postado em 10/05/2011 13:36
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) fez soar um novo alerta sobre o risco de se ter no futuro um país ainda mais problemático em termos de saúde pública. O estudo, assinado pela nutricionista da USP Isa Maria de Gouveia Jorge, é uma tese de doutorado que aponta os pais como responsáveis pelo aumento de peso em crianças na faixa dos 4 aos 6 anos. O Brasil da infância, segundo a pesquisadora, já exibe uma população com 22,2% de crianças com sobrepeso e 9,7% consideradas obesas ; ou seja, um país de 10 milhões de meninos e meninas fortes candidatos a contrair doenças graves ainda na idade da escola e se tornarem adultos de saúde frágil.A pesquisa acompanha a tendência ; notada pela primeira vez em meados do século passado, com a mudança dos padrões alimentares ; de o planeta ganhar uns quilos a mais, a cada ano, e as cifras do levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que constam na Pesquisa de Orçamento Familiar de 2008/2009, em parceria com o Ministério da Saúde: prevalência de sobrepeso (29,8%) e obesidade (9,8%) de 34,6%. ;Procuro mostrar na minha pesquisa que as crianças em idade de formação da educação alimentar acompanham o modelo dos pais. São eles quem passam aos filhos a cultura da alimentação saudável ; ou não;, conclui Isa Jorge.
A endocrinologista e pediatra Ana Cristina Bezerra, do Hospital de Base do Distrito Federal, recomenda a intervenção do governo brasileiro na questão como condição para evitar o pior no futuro. ;É melhor prevenir do que gastar mais no futuro. Crianças obesas estão mais expostas à hipertensão e a outras doenças cardiovasculares, sem falar nos problemas de ordem psicológica que a obesidade provoca;, ressalta Ana Cristina. Na lista de enfermidades que a médica aponta como decorrentes do excesso de peso, aparecem aterosclerose, alterações respiratórias e de colesterol, lesões dermatológicas, deficiências de articulações, asma e incontinência urinária, entre outros distúrbios.
Achados científicos
O estudo Bogalusa, que descreve os fatores de riscos da obesidade, mostra que dieta e males coronarianos na infância e na adolescência estão muito entrelaçados. A coleta de dados da pesquisa ocorreu no período de 1973 a 2004. No estudo, os autores tiveram os objetivos de avaliar qual nível de percentil (P) do índice de massa corporal (IMC) na criança e adolescente é apropriado para definir grande risco de doenças cardiovasculares, de excesso de adiposidade e de essa criança ou adolescente se tornar um adulto obeso. O ponto de partida do estudo ocorreu em uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos, que empresta o nome ao projeto, com cerca de 6 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.
;Atualmente, pelos parâmetros da Organização Mundial da Saúde, um percentil acima de 95 já significa obesidade;, define a pediatra. Ao citar a investigação científica mais completa do mundo sobre o tema, Ana Cristina Bezerra destaca que foram encontrados vestígios de gordura em artérias de crianças até com 2 anos, após necrópsias. Esse é um exemplo que confirma a necessidade de uma alimentação saudável desde o ventre. ;O ideal é que a partir dos 6 meses a criança alterne o leite materno com produtos naturais;, orienta Isa Jorge. ;Os pais precisam ensinar aos filhos o que significa um produto saudável e uma dieta que os defenda de doenças como diabetes, hipertensão e outras;, acrescenta.
O projeto da nutricionista da USP teve como fonte um questionário com 400 crianças de municípios do estado de São Paulo. Ao avaliar a participação das famílias na educação alimentar, ela percebeu que apenas 20% dos pais reconheceram que os filhos estavam com uns quilos a mais. ;O problema é cultural. Começa em casa e vai para a escola, onde as lanchonetes estão repletas de produtos industrializados com excesso de sal e sódio, entre outros componentes prejudiciais à saúde;, afirma Isa.
Questão cultural
O garoto Eduardo Pereira Neiva, 9 anos, se encaixa em um dos perfis descritos nas investigações da nutricionista. Fatores ambientais, hereditários e culturais explicam o sobrepeso de Eduardo. Na casa dele, o avô, Olímpio Pereira Neto, a mãe, Heloísa Rocha Pereira, e outros membros da família são obesos. ;No ano passado, resolvemos fazer o controle da alimentação dele e cuidar de outras questões que envolvem a saúde;, diz Heloísa. Em pouco mais de um ano, o menino, que pesava 48kg, já perdeu 4kg e se habituou a uma dieta à base de frutas, cereais, grelhados e sucos ;Também estou fazendo basquete. Acho que é o esporte que gosto mesmo;, afirma, depois de ter provado o futebol, a capoeira e outras atividades.
Eduardo e o irmão de 13 anos, Giovani, fazem acompanhamento alimentar em um posto de saúde do Lago Norte. Ele garante que não sente mais saudades de pizzas, refrigerantes e biscoitos recheados. ;Bolo, só no fim de semana;, diz. O controle tem dado tão certo que se alguém perguntar a ele se prefere comprar lanches na escola ou levar de casa, responde na hora: ;Eu levo de casa;. A dieta do garoto inclui bolachas e pães integrais, legumes, verduras, frutas e frango grelhado. ;Só como chocolate na Páscoa e em datas como Natal e ano-novo;, afirma.
O menino Carlos Eduardo de Sena G.V. Martins, 4 anos, exibe um perfil inverso. Até os 3, não sabia o que era açúcar e jamais bebeu um refrigerante. ;O doce dele é fruta;, diz a mãe, a tradutora Marta Sena. O garoto também não ataca mesa de doces em festas de aniversário e adora Beethoven e as aulas de teatro. Aos 4, Carlos já toca a 9; Sinfonia no piano, conhece peças de Mozart, Chopin e Brahms. Além do teatro, Carlos Eduardo preenche o tempo fora da escola normal com aulas de psicomotricidade, artes e música e judô ; tudo para evitar ao máximo o excesso de televisão e games.
;Os grandes aliados da obesidade são as guloseimas, os programas de televisão e os videogames;, destaca Ana Cristina. Para a médica, o governo precisa investir mais na criação de programas de educação alimentar. ;O ideal é pegar a criança ainda na idade pré-escolar;, recomenda. Segundo dados do IBGE, o Brasil tem uma população de crianças e adolescentes obesos de 15% e ocupa a 19; posição no ranking mundial da obesidade. Cerca de 500 milhões de habitantes do planeta estão acima do peso, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
O que fazer para prevenir
; A partir dos 2 anos, substituir laticínios integrais por aqueles com baixos teores de gordura.
; Aumentar o consumo de frutas, vegetais e cereais integrais.
; Evitar ou limitar o consumo de refrigerantes.
; Evitar o hábito de comer assistindo a televisão.
; Diminuir a exposição a propagandas de alimentos.
; Limitar o consumo de alimentos ricos em gordura e açúcar (que têm elevada densidade energética).
; Estabelecer e respeitar os horários das refeições.
; Diminuir o comportamento sedentário.
; Atividades físicas estruturadas.
; Diminuir o tamanho das porções dos alimentos.