Paloma Oliveto
postado em 22/04/2011 08:00
Soterrada há séculos pela floresta guatemalteca, uma cidade maia começa a renascer com a ajuda da tecnologia. A intenção da equipe de arqueólogos que trabalha no projeto é fazer com que as construções da vila de Holtun, que, na linguagem local, significa ;Cabeça de Pedra;, surjam da terra e revelem a arquitetura e a organização de um típico centro do período pré-clássico da civilização extinta. Para ajudar na tarefa, os pesquisadores elaboraram o mapa topográfico tridimensional do lugar, que abriga ruínas datadas de 800 a.C. a 900 d.C.
O mapa, que orientará o trabalho de escavação a partir de julho, coloca em perspectiva as construções típicas desse povo mesoamericano, que surgiu por volta de 3 mil anos atrás e foi dizimado pelos conquistadores espanhóis no século 14. Na carta topográfica, os arqueólogos da Universidade Metodista do Sul, em Dallas, situaram estruturas como uma pirâmide com 21m de altura, um observatório astronômico, um templo de rituais, numerosas praças e também ruínas de residências, que devem ter pertencido aos membros da elite e do povo.
Segundo a especialista em culturas mesoamericanas Brigitte Kovacevich, que, com colegas da universidade, apresentou o trabalho na reunião anual da Sociedade Americana de Arqueologia, o projeto faz parte dos esforços pela recuperação da história pré-clássica dos maias, quando os reinados estavam começando a se estruturar. ;Há um movimento em direção a uma maior compreensão desses períodos iniciais, caracterizados por pequenas cidades;, diz Brigitte ao Correio. ;Pouco se sabe sobre o desenvolvimento da realeza, sobre como os indivíduos comuns tomaram o poder político dentro da sociedade, como essa sociedade evoluiu e por que, mais tarde, passou por um minicolapso, entre 100 a.C. e 250 d.C.;, afirma.
De acordo com a antropóloga, a cultura milenar maia teve seu auge durante o período clássico, muito bem documentado por arqueólogos que estudam os grandes centros urbanos da civilização, como Tikal, um dos mais poderosos e longevos reinos maias. Conhecidos pelo seu governo baseado em cidades-estado, os maias, cujo período clássico compreende-se entre 200 a.C. e 900 d.C., construíram cidades monumentais, com dezenas de milhares de pessoas governadas por reis poderosos, palácios, templos piramidais e um complexo sistema político e econômico.
Diferentemente das cidades do apogeu, a pequena Cabeça de Pedra é um modesto sítio pré-clássico, situado a 35km de Tikal, a maior cidade maia, cujas ruínas atraem visitantes de todo o mundo. O vilarejo não tinha mais que 2 mil habitantes. ;Por meio da escavação de uma cidade pequena, esperamos compreender as rotas comerciais maias e as alianças políticas, assim como o surgimento do poder, a evolução e a solidificação da realeza;, conta Brigitte. Ela destaca que o trabalho teve autorização do governo da Guatemala e envolveu também as universidades do Texas, de San Carlos e do Vale. ;O mapa em três dimensões é o resultado de pesquisas realizadas de 1995 a 2002 pelos arqueólogos guatemaltecos Vilma Fialko e Erick Ponciano;, ressalta.
Situada atualmente em um trecho da floresta cercado por pastagens e plantações de milho, a cidade de Cabeça de Pedra foi construída sobre uma falésia de calcário, o que a teria protegido de invasões, de acordo com a antropóloga. Ainda assim, como a maioria dos sítios arqueológicos maias, ela não escapou dos saqueadores, que destruíram muitos prédios em busca de ouro. Hoje, as mais de 100 estruturas arquitetônicas da cidade encontram-se sob uma densa camada de folhagens, acumulada ao longo dos séculos. A pesquisadora conta que os trabalhos de escavação dos túneis continuam, o que pode trazer novos dados sobre o nascimento da civilização maia.
Agricultura
Entre as principais estruturas mapeadas, encontra-se um grupo de prédios típicos da arquitetura maia, como pirâmides e outras construções altas que provavelmente serviam como observatórios astronômicos e centros rituais. ;A maior pirâmide, à qual se tinha acesso por uma escadaria, provavelmente era utilizada como local de veneração dos ancestrais sagrados;, diz Brigitte. Com a construção voltada para os sentidos norte e sul, a obra permitia que se contemplasse o nascer do Sol em todos os solstícios do ano. ;Essas observações eram importantes para o calendário agrícola. Era assim que os maias sabiam quando plantar e quando colher;, conta a antropóloga.
Perto dos prédios rituais encontravam-se quatro estruturas construídas em torno de um pátio. ;Pelo padrão, acreditamos que era um grupo residencial, sendo que o pátio servia como cozinha e local de processamento de alimentos. A proximidade das casas com a pirâmide sugere que pertenciam a elites, possivelmente reis, sendo que os reinados estavam apenas começando nesse período;, afirma a pesquisadora.
Brigitte conta que, além das casas e da pirâmide principal, há na cidadela outro conjunto composto por três pirâmides, datando de 300 a.C. a 300 d.C., na parte norte do sítio arqueológico. ;É uma típica construção maia, com cada pirâmide medindo cerca de 3m de altura. Uma delas é virada para o sul, ladeada pelas outras duas, e o subsolo era decorado com máscaras monumentais, ainda visíveis dentro dos túneis;, diz. Alguns arqueólogos afirmam que essa configuração representa elementos da mitologia maia.
Durante o período clássico, os reis eram normalmente enterrados nas pirâmides. Mas na era pré-clássica, eles jaziam nas próprias casas. ;É possível que um antigo rei de Cabeça de Pedra tenha sido enterrado em uma das estruturas residenciais que registramos no mapa;, acredita a pesquisadora. ;O local de enterro dos antepassados era venerado. Quanto mais ancestrais morriam, mais as famílias refaziam o chão, construindo um novo piso;, conta. Brigitte revela que ter ancestrais era sinônimo de status, de forma que esses ;cemitérios particulares; eram bastante valorizados, símbolos de poder social.