Paloma Oliveto
postado em 20/04/2011 08:00
Vinte anos depois da início do Projeto Genoma, cientistas anunciaram que o estudo das informações contidas no DNA já é uma ferramenta real para o diagnóstico de pacientes com câncer. Dois artigos publicados na edição de hoje do jornal da Associação Médica dos Estados Unidos, o Jama, mostram que a terapia individualizada, considerada a abordagem do futuro para o tratamento de diversas doenças, poderá ajudar pessoas com tumores malignos graças à análise de seus genes.
Segundo os estudos, ambos realizados na Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis, os dados exibidos no mapa genético de cada indivíduo serão úteis para os médicos escolherem a melhor terapia, de acordo com as características de cada paciente. Além disso, o genoma ajuda a identificar a probabilidade de o paciente sofrer mutações hereditárias ligadas ao surgimento do câncer. ;Suspeita-se da suscetibilidade ao câncer em pessoas que tiveram tumores malignos muito jovens, apresentam múltiplos cânceres primários ou têm um forte histórico familiar. A identificação da base genética do câncer tem importantes implicações para a prevenção e a detecção de neoplasias associadas;, disse ao Correio Richard K. Wilson, diretor do Instituto do Genoma da Universidade de Washington e um dos pioneiros do estudo da genética do câncer.
Principal autor dos dois trabalhos publicados no Jama, Wilson diz que, apesar de promissora, a análise dos genes é uma técnica bastante cara e, em muitos casos, não consegue identificar mutações que podem levar ao surgimento da doença. ;Tanto a questão comercial quanto a técnica limitam o conhecimento que temos a respeito dos genes que contribuem para a suscetibilidade à doença. Por isso, precisamos de uma abordagem que consiga identificar as mutações. É o que descrevemos nos nossos estudos;, conta.
Em um dos artigos, o médico e seus colegas do Instituto do Genoma apresentam o caso de uma mulher de 37 anos com câncer de mama que foi tratada com cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Aos 39, ela recebeu o diagnóstico de neoplasia no ovário e passou por nova operação, além de mais sessões de quimio. Seis meses depois, o tumor retornou e, aos 42 anos, a paciente voltou ao tratamento quimioterápico.
O tratamento não deu certo e, passado mais um semestre, ela morreu de leucemia mieloide crônica, condição provavelmente associada ao excesso de quimioterapia. Os médicos que cuidavam da paciente suspeitaram que ela tinha uma suscetibilidade genética que aumentava o risco de desenvolvimento de câncer, mas seu histórico familiar ; apenas um parente por parte de mãe teve a doença ; não sugeria predisposição hereditária. ;No dia a dia, vemos casos como esse o tempo todo. Um paciente desenvolve um ou dois cânceres primários ainda jovem, sem ter nenhum histórico familiar significativo. Nós sabemos que deve haver uma razão por trás disso;, disse ao Correio um dos autores da pesquisa, o oncologista Daniel Link, também da Universidade de Washington.
De acordo com ele, em mulheres jovens que têm câncer de ovário ou mama, os médicos geralmente fazem testes para as mutações BRCA1 e BRAC2, que são conhecidas por aumentar o risco desses dois tipos de neoplasia. ;Mas geralmente o resultado é negativo. Foi o que ocorreu com essa paciente;, conta. ;Só que ela tinha três filhas. Se pudéssemos encontrar a mutação que aumentou seu risco para o câncer, isso seria muito importante para a família.;
Descoberta
Os pesquisadores, como Timothy Ley, outro integrante da equipe, sequenciaram então o genoma da mulher usando uma amostra de células da pele e compararam os dados ao genoma das células produzidas pela medula óssea, local onde são desenvolvidos diversos tipos de células. ;Descobrimos uma nova e inesperada mutação no gene TP53, um bem conhecido supressor tumoral envolvido no reparo do DNA. No caso da paciente, um pedaço do gene foi apagado do DNA de suas células epiteliais, indicando que a mulher nasceu com a mutação, o que aumenta a probabilidade de se desenvolver câncer na juventude;, explica Link.
Para determinar se a mulher herdou o erro genético de sua mãe, eles obtiveram uma amostra de sangue e a sequenciaram, mas não encontraram a mutação. O pai da paciente já havia morrido, e como não existiam casos de câncer nesse tronco da família, os médicos descartaram a possibilidade de a paciente ter recebido o defeito genético por herança paterna. ;Começamos a suspeitar que a mutação se desenvolveu espontaneamente no genoma da paciente logo no início de sua vida, provavelmente durante a concepção;, diz Richard K. Wilson.
;Descobrir mais sobre a variante era muito importante para as filhas dessa mulher, porque elas têm 50% de chances de herdar o erro genético;, justifica o geneticista. Por sorte, testes revelaram que nenhuma das crianças portava o TP53 mutante. ;Mas, se elas tivessem herdado a mutação, nós indicaríamos testes regulares para detecção precoce do câncer. À medida que os custos do sequenciamento total do genoma continuam caindo, esperamos que esse método seja adotado como rotina para os cientistas procurarem mutações raras e hereditárias.;
Wilson explica que, diferentemente das técnicas que se focam apenas nos genes, que são responsáveis por mero 1% do genoma, o sequenciamento total consegue identificar uma grande quantidade de alterações no DNA. ;Essa é a ferramenta de diagnóstico mais poderosa que já tivemos para definir todas as mutações no genoma de um paciente de câncer;, afirma Daniel Link. ;Agora, não dependemos mais de técnicas cujos resultados nós achamos duvidosos. Finalmente, podemos encontrar todas as mutações ligadas à suscetibilidade à doença. À medida que avançamos com as pesquisas, poderemos melhorar muito o cuidado com os pacientes e suas famílias.;
Bom resultado
No outro estudo publicado pela equipe, fica muito claro como o sequenciamento genético total pode direcionar um tratamento específico e eficaz. Os pesquisadores descrevem como uma mulher de 39 anos com leucemia promielocítica aguda conseguiu ser salva apesar dos prognósticos pouco animadores. Os primeiros médicos haviam indicado um arriscado transplante de células-tronco, pois ela tinha poucas chances de sobreviver. Mas a análise do genoma da paciente revelou que ela tinha um defeito no gene Rara, problema que poderia ser combatido com um tipo específico de quimioterapia. Com a mudança de tratamento, ela não só continua viva como a leucemia está em remissão.
;Esses casos de medicina genômica personalizada são apenas os primeiros exemplos do que poderemos fazer em um futuro próximo;, escreveu Boris Pasche, geneticista da Universidade do Alabama em Birmingham, que assina o editorial da edição de abril do Jama. ;Há um alto grau de expectativa a respeito do sequenciamento total do genoma. A esperança é de que a técnica ajudará a aumentar os índices de sobrevivência de pacientes com câncer;, afirmou.
Exame caro
Nos Estados Unidos, o sequenciamento total do genoma custa entre US$ 30 mil e US$ 40 mil, mas os cientistas acreditam que, nos próximos cinco anos, o preço deverá baixar para menos de US$ 10 mil. Para o médico Richard K. Wilson, é provável que, com o avanço da técnica, ela seja incorporada, no futuro, à cobertura dos planos de saúde.
Anomalias cromossômicas
De acordo com a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), a leucemia promielocítica aguda é um dos subtipos da leucemia mieloide aguda e caracteriza-se por anomalias no cromossomo 15 dos promielócitos, um estágio de formação das células sanguíneas.