Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Fungo pode explicar desaparecimento em massa de anfíbios no mundo

Nas listas periodicamente divulgadas sobre animais extintos ou ameaçados, os anfíbios ocupam uma posição cativa. Em apenas 40 anos, 40% das espécies encolheram, o que representa um risco para a biodiversidade. Entre as principais causas para o declínio das populações, estão a destruição do hábitat, a escassez de alimentos, as mudanças climáticas e a poluição. Mas outro fator pode explicar uma perda tão grande em um espaço tão curto de tempo: doenças causadas por agentes infecciosos.

Segundo um grupo de pesquisadores da Universidade de São Francisco, na Califórnia, o vilão chama-se Batrachochytrium dendrobatidis (Bd). Trata-se de um fungo que ataca a pele dos anfíbios, provocando a quitridiomicose, doença fatal que impede o animal de regular a temperatura interna, levando-o à morte. Descrita pela primeira vez em 1998, a doença levou ao colapso populações de anfíbios na Austrália, no Panamá, no Peru e no estado da Califórnia.

;Durante três décadas, houve perdas populacionais misteriosas e, em alguns casos, ocorreu até mesmo a extinção de espécies tropicais;, diz ao Correio Rick Spear, diretor do Centro de Saúde Pública e Medicina Tropical Anton Breil, na Austrália. Antes da descoberta da quitridiomicose, não havia sido encontrado nenhum motivo para isso, mas os dados epidemiológicos sustentam a hipótese de que o fungo, introduzido nas áreas de floresta tropical, foi a causa do declínio das populações;, afirma o especialista, que publicou o primeiro artigo sobre o Bd há mais de 10 anos. Desde então, poucos estudos foram realizados para constatar a tese de Spear.

Amostras de museus
Agora, os pesquisadores da Universidade de São Francisco decidiram verificar o grau de relação entre o fungo e o declínio da população de anfíbios. ;Em alguns locais do México e da Guatamala, salamandras começaram a desaparecer ao mesmo tempo em que o fungo letal chegou a essas áreas. O mesmo ocorreu nas florestas da Costa Rica, com sapos e salamandras;, contou à reportagem a estudante de biologia Tina L. Cheng, uma das autoras do estudo. Para investigar o padrão de contaminação associada à morte de espécimes, a equipe de pesquisadores criou uma técnica inovadora e simples: examinar as prateleiras de museus de história natural.

;Estabelecer a presença do Bd em espécimes conservadas em museus das populações que estão desaparecendo pode ser a chave para descobrir a disseminação histórica e geográfica desse patógeno e pode também fornecer evidências objetivas da relação entre a emergência do fungo e o declínio populacional dos anfíbios;, justifica Tina. Ela conta que a onda de mortes começou no fim da década de 1970, no México, espalhou-se para a Guatemala na década seguinte e, no início dos anos 1990, chegou à Costa Rica. O estudo resultante da pesquisa foi publicado pela revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences.

De acordo com Tina, a súbita extinção do sapo-dourado (Bufo periglenes) e do sapo-arlequim (Atelopus varius) da reserva ambiental Monteverde, na Costa Rica, é um dos casos recentes mais bem documentados dos declínios populacionais misteriosos que caracterizam a crise global dos anfíbios. ;O subsequente desaparecimento de 40% das espécies de anuros (grupo de anfíbios que não possuem cauda) das florestas tropicais costa-riquenhas é um dos casos mais extremos de perda de biodiversidade;, explica.

A culpa do fungo foi comprovada pela equipe de pesquisadores a partir da análise de amostras de peles de anfíbios conservadas no Museu de Zoologia Vertebrada da Universidade da Califórnia. Os cientistas estudaram o DNA de todos os espécimes do museu. Foi um trabalho pesado. Às vezes, eles precisavam analisar o material genético de 500 salamandras ao mesmo tempo, o que não deixou de ser uma vantagem, já que, quanto maior o número de amostras, mais provas para ;incriminar; o Bp surgiam. O material biológico referente às grandes epidemias revelou que 90% dos animais mortos estavam infectados pelo fungo.

Animais resistentes
Além de investigar a presença do Bp em espécimes conservados no formol, a equipe fez testes com anfíbios vivos. Em laboratório, os pesquisadores inseriram o fungo nos animais para verificar o processo da doença ; da incubação à morte. Eles descobriram que algumas são mais suscetíveis à infecção, e a letalidade está relacionada ao nível de esporos dos fungos. Agora, eles querem descobrir por que nem todos os anfíbios são atingidos da mesma forma quando entram em contato com o Bp.

Em entrevista à agência de notícias da Universidade de São Francisco, o professor Vance Vredenburg, que orientou o trabalho de Tina e assinou o artigo com a aluna, disse que testes semelhantes poderão ser realizados em museus de todo o mundo, o que facilitará a compreensão sobre o declínio populacional de anfíbios. ;Esses animais são uns sobreviventes. Eles já estão na Terra há 360 milhões de anos e sobreviveram a quatro extinções em massa. Estavam indo muito bem até agora, mas algo inédito e preocupante aconteceu nos últimos 40 anos;, afirma. Com a pesquisa, o biólogo acredita que será possível encontrar um caminho para combater o fungo de maneira eficaz.