postado em 16/06/2011 09:03
Desde 1869, quando o patologista suíço Friedrich Miescher descobriu o ácido desoxirribonucleico, conhecido pela sigla DNA, desvendar como essa molécula formadora de todos os seres vivos se organiza nas células tem sido um desafio para cientistas de todo o mundo. Depois que o código da vida do homem e de diversas outras espécies animais e vegetais foi desvendado, pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa propõem um dos maiores projetos de sequenciamento genético desde que o Projeto Genoma Humano foi concluído, em 2000: desvendar, no prazo de cinco anos, o DNA de 5 mil espécies de artrópodes (filo que inclui cerca de 1 milhão de espécies de insetos, aracnídeos, crustáceos e outras formas de vida). Batizada de i5k, a iniciativa é um dos destaques da edição de hoje do periódico especializado American Entomologist.O conceito básico do projeto é identificar os principais artrópodes que influenciam a vida do homem ; seja transmitindo doenças ou prejudicando plantações, por exemplo ; e inventariar totalmente o material genético deles. ;O processo envolve a obtenção de DNA de grupos limitados de cada espécie, a montagem dos dados brutos, a descrição dos genes, além da identificação de padrões que se repetem em regiões reguladoras;, descreve em entrevista ao Correio Daniel Lawson, pesquisador do Instituto Europeu de Bioinformática, no Reino Unido.
De acordo com os pesquisadores, a agricultura, especialmente na produção de alimentos, será uma das áreas mais beneficiadas. ;Com o conhecimento genético, poderemos descobrir a capacidade das espécies de metabolizar os inseticidas e criar novos produtos para os quais os insetos tenham pouca chance de se proteger;, explica Lawson. A criação de inseticidas específicos poderá ter um impacto positivo também em outras espécies. ;Poderemos ter compostos que são eficazes contra as pragas, mas que não agridam espécies benevolentes, como as abelhas e outros polinizadores, fundamentais para uma grande quantidade de culturas agrícolas;, completa.
Muitas outras áreas serão beneficiadas pelo estudo, garantem os especialistas. ;Haverá avanços em diversos setores. Desde biocombustíveis, que hoje sofrem com pragas, passando pelas mudanças climáticas, já que muitos insetos funcionam como sinalizadores de alterações no meio ambiente, até a segurança alimentar, no caso dos insetos patógenos;, enumera Kevin Hackett, diretor sênior do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, órgão público norte-americano que participa da empreitada. ;Além disso, esperamos desenvolver ferramentas específicas para doenças endêmicas que têm insetos como vetor, que é o caso da malária, por exemplo;, acrescenta ao Correio.
Febre amarela
Os pesquisadores ainda estão fechando a lista dos 5 mil artrópodes a serem estudados, por meio de consultas na comunidade científica. Na lista de prováveis sequenciados está um velho conhecido dos brasileiros: o Aedes aegypti, propagador da dengue e da febre amarela, doenças que todos os anos atingem no mundo 100 milhões e 200 mil pes soas, respectivamente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O ;parente; mais próximo do mosquito, o Aedes albopictus, que, além de transmitir a febre amarela, é vetor da chikungunya, já tem seu lugar garantido na lista dos insetos que terão seu DNA desvendado.
Para que, no entanto, o ambicioso projeto se concretize, os pesquisadores estão em busca de financiamento para os estudos. ;Existem atualmente cerca de 30 genomas de insetos sequenciados, como o da mosca doméstica (Drosophila melanogaster). A economia do sequenciamento do genoma tem mudado dramaticamente nos últimos anos;, conta o britânico Lawson. ;As tendências de cada vez melhores rendimentos nos experimentos e um custo cada vez mais baixo nos permitem prever que conseguiremos fazer o sequenciamento de muitos genomas nos próximos anos;, conclui o pesquisador.