Ciência e Saúde

Em pesquisa, cientistas fazem coração se recuperar sozinho após infarto

Paloma Oliveto
postado em 09/06/2011 08:37
Há 25 anos, pesquisadores da organização não governamental científica British Heart Foundation (BHF) buscam elucidar uma desafiadora questão: como consertar um coração partido? A resposta está adormecida, dentro do próprio órgão, de acordo com um estudo publicado na edição de hoje da revista especializada Nature. Realizado em ratos de laboratório, o experimento conseguiu recuperar a musculatura cardíaca severamente danificada depois de um infarto do miocárdio, problema que afeta 900 mil brasileiros ao ano, principalmente homens.

;Estamos muito empolgados com essa pesquisa. Há tempos pensávamos como fazer algo para melhorar a condição das pessoas com doenças cardíacas e percebemos que o caminho está na medicina regenerativa;, disse o principal investigador, Paul Riley, em uma entrevista coletiva organizada e retransmitida pela Nature. ;Então, corremos atrás de financiamento para, literalmente, ;emendar; corações partidos;, contou. A BHF é uma organização independente que sobrevive de doações para pesquisas.

O médico explica que, quando um coração saudável se contrai, cerca de 50% do sangue é bombeado, processo importante para garantir a oxigenação do organismo. Já em uma pessoa que sofreu um ataque cardíaco, o percentual cai para 20%, comprometendo o funcionamento do corpo inteiro e levando à falência do órgão. ;Para essa pessoa, a única solução seria o transplante ou a morte;, afirmou. Segundo ele, é aí que entra a medicina regenerativa.

O problema é que ; ao contrário da pele, capaz de se recuperar sozinha de alguma lesão ; o coração não consegue se autorregenerar. ;Nosso foco era descobrir um meio de forçar o órgão a fazer isso. Mais e mais pessoas sobrevivem a ataques cardíacos, mas elas ficam com um coração doente e têm de lidar com as consequências disso. Estamos falando de milhões de pessoas em todo o mundo, já que as doenças cardiovasculares são uma epidemia. Para essas pessoas, não temos um bom tratamento. Podemos ministrar um paliativo, como medicação, o que as fará se sentirem melhor e viverem um pouco mais. Mas elas são impedidas de fazer diversas coisas, como se exercitar. E vivem com o medo de que, a qualquer momento, possam sofrer morte súbita;, admitiu.

Ativação genética
A pesquisa da equipe de Riley é altamente promissora porque conseguiu acertar no alvo. O coração possui células-tronco progenitoras, que se formam ainda durante a gravidez. Entre outras funções, elas criam vasos sanguíneos e a musculatura cardíaca. Mas, embora presentes no órgão adulto, seus genes ficam desativados. O trabalho dos médicos foi encontrar uma substância capaz de acordá-los. Eles conseguiram isso com um hormônio chamado timosina b4, que, em ratos, é conhecido por induzir a revascularização celular.

No experimento, os ratos receberam injeções diárias da substância e foram induzidos posteriormente a um infarto do miocárdio (veja arte). No grupo de controle, não houve qualquer regeneração. Mas os que foram pré-tratados tiveram 25% de melhoria. Novos tecidos se formaram e se uniram às partes saudáveis do músculo cardíaco. ;O motivo pelo qual nos interessamos particularmente nessas células progenitoras do coração é que, durante a gestação, elas contribuem para a vascularização e a formação do músculo cardíaco. Então, achamos que elas continuavam lá, embora ;dormindo;. Quando reativamos os genes embrionários, descobrimos que as células acordaram. E o importante é que esses genes não só formam novos tecidos cardíacos, como se juntam aos músculos sadios;, comemorou Peter Weissberg, diretor da BHF, que também participou da coletiva.

De acordo com ele, ainda é cedo para dizer se a técnica será viável em humanos. ;Tenho confiança de que isso não vai ocorrer amanhã nem no próximo ano, mas em pouco tempo;, disse. Por isso, também não se sabe ao certo como seria o tratamento. ;Realmente, não temos muita ideia. Especulamos que indivíduos em risco de sofrer um ataque cardíaco poderiam tomar um remédio que induzisse a ativação dessas células;, afirmou. Outra possibilidade clínica seria a administração da substância logo após um infarto. ;O ataque cardíaco demora entre uma e duas horas para se desenvolver. Por isso, podemos ter sucesso com o tratamento, já que, nesse meio tempo, seria possível prevenir os danos.;

Apesar das incertezas, Paul Riley classifica o resultado obtido como espetacular. ;Cinco anos atrás, isso seria considerado ficção científica. Temos de procurar mais moléculas, mais genes, antes de transportar o resultado para humanos. Mas posso dizer que esse é só o começo da história;, garantiu.

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