciona as possibilidades e conduz experimentos para testá-las;, diz. A ideia do projeto, afirma o professor, é fazer com que esse processo seja cada vez mais automatizado e barato. ;Não queremos substituir os cientistas humanos, mas deixar o trabalho deles mais produtivo.;

Método
A técnica usada pelo personagem do escritor Conan Doyle e pelos cientistas de metal é chamada de abdução e consiste em sugerir explicações para o resultado encontrado. Por exemplo: é possível saber que choveu se o gramado de sua casa estiver molhado. Ao ver a água no jardim, o observador pode sugerir, ou abduzir, que houve a precipitação ou que o gramado foi regado. Para decidir entre essas duas hipóteses, terá que observar outros fatores, como a presença de nuvens no céu ou a posição da mangueira no jardim. ;Abdução é um processo que fazemos diariamente sem perceber, mas que precisa ser especialmente programado nos robôs;, lembra a pesquisadora Elizabeth Bisland.

A robô Eve usa a mesma estratégia de investigação científica. O robô trabalha, basicamente, com a busca de drogas que controlem parasitas de doenças tropicais, como a malária e o mal de Chagas, sem gerar efeitos colaterais nos humanos. Isso porque Eve consegue avaliar possíveis remédios contra esses males sem gerar dificuldades para os laboratórios. A maior parte das pesquisas em desenvolvimento para descobrir novos medicamentos usa o parasita inteiro, algo que dificulta a automatização do estudo em grande escala. Além disso, muitos parasitas ; como o Plasmodium vivax, maior causador da malária no Brasil ; não podem ser cultivados em laboratório, o que emperra a produção de drogas contra a doença.

;Eve pode avaliar diretamente o efeito de milhares de substâncias no crescimento de leveduras com genes de parasitas e que não afetem o crescimento de leveduras com o gene equivalente de humanos;, esclarece Elizabeth. Atualmente, a equipe do projeto dos robôs cientistas trabalha para melhorar a eficiência do equipamento. ;Nós também estamos pesquisando formas de deixar essas máquinas mais inteligentes;, diz o professor King, referindo-se também a Adam.

Os pesquisadores lembram que muitos dos testes conduzidos por Adam e Eve podem ser realizados sem o uso da tecnologia. O trabalho, no entanto, não é tão rápido. Com os robôs, é possível analisar vários tipos de leveduras de forma mais barata e com grande facilidade para comparar resultados. Ferramentas semelhantes já são usadas por grandes indústrias farmacêuticas, mas não com tanto sucesso. ;As fábricas possuem sistemas até mais complexos que os nossos. Mas Adam e Eve são os únicos que conseguem fazer todo o processo sem qualquer ajuda humana;, reforça Elizabeth.

Glóbulos brancos
O primeiro cientista que identificou o DNA foi o alemão Johann Friedrich Miescher, em 1869. Ele conseguiu perceber os componentes químicos do núcleo das células isolando glóbulos brancos presentes no pus. Na época, a secreção era abundante em ataduras que encobriam os ferimentos e Miescher decidiu usá-la porque os glóbulos brancos têm núcleos maiores e mais fáceis de serem isolados.

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