Paloma Oliveto
postado em 24/04/2011 08:00
Há milênios, poetas, magos e apaixonados tentam descobrir a fórmula do amor. A resposta, porém, veio de onde menos se esperava: dos laboratórios científicos. Um pouco de serotonina adicionada à oxitocina, mais uma pitada de endorfina e vasopressina, e eis que o amor acontece. Pode parecer pouco romântico, mas a verdade é que, longe de ser um sentimento completamente subjetivo, o ;fogo que arde sem se ver; e a ;ferida que dói e não se sente;, conforme conceituou Camões, é, na realidade, fruto da ativação de áreas cerebrais que desencadeiam um processo químico avassalador.O amor, o desejo e a paixão têm sido alvo de pesquisas realizadas em universidades mundo afora. Uma das mais recentes foi liderada pela psicóloga e professora da Universidade de Siracusa Stephanie Ortigue, que se diz ;apaixonada pela neurociência do amor;. Em um estudo publicado no fim do ano passado no Journal of Sexual Medicine, ela descreve a atividade cerebral dos amantes e mostra que, além de proporcionar um euforismo semelhante ao desencadeado pelo uso de drogas fortes, o amor afeta funções cognitivas sofisticadas no cérebro. De acordo com Ortigue, quando uma pessoa se apaixona,12 regiões do órgão trabalham em conjunto, resultando na liberação de substâncias químicas relacionadas à recompensa e ao prazer.
Ao ser flechado pelo cupido, geralmente o apaixonado tem reações físicas que vão do coração acelerado ao friozinho no estômago, passando pela falta de ar. ;A paixão faz com que o nosso corpo libere determinadas substâncias químicas relacionadas ao bem-estar, que desencadeiam reações físicas específicas;, diz Ortigue ao Correio. ;Esse ;elixir; interno do amor é responsável por nossas bochechas ficarem enrubescidas, nossas mãos suarem e nosso coração bater mais rápido;, explica.
O cérebro de todas as pessoas contém os neurotransmissores responsáveis por essas sensações. Mas, quando alguém se apaixona, o nível das substâncias, como dopamina, adrenalina e norepinefrina, aumenta. ;A dopamina desencadeia o sentimento da euforia, enquanto a adrenalina e a norepinefrina são responsáveis pelo disparar do coração, a ansiedade e aquela preocupação exagerada com o outro, que geralmente acometem os enamorados;, completa Domeena Renshaw, professora do Departamento de Psiquiatria e Neurociência da Universidade Loyola, de Chicago, em entrevista por e-mail. Ela é autora de um estudo sobre a química do amor, finalizado há dois anos.
De acordo com a pesquisadora, exames de ressonância magnética mostram que o sentimento acende uma área do centro do cérebro relacionada ao prazer. ;Quando nos apaixonamos, o fluxo sanguíneo aumenta nessa área, que é a mesma responsável pelo vício em drogas e por distúrbios obsessivos-compulsivos;, conta. ;Isso pode explicar por que nos concentramos tão pouco em outros assuntos que não sejam relacionados ao nosso parceiro nos primeiros estágios de um relacionamento.;
Sim, ele é cego
A psiquiatra alerta que as respostas físicas ao amor nem sempre são benéficas. ;Aquela frase de que ;o amor é cego; é um conceito válido, porque tendemos a idealizar o parceiro e ver apenas coisas que queremos enxergar nos primeiros estágios do relacionamento;, afirma Renshaw. ;Quem está de fora tem uma perspectiva bem mais objetiva e racional sobre um relacionamento do que as duas pessoas que estão envolvidas nele;, diz.
Geralmente, a ;cegueira; ocorre nas fases iniciais, que são três, de acordo com a psiquiatra: desejo, atração e apego. A primeira é conduzida pelos hormônios e está mais relacionada aos impulsos sexuais. Na fase da atração, o fluxo sanguíneo no centro do cérebro se acelera e é quando o apaixonado sente uma imensa fixação pelo parceiro. Esse comportamento desaparece durante o apego. Embora o organismo acabe se acostumando aos estímulos associados ao prazer, dando a impressão de que a ;chama se apagou;, os hormônios continuam trabalhando a favor do casal. Endorfinas, oxitoxina e vasopressina são responsáveis por estabelecer um sentimento de bem-estar geral e de segurança, a chave do relacionamento duradouro, de acordo com a pesquisadora.
;Nem tudo está perdido quando a lua de mel acaba;, concorda a química Anne Marie Helmenstine, colunista do site About.com Chemistry. Em um artigo sobre o tema, ela diz que a estabilização da produção dos hormônios do amor é benéfica. Mas lembra que, quando todas as substâncias desaparecem, abre-se a brecha para a infidelidade. ;Pesquisadores descobriram que, em pássaros machos, a supressão da vasopressina faz com que eles abandonem o ninho do amor e procurem novas parceiras. Sim, você precisa ter muita química!”, brinca.
Três perguntas para
Stephanie Ortigue, psicóloga
Como o amor influencia o comportamento dos apaixonados?
No nosso estudo, apresentamos para cada participante o nome de seu amado em um monitor, de forma subliminar (mais rápido do que se possa perceber conscientemente), e fizemos o mesmo, mostrando o nome de um amigo ou de um estranho. Então, pedimos aos participantes para realizar uma tarefa cognitiva que requeria atenção. O amor supostamente ativa o sistema do neurotransmissor dopamina, que está envolvido com sensações de recompensa e prazer, mas também desempenha um papel na cognição e no movimento. Nossa hipótese era a de que, se o amor ativa a dopamina, ele deveria estimular as funções relacionadas ao neurotransmissor, como aspectos cognitivos e motores. Descobrimos um enorme e significativo efeito quando as pessoas eram apresentadas ao nome do amado: os participantes desempenhavam as tarefas cognitivas muito mais rapidamente. Acreditamos que o amor apaixonado ativa uma rede específica do cérebro que ajuda as pessoas a fazerem conexões cognitivas e associações mentais mais rápidas.
Os padrões cerebrais ativados nos apaixonados são os mesmos relacionados ao desejo?
Não, nós percebemos duas redes cerebrais diferentes para o amor e para o simples desejo, mas ainda estamos tentando entender o que os diferem. Os dois sentimentos ativam áreas no lobo parietal e na junção temporoparietal. Mas a rede do desejo é mais complexa, mais distribuída do que a do amor.
O amor sempre foi um sentimento associado ao coração. Mas quer dizer que, na verdade, o órgão envolvido é o cérebro?
Essa é uma questão complicada. Eu diria que o órgão do amor é o cérebro, mas o coração também está relacionado, porque o complexo conceito de amor envolve uma conexão entre os dois. Por exemplo, a ativação de algumas partes do cérebro pode desencadear estímulos no coração e um friozinho no estômago. Alguns sintomas que se manifestam no coração podem, algumas vezes, virem do cérebro.