postado em 15/06/2011 09:41
Uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, pela sigla em inglês) detectou um aumento nos casos de crianças e adolescentes que sofrem com o transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), passando de 5,7% na década de 1990 para 7,6% no período analisado (2006/2008) ; uma elevação de 33% nos registros. De acordo com pesquisadores envolvidos no estudo, pelo menos 5,4 milhões de norte-americanos entre 4 e17 anos têm o diagnóstico do TDAH fechado. O trabalho foi publicado recentemente no periódico científico The journal of pediatrics. Psiquiatras e neurologistas brasileiros não contam com uma base de dados que aponte números tão precisos, mas estimam que de 3% a 8% da garotada e 4% dos adultos que vivem no Brasil tenham TDAH.O problema é que, embora não seja mais uma denominação estranha a pais e educadores, o deficit de atenção e hiperatividade é alvo de grande confusão. Muitos ainda acreditam que ele seja um artifício para acobertar e desculpar crianças travessas que não gostam de estudar ou têm dificuldade de relacionamento ; ou até uma doença ;inventada pela indústria farmacêutica para vender drogas;.
De acordo com a epidemiologista Susanna Visser, especialista em TDAH e uma das autoras do estudo americano, a não aceitação do distúrbio, assim como o desconhecimento sobre seus efeitos e suas repercussões, posterga o tratamento e faz com que muitas crianças sofram anos a fio sem a devida atenção médica e psicopedagógica. ;Não temos dúvida que o TDAH sempre existiu, mas foi a quebra do estigma que permitiu a conscientização nos EUA, promovendo avanços no tratamento medicamentoso e psicológico. Nossa pesquisa deu a dimensão do problema em nosso país;, avalia. Visser explica que o estudo também comprovou que o distúrbio atinge mais meninos do que meninas e que alguns fatores de risco parecem estar por trás dele. ;A hereditariedade é o mais evidente, mas sabemos que a gestação em idade avançada e os partos prematuros também parecem influenciar sua ocorrência;, complementa.
Obstáculos
O psiquiatra Daniel Segenreich destaca que o TDAH é um transtorno neurobiológico que compromete a atenção da pessoa, seja ela criança ou adulto. Os portadores do problema têm grande dificuldade de concentração. São indivíduos facilmente distraídos por estímulos externos ou por pensamentos internos, ou seja, são capazes de estar fisicamente presentes em um ambiente, mas com a cabeça longe dali. E como a atenção é imprescindível para o bom funcionamento da memória, os afetados pelo TDAH, em geral, são vítimas do esquecimento.
;O TDAH não é um transtorno de aprendizagem, como a dislexia ou disortografia. Ele pode levar a uma dificuldade escolar porque o paciente não consegue manter o foco. O diagnóstico é feito por médicos especialistas, geralmente neurologistas ou psiquiatras;, enfatiza Segenreich, que é um dos pesquisadores do Geda, Grupo de Estudos de Deficit de Atenção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O médico afirma que as pesquisas no Brasil estão concentradas em desvendar os mistérios da neurofisiologia e bioquímica cerebral e da ligação do transtorno com a genética. ;Os tabus ainda existem porque, na prática, médicos despreparados erram o diagnóstico. Alguns prescrevem drogas para quem não tem TDAH, outros não percebem que o paciente tem o distúrbio;, pondera. O sinal mais clássico em crianças é a desatenção. A inquietude e a impulsividade ocorrem em alguns casos. Em adultos, as manifestações estão mais relacionadas ao comportamento. A pessoa não consegue organizar o dia a dia, passa a irritar-se com isso e não se relaciona bem com os que estão à sua volta. O estresse e a depressão podem ser comorbidades.
Rótulo
A bacharela em direito Tatiana Moraes Lima, 32 anos, sempre teve dificuldade em prestar atenção nas aulas. Ela não acompanhava a turma, mas suas professoras jamais sugeriram aos pais que procurassem ajuda especializada para uma investigação que detectasse o motivo da falta de concentração. ;Até hoje, ecoa em minha memória o rótulo que recebi de uma professora. Ela virou para a minha mãe e disse que eu era retardada. Isso me marcou profundamente;, relata. Na infância, Tatiana não ligava para as bonecas nem jogava videogames ou participava de brincadeiras que exigiam atenção por mais de 10 minutos.
As dificuldades fizeram com que ela fosse reprovada algumas vezes na escola, mas ainda assim o ensino fundamental foi concluído. Na faculdade, a moça percebeu por si própria que não conseguia se concentrar nos textos e nas aulas. ;Quando criança, não tinha essa percepção. Tudo me distraía, desde um espirro até uma formiga que, eventualmente, atravessava meu caminho. Aos 30 anos, consultei um neurologista e, finalmente, tive o diagnóstico do TDAH. O medicamento proporciona a concentração e a terapia resgatou a autoestima;, conta.
Para a psicóloga e presidente a Associação Brasileira de Deficit de Atenção (Abda), Iane Kestelman, o TDAH está mais em pauta, mas a maioria das escolas não conta com estratégias ou abordagens que proporcionem uma educação de qualidade às vítimas do transtorno. ;O aumento no número de diagnósticos é um indício que o mito de que ele é uma desculpa para o desvio de comportamento de crianças e adultos está caindo por terra;, observa.
Iane lembra que apenas 30% dos portadores do TDAH apresentam a forma simples do transtorno, ou seja, esboçam os três sintomas conhecidos como cardinais ; desatenção, impulsividade e hiperatividade. Outros 70% são vítimas de comorbidades, como dislexia, depressão, ansiedade, transtorno bipolar, abuso de drogas e comprometimento da autoestima. ;O médico faz o diagnóstico diferencial, separando o que é do que parece ser. A partir disso, estipula o tratamento e indica as terapias necessárias. O TDAH é democrático. Afeta crianças com QI alto ou baixo, ricas ou pobres, homens e mulheres, mas todos são aptos a aprender quando a concentração é resgatada;, sustenta.
Sucesso
A psicóloga acrescenta que as dificuldades de aprendizado aumentam à medida que as demandas escolares ficam mais complexas. Segundo ela, chega um momento que nem a criança mais inteligente consegue compensar a falta de concentração. A professora Suema Souza, 32 anos, constatou as barreiras enfrentadas pela filha e não hesitou em procurar um especialista. ;Até o 4; ano, Nayara, que hoje tem 13 anos, não teve dificuldades. Quando passou a ser mais exigida, porém, o transtorno mostrou as garras e o rendimento escolar caiu. Ela realmente não conseguia se concentrar;, revela.
Com o diagnóstico em mãos, Suema passou pelo dilema de ministrar um medicamento controlado à adolescente. Ela conta que não foi fácil aceitar que Nayara deveria tomar um remédio tarja preta. ;Mas percebi que a droga é um apoio necessário para se vencer o problema. Ela toma de segunda a sexta-feira e está ciente de que precisa fazer a sua parte em relação às tarefas e às obrigações escolares como qualquer outra criança;, pondera Suema, que hoje sabe que também tem TDAH. ;A diferença é que eu sou hiperativa e a Nayara, não;, acrescenta.