Ciência e Saúde

Grupo de cientistas detecta doença em múmias egípcias

Paloma Oliveto
postado em 18/05/2011 10:49
Nome: Ahmose Meyret Amon. Sexo: feminino. Nacionalidade: egípcia. Profissão: princesa. Diagnóstico: arteriosclerose. Idade: cerca de 3,5 mil anos.

Essa paciente, muito peculiar, é o primeiro registro de arteriosclerose coronariana na história da medicina. Trata-se de uma condição caracterizada pelo depósito de gordura e pela calcificação na artéria, associada, geralmente, a maus hábitos, como sedentarismo, tabagismo e alimentação inadequada. Mas, graças a um projeto que envolveu pesquisadores de várias partes do mundo, cientistas descobriram que o problema não é tão moderno assim. A técnica de tomografia computadorizada em múmias pode revelar dados preciosos sobre doenças que até hoje atormentam as pessoas.

Com autorização do governo egípcio, os pesquisadores do Projeto Horus realizaram o exame, usando um tomógrafo instalado no Museu do Cairo. Os ;Indiana Jones; da medicina escanearam os restos mortais de 52 múmias para encontrar pistas sobre doenças cardiovasculares. Uma tarefa difícil, considerando que, no processo de mumificação, geralmente o coração era retirado.

;Os antigos egípcios não entendiam a função do coração. Eles acreditavam que o órgão continha a alma. Já o cérebro teria um papel de menor valor;, conta ao Correio Gregory S. Thomas, diretor do Núcleo de Educação Cardiológica da Universidade da Califórnia em Irvine e um dos líderes do estudo. Ontem, ele apresentou os resultados durante a Conferência Internacional de Imagens Cardiovasculares Não Invasivas, realizada em Amsterdã (Holanda).

Das múmias examinadas, 45 tinham tecidos coronários preservados e 15 ainda possuíam coração. Vinte foram diagnosticadas com arteriosclerose ; 12 com certeza e oito muito provavelmente. ;Algumas múmias tinham apenas restos do tecido, o que dificulta afirmar se elas tinham ou não arteriosclerose. Mas é incrível o quão preservadas elas estavam. Você pode imaginar ser mumificada e alguém conseguir reconhecer seu rosto e compreender quais doenças poderia ter 5 mil anos depois?;, observa Thomas. Graças à boa conservação das múmias e à tecnologia de ponta, os cientistas encontraram calcificações em diversas artérias: aorta, coronária, carótida, ilíaca, femoral e periférica. Para a época, a maioria dos pacientes já eram considerados velhos na data da morte, com idade média de 45,1 anos.

Fatores de risco
Duas múmias tinham arteriosclerose coronariana, sendo que a mais antiga e, portanto, o primeiro registro de caso da história, era uma princesa que viveu entre 1550 e 1580 a.C. Ahmose Meyret Amon, cujo nome significa ;Filha da lua, amada de Amon;, era filha da rainha Ahhotep I e do faraó Seqenenre Tao II, o último da 17; dinastia. Sua família vivia em Tebas, atual Luxor (leia Para saber mais). Como membro da realeza, provavelmente comia carne de carneiro, um luxo para poucos na época. Apesar de gorduroso, o alimento não era suficiente para danificar as artérias.

O Egito Antigo era uma sociedade agrícola e, de acordo com hieróglifos descobertos em templos, as pessoas consumiam ovelha, carne de vaca, pão, bolos, frutas e vegetais. Naquela época, o tabaco não era usado e muito menos existiam as gorduras trans. ;Saber que já existia a doença coronariana traz uma nova perspectiva sobre a doença. As múmias eram da nobreza rica que, apesar de consumir carneiro, não tinha o tabagismo e outros fatores de risco modernos;, avalia João Vítola, cardiologista, médico nuclear e pesquisador da Agência Nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU). O brasileiro não participou desse estudo em particular, mas faz parte do grupo internacional de cientistas que estudam fatores de risco para o infarto.

;É extraordinário que a arteriosclerose, causa de doenças cardíacas e vasculares, fosse comum no Egito Antigo. Eles não tinham tabaco, comiam uma dieta orgânica com menos carne e gordura do que ingerimos agora, sem gordura trans, e possivelmente eram muito mais ativos do que nós, pois não tinham carros nem eletricidade;, concorda Thomas. ;Assim, o nível de fatores de riscos clássicos para a condição era baixo. O fato de encontrarmos a doença nas múmias sugere que há outro fator de risco para doenças coronarianas, que ainda desconhecemos;, diz.

Papiro sobre angina
Para João Vítola, que conhece bem a pesquisa com as múmias e também esteve no encontro de Amsterdã, a tecnologia poderá ajudar a desvendar quais outros fatores estão por trás da arteriosclerose. ;O diagnóstico das múmias foi possível porque chegamos a um avanço tecnológico do maquinário a ponto de identificar o problema. Pode ser que surjam novas tecnologias que permitam avaliar alguns aspectos que, hoje, ainda não entendemos;, acredita.

Gregory S. Thomas conta que, naquela época, não havia tratamentos para doenças do coração. Mas um papiro que representa um dos primeiros livros médicos da história, escrito cerca de 1550 a.C., tem a seguinte inscrição: ;Se examinar um homem com doença em seu coração, se ele sente dores nos braços, no peito ou em um dos lados do coração, é a morte que o ameaça;.

;Essa descrição é da angina, a dor no peito;, explica Thomas. Um problema que hoje é facilmente tratado ; seja com medicamentos ou, no caso de obstruções maiores nas artérias, com um simples stent ;, na época, era um atestado de óbito. ;Eles podiam reconhecer os sintomas como algo que ameaçava a vida, mas não tinham tratamentos e acreditavam que o paciente morreria logo. Os médicos podiam cuidar de algumas doenças, mas, no caso daquelas com prognósticos ruins, os textos não recomendavam tratar, pois eles não tinham nada a oferecer para esses pacientes;, diz Thomas.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação