Ciência e Saúde

Fêmeas de ancestral do homem abandonavam suas famílias e ganhavam o mundo

Paloma Oliveto
postado em 02/06/2011 09:00
Nas savanas africanas, há 2 milhões de anos, lugar de macho era em casa. Estudo publicado na edição de hoje da revista Nature mostra que, na estrutura social dos Australopithecus africanus, ancestrais bípedes do homem moderno, as fêmeas abandonavam o grupo e ganhavam o mundo. Uma característica bem diferente da observada em outros tipos de primatas, como os gorilas, onde elas acompanham a família até a morte, enquanto que os desapegados machos preferem perambular por aí.

Há tempos os paleontólogos tentam descobrir pistas sobre o estilo de vida desses humanoides, que viveram entre 3,5 milhões e 1,8 milhão de anos atrás e cujos deslocamentos geográficos podem ajudar a entender a origem e migração do próprio Homo sapiens. ;O problema é que as inferências sobre sua biologia e estilo de vida esbarram na frustrante falta de informação, o que significa que as conjecturas sobre os Australopithecus africanus são abundantes, mas nosso conhecimento continua escasso;, observou a paleontóloga da Universidade da Califórnia Margaret J. Schoeninger, em artigo que acompanha o estudo.

Os cientistas, liderados por uma equipe da Universidade do Colorado em Boulder, driblaram o problema graças a 19 dentes encontrados em duas cavernas da África do Sul. Usando uma nova técnica de datação, a ablasão por laser, eles descobriram que os fósseis pertenciam a hominídeos com 2 milhões de anos. De acordo com Sandi Copeland, paleantropóloga que liderou a pesquisa, mais da metade dos dentes de fêmeas foram achados fora da área onde o grupo se concentrava. ;Ao mesmo tempo, apenas 10% dos dentes dos machos estavam em outros lugares, que não o centro do grupo, sugerindo que eles provavelmente cresceram e morreram na mesma região;, disse, em uma teleconferência de imprensa. ;Isso nos diz que as fêmeas cresceram em algum outro lugar e morreram nas cavernas;, explicou Julia Lee-Thorp, arqueóloga da Universidade de Oxford e coatura do estudo.

Foi possível distinguir os dentes de fêmeas e machos comparando o tamanho dos molares, que são maiores no segundo gênero. Por que eles preferiam ficar perto da caverna em vez de migrar como as parceiras ainda é um mistério. Os pesquisadores acreditam que talvez os homens escolhiam não migrar porque apreciavam a paisagem formada por pedras dolomitas. Não pela beleza, mas pelo fato de que a presença dessa rocha indica a abundância de cavernas em uma região e, provavelmente, nesses locais, havia o tipo de alimento de que os machos gostavam.

Movimento geográfico
Copeland explicou que um dos objetivos dos cientistas envolvidos no projeto, afiliado ao famoso Instituto Max Plank, era justamente descobrir como os primeiros hominídeos se relacionavam com o ambiente. ;Com esse trabalho, temos o primeiro vislumbre direto dos movimentos geográficos desses ancestrais, e parece que as fêmeas preferiam se mudar, deixando para trás seus grupos residenciais;, disse. ;De certa forma, os resultados foram surpreendentes. Nós sempre presumimos que a maioria dos hominídeos migrava, já que se acredita que a evolução do bipedismo ocorreu, em parte, para permitir que os indivíduos percorressem longas distâncias. Acampamentos pequenos como os que identificamos (as duas cavernas onde os grupos se baseavam) podem implicar que passamos a andar sobre duas pernas por outras razões.;

Um dos autores do artigo, Matt Sponheimer, também da Universidade de Colorado em Bolden, disse que, se já é difícil entender as relações entre os sexos hoje, torna-se um desafio enorme investigar as formas como fêmeas e machos usavam o ambiente e formavam seus grupos sociais há milhões de anos. ;É desafiador, para dizer o mínimo. Além disso, crânios e dentes desmembrados são notoriamente uma ferramenta pobre de comunicação, então é muito difícil mesmo encontrar novas formas para fazer esses velhos ossos ;falarem;;, afirmou.

Mas, com a tecnologia a laser, os cientistas conseguiram obter informações a partir das poucas peças disponíveis. Também surpreendeu Sonheimer que os machos fossem tão apegados ao local de origem. ;Nunca pensei nesses hominídeos como sendo quintessencialmente homens das cavernas, mas o uso potencial dessas estruturas nesse período ainda muito inicial é algo a ser considerado;, disse. Já das fêmeas não se pode dizer o mesmo. Com o espírito mais desbravador, definitivamente, elas não eram ;mulheres; das cavernas.

Parentes antigos
O homem moderno surgiu na África há apenas 120 mil anos, mas tem ancestrais em comum com outros grandes primatas. Os australopitecos são os parentes mais antigos do Homo sapiens. Embora muito mais parecido com um macaco do que com um homem, ele era bípede e mais ereto, características que o colocam no grupo dos hominídeos.

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