Ciência e Saúde

Dor crônica deve ser encarada como uma doença real, diz Vania Apkarian

Paloma Oliveto
postado em 24/04/2011 08:00

Há duas décadas, o cientista americano estuda a dor crônica, tanto em modelos animais quanto por meio de análises de ressonâncias magnéticas realizadas em humanos. O objetivo do pesquisador, que já publicou artigos nas principais revistas especializadas do mundo, é compreender o mecanismo da dor no cérebro para chegar a terapias específicas ou mesmo à cura dessa condição. Em entrevista ao Correio, ele se diz animado com as recentes descobertas e critica os profissionais da área médica que vinculam a dor crônica a problemas comportamentais. ;Profissionais da área tendem a culpar o paciente por condições que eles não entendem ou para as quais não possuem terapias apropriadas;, diz, defendendo que a dor crônica deve ser encarada como uma doença real. (PO)

Quais os principais resultados obtidos por suas pesquisas até agora?
Nós observamos que a atividade cerebral relacionada à dor crônica é diferente da que ocorre nos casos de dor aguda, e que distintas condições de dor crônica parecem acionar padrões de atividade cerebral únicas. Acima de tudo, a atividade do cérebro em pacientes com dor crônica aparentemente afeta regiões mais envolvidas com o processo emocional que o sensorial. Também observamos que a anatomia do cérebro muda na dor crônica, geralmente com uma atrofia regional. Essa atrofia é diferente para cada tipo de dor crônica. Além disso, as relações entre a anatomia de diversas partes do cérebro também mudam nessa condição. Em resumo, concluímos que viver com dor crônica reorganiza o cérebro humano em padrões específicos para cada diferente condição. O exato mecanismo dessa reorganização ainda não foi determinado.

Por que o senhor se tornou interessado pelo tema dor crônica?
A dor continua sendo uma das modalidades sensoriais menos entendidas e mais misteriosas. As pesquisas têm importantes implicações clínicas, porque entender melhor a dor pode trazer enormes benefícios à humanidade. Além disso, é um caminho para estudar as propriedades do cérebro humano.

Alguns médicos sugerem que a dor crônica é um problema apenas emocional. Qual sua opinião a respeito?
Historicamente, profissionais da área médica tendem a culpar o paciente por condições que eles não entendem ou para as quais não possuem terapias apropriadas. A dor crônica certamente continua dentro dessa categoria. Mesmo se nossos estudos não consigam alcançar nada mais do que um único marcador cerebral relativo a condições crônicas, já indicam que a dor deve ser considerada uma doença específica.

Os estudos que o senhor tem conduzido podem levar ao desenvolvimento de uma nova abordagem terapêutica?
Sim e, de fato, já publicamos alguns estudos realizados com ratos para novas drogas em potencial para a dor crônica, que foram desenvolvidas especificamente baseadas nas nossas descobertas sobre a atividade cerebral no problema. Agora, estamos iniciando um estudo clínico com humanos para verificar se essa abordagem será de ajuda no campo clínico.

O senhor acredita que a ciência está próxima de descobrir os mecanismos por trás da dor crônica?
Estamos começando a aprender os mecanismos cerebrais relacionados. É uma época muito animadora, à medida que descobertas surpreendentes têm vindo à tona tão rápido, mas ainda há muito mais trabalho a fazer. Tenho confiança, porém, que estamos no caminho certo para estabelecer um paradigma científico que, finalmente, revele a dor crônica.

Atualmente, qual o status do tratamento para o mal?
Por enquanto, a dor pode ser apenas controlada e estamos longe de entendê-la completamente, mas acredito que, quando esse assunto amadurecer no meio científico, seremos capazes de desenvolver uma série de novas e específicas terapias para cada condição de dor crônica e também prevenir sua ocorrência. Acredito que poderemos até mesmo curá-la. Mas até agora continuamos apenas controlando a dor, usando procedimentos não específicos e arbitrários para fornecer o mínimo de benefício para o paciente

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