Paloma Oliveto
postado em 15/05/2011 08:19
Durante 23 anos, a mente do belga Rom Houben ficou aprisionada em um corpo inerte. Na década de 1980, ele sofreu um acidente de carro e entrou em coma. Os meses se passaram e Ron não despertava. Embora a mãe, Jacqueline Nicolaes, insistisse que o filho se comunicava com ela pelo olhar, os médicos deram a última palavra sobre o caso: Ron encontrava-se em estado vegetativo, caracterizado pela incapacidade de raciocinar. Mesmo que mexam os olhos e pareçam reagir a estímulos, pacientes nessa condição apenas respondem a reflexos e não têm consciência de si e dos outros. O que os mantém clinicamente vivos é uma sonda que introduz alimentos no organismo, já que eles não podem mastigar nem engolir. Muitas vezes, são necessários mais equipamentos, como respiradores.Fina Houben não aceitou o desengano e desafiou a ciência. Um dos diversos médicos que procurou, Steven Laureys, do Grupo Científico Belga sobre o Coma, da Universidade de Li;ge, resolveu dar crédito à história. Estudou o caso e descobriu que, na verdade, o paciente, hoje com 48 anos, esteve consciente durante as mais de duas décadas em que foi tido como vegetativo. Com um teclado especial, Ron afirmou que sabia de tudo o que se passava a seu redor, mas simplesmente não conseguia se comunicar. Com a ajuda do computador, ele deu até entrevistas e está escrevendo um livro sobre sua história. Há dois anos, quando o caso foi revelado em um artigo científico, ele afirmou à revista alemã Der Spiegel: ;Eu gritei, mas não havia ninguém para ouvir. O tempo todo, eu sonhava, literalmente, com uma vida melhor;.
Casos como o dele são raríssimos. Porém, não é incomum que pacientes diagnosticados como vegetativos tenham um grau mínimo de consciência e possam despertar. Um estudo de Steven Laureys revelou que nada menos que quatro entre 10 diagnósticos de estado vegetativo estavam errados. Agora, o pesquisador e a neurologista Melanie Boly, que também integra a equipe do grupo de estudos da Universidade de Li;ge, divulgaram uma nova pesquisa, publicada na revista Science, na qual propõem uma metodologia para diferenciar o estado vegetativo daquele de mínima consciência.
Apesar de nem todos que se encontram na segunda condição poderem, como Rom, voltar a se comunicar e a raciocinar plenamente, o estudo é importante porque vai ajudar os médicos a ajustar as doses dos medicamentos para dor, além de oferecer esperanças às famílias. Se o paciente não conseguir sair da cama, ao menos os parentes e amigos saberão que suas palavras e gestos são entendidos. Mas existe uma aplicação ainda mais importante. Em países onde a eutanásia é permitida ou nos casos de autorizações judiciais, as máquinas que mantêm os pacientes tidos como vegetativos podem ser desligadas. ;Em casos extremos, isso pode acontecer. O que ressalta a importância da utilização de ferramentas confiáveis para o diagnóstico, e se trabalhar conjuntamente os estudos clínicos e as neuroimagens;, diz Boly ao Correio.
Resposta cerebral
A equipe de pesquisadores, da qual também faz parte Marta Isabel Garrido, do Centro de Neuroimagem Wellcome Trust, da University College London, mediu a resposta elétrica do cérebro a estímulos auditivos por meio de eletroencefalogramas. Participaram do estudo 22 indivíduos saudáveis e 21 com graves danos cerebrais. Desses, oito encontravam-se em estado vegetativo e 13 em estado de mínima consciência ; nessa condição, os pacientes realizam movimentos deliberados, como piscar os olhos se alguém pedir para que façam isso, e respondem à dor.
Estudos anteriores mostraram que a resposta elétrica cerebral muda quando se modifica a frequência de um determinado som, mas que isso não ocorre quando uma pessoa está anestesiada, sugerindo que o estímulo pode ser um indicativo de consciência. Os voluntários saudáveis e os pacientes foram expostos a séries de tonalidades simples. A resposta elétrica do cérebro de pessoas vegetativas praticamente foi nula.
Graças a um modelo matemático desenvolvido na University College London, os cientistas descobriram que as tonalidades estimulam a atividade em partes do córtex temporal especializadas no processamento sonoro. Nos indivíduos saudáveis e em estado de consciência mínima, os córtex frontal e parietal mandam sinais para o córtex temporal. Nas pessoas em estado vegetativo, isso não ocorre. ;Os métodos de diagnóstico atuais baseiam-se em medidas comportamentais, sendo que um paciente em estado de consciência mínima apresenta alguns comportamentos que requerem cognição, enquanto que um paciente em estado vegetativo apresenta apenas reflexos;, explica ao Correio Marta Isabel.
;Os nossos resultados, por sua vez, indicam que, no estado vegetativo, existe uma interrupção na conexão cerebral que liga o córtex frontal ao temporal. Essa mesma conexão encontra-se intacta em pessoas saudáveis e em pacientes em estado de consciência mínima. Esse resultado poderá revolucionar completamente o diagnóstico e o prognóstico clínico atual, uma vez que se baseia em uma medição biológica objetiva: a interrupção de uma conexão cerebral específica;, diz. Além disso, a tecnologia, segundo a pesquisadora, é relativamente simples e barata.
Uso só no futuro
De acordo com Marta Isabel, o método ainda não tem aplicação imediata, mas é promissor. ;Serão necessários mais estudos para o aperfeiçoamento, bem como a validação dos resultados em amostras com mais pacientes;, afirma. Além da diferenciação entre o estado vegetativo e o de mínima consciência, a metodologia poderá ser útil para outras condições relacionadas à consciência. ;Estudos sobre anestesia, sono ou epilepsia podem usar a técnica para verificar se há distúrbios no funcionamento dessas conexões cerebrais;, complementa Melanie Boly.
;No futuro, planejamos complementar os resultados desse estudo. Isso permitiria estabelecer se há ligação entre consciência e mecanismos cerebrais que encontramos no coma. Compreender os mecanismos por trás dessas condições significa contribuir para a melhoria dos métodos de diagnóstico. Isso é um passo fundamental para um tratamento mais adequado e eficaz;, defende Marta Isabel.