postado em 19/04/2011 10:04
Como para a maioria das mulheres, a vaidade sempre fez parte da vida de Ely Morocclo, 55 anos. Há cerca de dois meses, porém, esse quesito tomou outra dimensão e tornou-se mais importante para a psicóloga. Não, Ely não se submeteu a qualquer tipo de cirurgia plástica. Na verdade, ela iniciou um tratamento de quimioterapia. Depois de ter um tumor retirado de um dos ovários, em fevereiro passado, ela luta para evitar que o câncer se manifeste em outras partes de seu corpo. Desde então, ela percebeu, por experiência própria, algo que especialistas observam nos consultórios: cuidados estéticos que a princípio podem parecer desnecessários são importantes aliados no tratamento da doença, pois ajudam a diminuir os índices de depressão nos pacientes, aumentando sua autoestima e qualidade de vida.A batalha contra o câncer costuma trazer uma série de efeitos indesejados para a aparência física, o que pode tornar o tratamento ainda mais difícil. Tanto mulheres como homens podem notar queda de cabelos, mudança na coloração da pele e, em alguns casos, diminuição da massa muscular.
;Há uma frustração ligada a isso, porque essa mudança afeta a forma como o paciente se reconhece;, explica Mariana Lima, psicóloga da clínica Oncomed, em Belo Horizonte. ;É importante trabalhar para que ele aprenda a conviver com as dificuldades e com as questões emocionais, pois sua vaidade é muito importante. É uma questão de perspectiva. Ele pode se agarrar ao lado bom ou lamentar o ruim;, completa.
Os impactos sofridos pelo corpo dependem do tipo de tratamento. Geralmente, a radioterapia costuma deixar a pele mais fina e avermelhada. Já a quimioterapia pode causar manchas, descamação e ressecamento, além de enfraquecer as unhas e provocar a queda dos pêlos e dos cabelos.
Felizmente, com o desenvolvimento científico e tecnológico, surgiram nos últimos anos soluções para amenizar essas transformações físicas. Hoje é possível pintar os cabelos e as unhas, e praticar exercícios físicos adequados para a delicada condição do paciente oncológico. E os benefícios são imensos. ;Só o fato de amenizar as alterações que o tratamento pode causar na pele, nas unhas e nos cabelos já traz uma resposta imunológica positiva para o tratamento;, garante a psico-oncologista Cristiane Ducat, do Centro de Câncer de Brasília (Cettro).
Proteção
Que o diga Ely. Nela, a quimioterapia causou uma queda rápida dos cabelos, num prazo de dois meses. ;Quando comecei a perder meus cabelos, foi terrível. Nesse momento, eu me vi realmente em tratamento;, conta. A solução adotada pela psicóloga foi raspar imediatamente a cabeça e adquirir uma peruca que se parecesse com seu cabelo. ;No início, a peruca era uma forma de me proteger dos olhares das pessoas. Agora, adotei como mais um acessório para incrementar meu visual. Poder levar uma vida normal me faz sentir melhor, mais forte;, atesta.
Quando está sem a peruca, Ely utiliza lenços e turbantes. ;As perucas ainda machucam muito a ;careca;;, afirma. É aí que entra em cena a criatividade. ;Aprendi a fazer amarrações de lenços de diferentes maneiras. Isso se tornou muito prazeroso e uma forma de eu me reinventar diariamente;, observa. ;Chega a ser engraçado dizer, mas a quimioterapia me tornou mais vaidosa. Eu preciso encarar a minha condição. Neste momento, eu sou assim e vou me assumir como tal, mas se tiver uma ajudinha, o astral melhora;, salienta.
A especialista Cristiane Ducat afirma que é importante que a pessoa esteja bem consigo. Não aceitar a doença só piora a condição. ;O desespero e a falta de esperança são sentimentos naturais. O que não pode é se afundar neles. A pessoa precisa buscar atividades que lhe tragam prazer e bem-estar.;
Encarar a situação pelo lado positivo foi exatamente o que fez o engenheiro mecânico aposentado Edgard Monteiro, 65 anos. Enfraquecido por três cânceres e algumas ocorrências de trombose entre 2003 e 2010, ele encontrou na fisioterapia uma forma de se livrar do problema circulatório e recuperar parte da força muscular perdida devido aos tratamentos. Pouco tempo depois, ele já podia retomar as atividades físicas e, há quatro anos, frequenta uma academia em Belo Horizonte, onde mora. ;Ir até lá, estar naquele ambiente cheio de saúde, é o melhor tratamento que se pode fazer;, recomenda Edgard, que não deixou de trabalhar nenhum dia enquanto passou pelos tratamentos. ;Fiz questão de continuar com a minha rotina para manter minha cabeça ocupada e não pensar só na doença. Quando me sentia mal, voltava para casa, mas nunca deixei de ir;, destaca.
O oncologista João Nunes faz coro com Cristiane e acrescenta que pacientes que mantêm atividades prazerosas ; mesmo simples ; têm uma resposta imunológica melhor. ;O organismo reage, ganha força para lidar com o tratamento. Isso é o melhor remédio.; Nunes destaca também a importância de manter uma rotina que vá além da espera pela sessão de quimioterapia ou radioterapia. ;O tratamento não pode ser a única coisa que a pessoa tem para fazer.;
Mente
O diagnóstico de câncer ainda está muito impregnado de mitos que levam a pessoa a pensar apenas em aspectos negativos ao receber a notícia. Os especialistas dizem, no entanto, que a experiência pode levar a pessoa a refletir mais sobre a vida e sobre as coisas que lhe dão prazer e buscá-las. ;Essas escolhas e ações fazem com que o paciente alcance sensações melhores. Não adianta colocar a máscara e fingir que nada está acontecendo, mas ele deve pensar em coisas que, naquele momento, o farão se sentir melhor;, explica Mariana Lima, da Oncomed.
Foi agarrando-se, literalmente, à vida que Thelma Gonçalves, 55 anos, enfrentou um tumor maligno em um dos rins. O problema foi diagnosticado quando a executiva ainda comemorava a descoberta da gravidez ; era o terceiro mês de gestação de Letícia. Felizmente o tumor estava encapsulado e sua retirada traria a cura. Porém, o procedimento colocaria em risco a vida que se desenvolvia no ventre da paciente. ;Os médicos chegaram a considerar um aborto. Mas aquele bebê era o que me sustentava;, conta. No quarto mês, Thelma passou pela cirurgia. ;Não tinha como fugir do que estava acontecendo. Então, eu encarei a doença;, lembra.
Até o fim da gravidez, ela decidiu fazer só o que lhe dava prazer. Largou o emprego e se apegou à gestação. ;Fiz tudo o que não poderia fazer se estivesse trabalhando;, lembra. Afinal, os médicos não podiam garantir que a criança nasceria. ;Eu me apeguei a sentimentos e pensamentos positivos. Trabalhei minha cabeça e fazia o que realmente me dava prazer. Não me entreguei à negatividade e venci o câncer. Minha filha nasceu perfeita;, fala entusiasmada, ao lado de Letícia, hoje com 11 anos.
Pesquisa
O impacto desses cuidados na qualidade de vida dos pacientes pôde ser comprovado em uma recente pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo. Segundo o estudo, cerca de 82,5% dos doentes oncológicos do ambulatório do hospital universitário relataram uma melhora no grau de sofrimento ao passar a adotar ações para melhorar sua aparência.
O que fazer
Aparência
; O uso de lenços e perucas ajuda a compor o visual. No mercado, existem também próteses capilares que permitem tomar banho, nadar e dormir sem precisar retirá-las
; A utilização de esmaltes é permitida (exceto para pacientes com câncer de mama), desde que a cutícula não seja retirada. Tinturas de cabelo também estão liberadas, desde que não tenham amônia
; A prática de caminhadas e exercícios específicos ajudam a manter o tônus muscular
Lado emocional
; É importante admitir que o tratamento é uma fase difícil na qual a ajuda de amigos e familiares é importante. Apoie-se neles
; Fique atento aos seus sentimentos e busque atividades que tragam prazer. Não se concentre apenas no tratamento médico
; É normal sentir revolta, tristeza e medo, mas, se essas sensações persistirem com intensidade por mais de 15 dias, converse com seu médico