postado em 16/06/2011 09:02
O motorista Ademar Aires passou 41 de seus 54 anos de existência fumando cerca de 30 cigarros por dia. Nos últimos cinco anos, a angústia passou a integrar o batalhão de problemas que o produto carrega e que o impediam de parar. O grau de dependência do fumo era tão elevado que houve momentos em que ele acreditava ser impossível abandonar o vício. Hoje, com pouco mais de um mês de tratamento no Programa de Controle do Tabagismo do Hospital Universitário de Brasília (HUB) ele afirma que se sente renovado e afirma ter se transformado em uma referência dentro de casa: ;Levei meu cunhado e minha sogra e estou levando agora (nesta semana) mais dois irmãos para o programa;, orgulha-se Aires, que atingiu a marca zero de tragadas na semana passada, quando foi celebrado o Dia Mundial Sem Tabaco. ;Vivia nervoso, desanimado, tossindo muito, mas agora estou bem;, comemora.De um modo geral, os programas de combate ao tabagismo no país são poucos e é ainda muito pequeno o número de pessoas que participam, com êxito, dessas atividades. As ações, que funcionam em 610 municípios, tiveram apenas 26 mil participantes, segundo dados de 2009 da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer (Inca). De acordo com uma pesquisa recente do instituto, o que mais preocupa nesse cenário é que há uma irônica contradição. No Brasil de 1989, fumar era moda e 33% da população não largavam o cigarro, enquanto hoje esse índice aponta para uma fatia de 15,1% de dependentes ; uma expressiva queda, creditada sobretudo ao sucesso das regras antifumo criadas no país a partir de 1996 e às campanhas oficiais.
A aparente ironia é que, paralelamente a isso, o número de óbitos por doenças pulmonares obstrutivas crônicas (Dpocs), tais como bronquite ou enfisema, cresceu no país. No Brasil, oito em cada 10 homens e seis entre 10 mulheres que morrem por algum mal desse tipo são fumantes. Na média mundial, esses índices caem para cinco em cada grupo de 10 homens fumantes mortos por Dpocs e duas entre 10 mulheres, segundo estatísticas de 2009 da Organização Mundial da Saúde (OMS).
;O que justifica, em parte, essa contradição é que, mesmo a pessoa parando de fumar e a doença estacionando, o mal pode persistir por 10 ou 15 anos. Portanto, durante esse período ou daqui a 20 anos, ainda vamos ter mortes por danos respiratórios em decorrência do cigarro, em determinados grupos de fumantes ou de fumantes passivos;, explica o pneumologista Celso Rodrigues, que coordena o Programa de Tabagismo da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. ;Essa curva começará a descer dentro de uma década;, comenta Ricardo Meirelles, do Inca. ;São doenças silenciosas, que às vezes demoram mais de 20 anos para se instalar e então se tornam fatais, enquanto os resultados de campanhas são mais visíveis e mais rápidos.;
Sucesso crescente
No Distrito Federal, o número de fumantes caiu na proporção da taxa nacional, mas ainda preocupa as autoridades. ;Temos de fazer campanhas mais agressivas nas escolas, desde o ensino básico;, diz Celso Rodrigues. Ele lembra que o governo gasta R$ 18 milhões por mês, só na capital, para tratar doenças respiratórias graves vinculadas ao tabagismo, que agridem parte dos 12% de fumantes do DF (a população é de 2,6 milhões de habitantes). Ainda assim, o DF registra o menor índice de adeptos do hábito do país ; o maior é o Acre: 22,1% da população.
Apesar de contar com 27 unidades de tratamento do tabagismo, o DF só consegue atender a 1% da população, de acordo com a médica do trabalho Eliane de Fátima Duarte, coordenadora do Programa de Controle do Tabagismo do HUB. Esse programa, aliás, está entre os projetos mais bem-sucedidos no Brasil, dentro da média nacional de recuperação ; com uma taxa que varia entre 50% e 80%, no período de 2004 a 2011. ;É preciso ver que, apesar desses índices tão positivos, enfrentamos, ao mesmo tempo, muitas dificuldades, como falta de pessoal treinado para trabalhar e de campanhas antifumo mais constantes e agressivas;, diz Eliane.
Segundo Celso Rodrigues, em 2001, quando surgiram as primeiras unidades no DF de atendimento ao fumante, a taxa de pessoas que deixavam de fumar não passava de 26%. Com o tempo, as técnicas de abordagem ao fumante foram sendo aperfeiçoadas e os índices só subiram na curva da luta antitabagista. ;Aprimoramos as técnicas cognitivas e comportamentais e, ao mesmo tempo, foram aparecendo os medicamentos. Isso ajudou muito;, analisa Rodrigues.
O HUB agora começa a experimentar programas transversais de combate ao cigarro, como o de estimulação transcraniana por corrente elétrica direta (leia ao lado), com resultados positivos em outros países.
Mortais e abrangentes
As doenças pulmonares obstrutivas crônicas atingem cerca de 80 milhões de pessoas no mundo. Três milhões morreram devido a esse tipo de problema em 2005 e esse número foi levemente alterado até 2009. No Brasil, a doença afeta 6 milhões de pessoas e é a terceira causa das chamadas mortes evitáveis. Nos Estados Unidos, são a quarta causa de morte e a décima segunda principal razão de incapacidade. As mais conhecidas são enfisema pulmonar e bronquite crônica. Há um percentual muito baixo de DPOC por causas genéticas e decorrentes da tuberculose. É muito raro uma doença dessas não ser vinculada ao cigarro.