Eduardo Tristão Girão
postado em 09/05/2011 08:00
Belo Horizonte ; Uma viagem feita para a Europa em 1818 somente agora terá uma espécie de volta para casa. Levado para a Alemanha há dois séculos, o jovem botocudo Kuêk saiu de Minas Gerais com o príncipe alemão Maximilian Alexander Philipp Wied-Neuwied (1782-1867), que, além dos afazeres monárquicos, atuou fortemente como naturalista e etnógrafo. Uma de suas expedições teve como destino o Brasil, onde desembarcou em 1815. Por dois anos, Wied-Neuwied percorreu Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia. Ele chegou a morar entre índios que viviam às margens do Rio Jequitinhonha, onde fez amizade com muitos deles, especialmente com Kuêk. O indígena teria ajudado o príncipe alemão a registrar costumes, língua e hábitos dos botocudos, além de colaborar na elaboração de dicionário da língua botocuda. Depois de 16 anos vivendo na Europa, o índio morreu vítima de alcoolismo. Seu crânio serviu para experiências na Universidade de Bonn, na Alemanha, onde se encontrava em exposição desde então. Reivindicados para devolução à tribo crenaque (oriunda do tronco dos botocudos), os restos mortais de Kuêk chegam esta semana à cidade mineira de Jequitinhonha, a 677km de Belo Horizonte, que vai comemorar seu bicentenário com conferências e debates. Os eventos ocorrerão entre sexta-feira e domingo.
;O trabalho científico do príncipe, que achou em Kuêk um colaborador fiel e fonte de inspiração, é a maior contribuição resultante do encontro entre os dois. Entretanto, nenhum deles deixou um depoimento pessoal sobre esse relacionamento. Um autor alemão afirma em uma de suas obras que o botocudo não imaginava que não voltaria a rever seu país. E se pergunta: ;O que esperava encontrar na terra do príncipe? Teria sido para o príncipe somente uma espécie de ;animal para experiências; ou, de fato, tornara-se um amigo, um acompanhante, a quem devia ser dada uma nova existência?;. Nenhum dos dois deixou essas respostas;, diz a curadora do evento, Solange Pereira.
O que ocorreu com o índio Kuêk, explica a professora Christina Rostworowski, autora da dissertação O príncipe Maximilian de Wied-Neuwied e sua viagem ao Brasil, não era algo comum no início dos anos 1800, mas tornou-se prática bastante difundida na segunda metade daquele século. ;Os espetáculos envolvendo o que se convencionou chamar de ;exótico; não se restringiam aos índios, mas também aos não europeus de um modo geral. Além disso, houve também um interesse maior por parte das academias de ciência, fundadas principalmente na França, muitas das quais o próprio Maximilian Alexander fazia parte. Em relação a Kuêk, não há qualquer afirmação de Maximilian de algum propósito específico;, afirma.
Fantasia
Kuêk morou no palácio do príncipe Maximilian Alexander Wied-Neuwied, na cidade alemã de Neuwied, onde recebia frequentes visitas de curiosos: pediam para que ele montasse arcos e flechas e agisse de acordo com o que era considerado ;tipicamente indígena;. Isso contribuiu para reforçar as concepções romantizadas oriundas de formulações e imagens da literatura de viagem, produzida durante os séculos de exploração colonial nas Américas. ;Fortemente imbuídas de fantasias e lugares-comuns;, acrescenta Christina Rostworowski, responsável por conferência sobre o tema em Jequitinhonha. Além dela, também contribuirá para a discussão a pedagoga Geralda Soares, com o tema Na trilha dos guerreiros boruns.
No próximo domingo, haverá na cidade a cerimônia de transferência dos restos mortais de Kuêk, envolvendo guarda de honra, autoridades alemãs e o prefeito Roberto Alcântara Botelho, que os entregará ao líder da nação crenaque, que dará prosseguimento à cerimônia com rituais próprios e demonstrações de canto e dança. Das diversas nações indígenas mineiras remanescentes das visitadas pelo príncipe Maximilian ao longo do Rio Jequitinhonha, ao menos seis estarão presentes: aranã, crenque, maxacali, mucurin, pancararu e pataxó.
Palavra de nobre
O príncipe alemão Maximilian ficou três meses no Quartel dos Arcos, posto militar português instalado dentro das terras ocupadas pelos botocudos. Teve tempo de sobra para observar os indígenas e, a respeito de sua constituição física, escreveu: ;A natureza deu a esse povo uma constituição física muito boa (...) são em sua maioria de estatura média, alguns poucos alcançam uma altura considerável, e ao mesmo tempo são fortes, quase sempre de peito e ombros largos, carnudos e musculosos, mas mesmo assim são bem proporcionados e as mãos e os pés são delicados. (...) Seus cabelos são pretos como carvão;.
Questão de nome
Segundo a pedagoga Geralda Soares, que fará conferência no evento, no período colonial os borun (nome que significaria ;homem verdadeiro;) foram chamados de tapuia. Já o nome aimoré foi dado pelos povos tupi, habitantes do litoral com quem os boruns guerreavam, e pode ter vários significados. No fim do século 18, foi cunhada a forma discriminatória botocudo (batoque, em Portugal, é a rolha com que se fecha o barril de cachaça). A partir do século 19, os boruns passaram a se autodenominar engrecmuns no Vale do Mucuri ; a denominação significava algo como ;nômade, andarilho, com gosto pelo caminhar;. Por fim, borun é o nome com que voltaram a se identificar até hoje.
68
Apurinã, Arapáso, Aripuaná, Banauá-iáfi, Baniua (Colômbia), Barasano (Colômbia), Baré (Venezuela), Deni (Rio Xeruã]) Desana (Colômbia), Marimã, Hixcariana, Issé, Jarauara, Juma, Juriti, Caixana, Cambeba (Omágua), Canamari, Canamanti, Carafauiana, Carapanã (Colômbia), Caripuna, Catauixi, Catuquina, Catuená, Caxarari, Caxinauá, Caixana, Cobéua, Cocama (Colômbia), Corubo, Culina (Peru), Culina Pano, Culina Arauá, Macu (Dau), Hupda, Nadeb e Iahup] (Colômbia), Marubo, Matis, Mauaiana, Maué, Maiá, Maioruna (Matsés), Miranha (Colômbia), Miriti, Mundurucu, Mura, Parintintin, Paumari, Piraaã, Piratapuia (Colômbia), Sateré-Maué, Suriana, Tariana (Colômbia), Tenharin, Torá, Tsunhum-Djapá, Tucano (Colômbia), Tucuna (Peru e Colômbia), Tuiuca (Colômbia), Uaimiri-atroari, Uai-Uai, Uanana (Colômbia), Uarekena (Venezuela), Uayampi, Xeréu, Iamamadi, Ianomami (Venezuela) e Zuruaã.
39
Apiacá, Arara, Aueti, Bacairi, Boé (Bororo), Cinta Larga, Enauené-Nauê (Salumã), Icpengue (Txicão), Iranxe, Juruna, Calapalo, Camaiurá, Carajá, Caiabí, Caiapó, Cuicuro, Matipu, Meinaco, Txucahamãe, Mundurucu, Minquis, Nahucuá, Nambiquara, Naravute, Panará (Crenacarore), Paresi, Parintintin, Ricbacta, Suiá, Tapaiuna, Tapirapé, Terena, Trumai, Umutina, Uaurá, Xavante, Xiquitano, Iaualapiti e Zoró.
15
Aricobé, Aticum, Botocudo (Gerén), Caimbé, Cantaruré, Cariri, Quiriri, Quiriri-Barra, Pancararé, Pancararú, Pataxó, Pataxó-hã-hã-hães, Tupinabá, Tumbalalá,
Tuxá e Xucuru-Cariri.
9
Aticum, Caxixó, Crenaque, Maxacali, Pancararú, Pataxó, Tembé, Xacriabá e Xucuru-Cariri.
3
Avá-Canoeiro, Carajá e Tapuia.
Mais de 1.470 povos indígenas foram extintos nos últimos 500 anos no Brasil
Sul: 33 povos
Sudeste: 143 povos
Nordeste: 344 povos
Centro-Oeste: 137 povos
Norte: 820 povos
Concentrações de grupos indígenas no Brasil
De acordo com a Fundação Nacional do Índio
(Funai), são 241 grupos indígenas espalhados pelo país, presentes em quase todos os estados.
No mapa, alguns exemplos.
Fontes: Fundação Nacional do Índio (Funai) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi)