postado em 05/06/2011 11:12
Em 5 de junho de 1981, há exatos 30 anos, o mundo descobriu um novo ; e poderoso ; inimigo. Silencioso e rápido, o vírus da imunodeficiência humana adquirida, o HIV, se espalhou sem distinguir etnia, classe social ou orientação sexual. Mutante, se esquivou de todos os tratamentos que a ciência feita pelo homem tentou estabelecer. Em constante revolução, como o vírus, também é o mundo em que a epidemia se desenvolveu. Dos ;anos perdidos; da década de 1980, passando pela estabilização econômica dos anos seguintes e chegando ao século 21, quando se desenvolveu a sociedade que mantém um pé no mundo físico e outro no virtual, a Aids modificou o mundo e se transformou com ele. Hoje, 30 anos depois de o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos ter enviado um alerta sobre uma nova doença que se alastrava pelo país, especialistas mostram como a epidemia de Aids ajudou a moldar a sociedade contemporânea.Quando os primeiros casos de Aids foram detectados na Califórnia, em 1981, um mundo totalmente diferente do atual começava a conhecer a doença. A internet ainda era apenas um sistema entre universidades, a Terra era dividida entre comunismo e capitalismo e a educação fundamental estava longe de ser um privilégio de todas as crianças brasileiras. ;Assim como a sociedade, a epidemia também manteve ao longo dos anos duas faces: uma de esperança e outra mais nefasta;, avalia Luiz Loures, diretor do Escritório Executivo do Programa da Nações Unidas para a Aids (Unaids), na Suíça, em entrevista ao Correio. ;Se, por um lado, o profundo desenvolvimento científico e tecnológico que a sociedade vivenciou possibilitou o avanço dos tratamentos que prolongam a vida dos pacientes, por outro, questões financeiras e falta de vontade política ainda dificultam o tratamento.;
Um dos problemas que impediram o amplo acesso a tratamento pelos pacientes até a primeira metade dos anos 1990 foi que o preconceito ainda era extremo em relação aos soropositivos. A questão era um reflexo de uma sociedade onde a circulação da informação era limitada ; se comparada aos padrões atuais ; e direitos civis para grupos como homossexuais e profissionais do sexo eram algo ainda incipiente. ;Hoje sabemos que, embora essa população esteja entre as mais vulneráveis, não se trata de uma questão biológica, mas social. A doença se alastrou, desde o início, por diversas parcelas da sociedade e as respostas que a sociedade deu para elas, não;, explica Loures. ;Ao longo dos anos, a doença se desenvolveu baseada nos próprios preconceitos e valores da sociedade e isso é que deixa alguns grupos mais vulneráveis;, completa.
Após o crescimento vertiginoso dos primeiros anos, quando uma espécie de pânico tomou conta de parcelas da população, ter Aids virou um estigma ainda maior do que o enfrentado por quem tinha lepra, nos primeiros anos do século 20. Os primeiros medicamentos, entre eles o AZT, surgiram. A morte inevitavelmente veloz que se seguia ao diagnóstico do HIV foi virando uma consequência cada vez menos presente e a vida dos pacientes foi prolongada para alguns anos e, depois, para décadas.
Consolidou-se a constatação de que a sociedade precisaria se adaptar para conviver como os soropositivos. A doença deixara de ser um problema ligado a grupos específicos e tinha se internacionalizado. Chegou à África, onde se espalhou rapidamente. Nos países recém-independentes do Leste Europeu, ela se espalhou principalmente via drogas injetáveis.
Luta unificada
Em 1996, 22,7 milhões de pessoas viviam com a doença em todo o mundo. Embora o número de novos infectados a cada ano começasse a se estabilizar, o número de pessoas que morriam em decorrência da doença ainda crescia assustadoramente. Naquele ano, esforços internacionais resultaram na criação da Unaids, que institucionalizou o início de uma mudança nos rumos da epidemia. ;O Brasil se tornou o primeiro país em desenvolvimento a criar uma política de proteção social e tratamento para pacientes com HIV. Esse pioneirismo fez o país se tornar um referência positiva quando o assunto é Aids;, aponta Eduardo Barbosa, diretor adjunto de DST/Aids do Ministério da Saúde. ;Hoje não é apenas no cenário econômico que o país tem peso e voz. Em tudo que diz respeito às políticas internacionais de HIV, o país é ouvido;, emenda Luiz Loures, o chefe da Unaids.
Na virada do milênio, a tecnologia roubou a cena mundial. O acesso a uma comunicação cada vez mais ágil tornou a sociedade mais pragmática. ;Os tratamentos se popularizaram e as informações também, mas, por alguma razão, a sociedade ;baixou a guarda; em relação ao vírus. Se, por um lado, essa noção ; totalmente errônea ; de que a Aids não é tão grave ajudou no combate ao preconceito, por outro, fez com que a epidemia avançasse em novos grupos, em que a prevenção ainda não estava tão bem trabalhada;, afirma Willy Rosembaum, francês que participou da descoberta do vírus, em 1983.
As mudanças no mundo obrigaram a promoção de mudanças nas formas com que as pessoas se relacionam com a doença. ;Hoje, por exemplo, sabemos que simplesmente dar a informação não é suficiente. É preciso trabalhar com parceiros como escolas e empresas se quisermos promover uma mudança na forma de comportamento das pessoas;, aponta Eduardo Barbosa, do Ministério da Saúde. ;Nesses 30 anos, aprendemos que não é possível virar as costas para as questões sociais. Se quisermos controlar a doença, não podemos fingir que não existem questões como prostituição, uso de drogas injetáveis ou relações extraconjugais. Precisamos dar atenção a todos esses aspectos da vida social;, opina.
Em um mundo que ainda se recupera da última crise econômica global, a questão financeira é o que deve dar o tom da epidemia nos próximos anos, e em como devem ser tratadas as 35 milhões de pessoas que convivem com o mal. ;Vivemos hoje um momento de definições;, acredita Loures. Nos últimos anos, houve pela primeira vez a diminuição dos recursos financeiras direcionados às políticas públicas de combate ao HIV. ;Se, pela primeira vez, vamos conseguir controlar totalmente a epidemia ou se ela vai sair de controle é algo que deixou totalmente a esfera médica e é apenas uma questão política. Os conhecimentos que temos hoje já são completamente capazes de controlar o HIV;, completa.
Confira o relatório da Unaidd sobr os 30 anos da Aids
AIDS at 30 - Nations at the crossroads