Paloma Oliveto
postado em 19/06/2011 09:05
Eles estão em todas as partes. Abarrotam de best sellers as prateleiras das livrarias. Roubam a cena no horário nobre dos seriados de tevê a cabo. Vez por outra, mostram a cara ; e os caninos afiados ; no cinema. Vampiros jamais saíram de moda, mas agora estão mais em voga do que nunca, graças, principalmente, às meigas histórias modernas contadas para adolescentes. Eles viraram praticamente bons moços, loucos para viverem um romance com humanos. Em vez de assustar, arrancam suspiros apaixonados das garotas que literalmente dariam o sangue pelos charmosos monstrengos.Nem sempre foi assim. Vampiros já foram temidos ; e não só na ficção. Por muito tempo, até mesmo os cientistas acreditaram na existência desses seres das trevas. Mas também foram os pesquisadores que, mais tarde, elucidaram os mistérios que justificavam a crença em humanos que, depois de mortos, saíam da tumba para atormentar o mundo dos vivos. Até isso acontecer, porém, os médicos chegavam a escrever artigos ;científicos; sobre o assunto. Em 1693, a revista francesa Mercure galant, lida pela nata intelectual de Paris, publicou uma série sobre uma praga que assolava a Polônia e a Rússia. Pierre Des Noyers, secretário e consultor da rainha polonesa Marie Louise Gonzaga, narrou o episódio na edição de maio daquele ano. Segundo ele, os vampiros se comportavam como ;demônios; que saíam da sepultura para sugar o sangue dos humanos, até provocar a morte. Des Noyers, um homem culto e com educação formal, dizia que o único jeito de enfrentá-los era enfiar uma estaca no coração do monstro.
À época, a França não se impressionou muito com os artigos. Mas, em 1746, o vampirismo virou coqueluche na corte de Luís XV, com a publicação de Dissertations sur les apparitions des anges et des espits, et sur les revenants, et vampires de Hungrie, de Boheme, de Moravie, et de Silésie. A obra, do bispo dom Augustin Calmet, era uma coletânea de casos de vampiros do leste europeu, na qual o religioso tentava encontrar explicações científicas para os fatos relatados, sem sucesso. Calmet não queria ser alarmista ; no livro, ele até condenava as reações histéricas ao ;fenômeno; e tentava encontrar raízes no folclore local. Mas, sem conseguir elucidar os casos, deu como certa a existência de vampiros, o que fez de sua obra um grande best seller.
Hoje, pode parecer inacreditável que pessoas inteligentes e cultas caíssem no conto das criaturas das trevas. Mas não custa lembrar que, até o início do século 19, a medicina ainda engatinhava, e a prática forense era quase inexistente. E, justiça seja feita, a aparência dos corpos em decomposição poderia ser idêntica à do que se esperava de um vampiro. Com direito a dentes compridos, filetes de sangue na boca e até barulhos assustadores quando o coração era espetado pela estaca. Algumas vezes, quando exumados, os cadáveres estavam em perfeito estado de conservação.
Pistas falsas
O ensaísta francês Jean-Paul Bourre, cuja obra concentra-se na história étnica, nos cultos religiosos, nas tradições antigas e nas ciências esotéricas, descreve em seu livro Os vampiros um relato escrito em 1730. ;O corpo não libertava qualquer cheiro, tinha sim, pelo contrário, mantido o seu estado de frescura sem que se apresentasse o mínimo sinal de decomposição. O sangue que saía da boca do cadáver era tão fresco como se de uma pessoa sã se tratasse. O cabelo, a barba e as unhas tinham crescido, e a pele começava a separar-se do corpo, enquanto uma nova se formava. O rosto, as mãos, os pés, estavam igualmente conservados;, dizia o relato.
Dom Augustin Calmet, o bispo que acreditava em vampiros, tinha uma versão semelhante. ;Citam-se e ouvem-se testemunhas, examinam-se situações, observam-se os corpos exumados procurando sinais vulgares, como a mobilidade, a flexibilidade dos membros, a fluidez do sangue, a incorruptibilidade do corpo. Se tais pormenores forem observados, concluir-se-á que são eles quem molesta os vivos, pelo que são entregues ao carrasco a fim de que ele os queime.; Ele, inclusive, temia que a praga se espalhasse para fora do Leste Europeu. ;Quem dele nos livrará, pois não deixará de aumentar caso não se puser cobro a tal situação?;
Os relatos não eram meros produtos da imaginação fértil de homens e mulheres, dizem especialistas ouvidos pelo Correio. O escritor Mark Collins Jenkins, que publicou no ano passado, com apoio da National Geographic Foundation, o livro Vampire forensics (Vampirismo forense, em tradução livre), conta que nem sempre a decomposição do corpo ocorre como esperado. Embora, geralmente, a putrefação comece no quinto dia do enterro, isso pode variar muito, dependendo das condições locais, como calor e umidade, e da forma como o corpo foi preparado. Além do que, a maioria das exumações acontecia pouco tempo depois da morte do suposto vampiro, já que bastava alguém morrer e um familiar ou vizinho ficar doente ou ter pesadelos com o defunto para que se suspeitasse do falecido.
Já os mortos enterrados em ambientes úmidos podem sofrer uma reação química chamada saponificação, que impede a putrefação. Dessa forma, o cadáver não se decompõe mesmo passados séculos. Uma outra explicação científica para a conservação de corpos é a coreificação, processo pelo qual a pele fica parecendo couro curtido, quando o morto é enterrado em um caixão de zinco.
;Quanto à aparência dos dentes e da unhas crescer, isso é ilusório;, afirma Jenkins. ;Eles não crescem. O que acontece é que a pele ao redor se contrai, fazendo com que os dentes, as unhas e os cabelos pareçam maiores. Isso é absolutamente normal;, garante. O barulho resultante da estaca enfiada no coração do ;vampiro; é mais fácil ainda de explicar. ;Martelar uma peça de madeira na cavidade peitoral de forma violenta pressiona os pulmões e força o ar para fora. Anormal seria se não se produzisse qualquer barulho;, diz o escritor. Já o filete de sangue perto da boca, sinal de que o vampiro saiu para se alimentar, é um fenômeno comum. O corpo em decomposição produz um fluido escuro, que costuma escorrer pela cavidade oral ou pelas narinas. ;Facilmente pode ser confundido com o sangue consumido por um vampiro;, constata Jenkins.
Surto de raiva
Para o neurologista espanhol Juan Gomez-Alonso, a medicina forense não é a única a explicar a aparência vampiresca que alimentou, durante séculos, o mito. Ele estudou sobre surtos de raiva nos Bálcãs entre 1721 e 1728. ;Vinte e cinco por cento dos humanos infectados mordiam outras pessoas. A raiva também pode explicar a suposta aversão dos vampiros ao alho, porque pessoas infectadas ficam com hipersensibilidade a estímulos olfativos fortes;, diz. Isso pode ter dado origem ao folclore de que vampiros são afastados por uma réstia de alho. Além disso, advoga Gomez-Alonso, a raiva afeta o centro do cérebro que regula os ciclos do sono. As vítimas podem trocar o dia pela noite, o que justifica o hábito dos sugadores de sangue de evitar a luz do sol.
Outra doença que poderia explicar a lenda do vampirismo é a porfiria. O distúrbio genético raro causa alteração no metabolismo, fazendo com que o corpo produza muita pigmentação das células vermelhas do sangue. A vítima sofre problemas na pele e também neurológicos. David Dolphin, bioquíminco canadense, diz que as pessoas também ficam hipersensíveis à luz . ;Hoje, os sintomas são amenizados por injeções de enzimas, mas antes, possivelmente, os pacientes poderiam procurar no sangue um alívio, ingerindo o líquido;, acredita.
Na Europa, só no fim do século 18 as explicações racionais para o suposto vampirismo começaram a aparecer. Católica e contrária à violação de sepulturas, a rainha húngara Maria Teresa pediu que seu médico pessoal estudasse o fenômeno. Ele ofereceu à população informações científicas que se disseminaram para o resto do mundo. Mas, até hoje, há quem acredite nas criaturas das trevas. De acordo com Jean-Paul Bourre, vez por outra surgem relatos em jornais sobre supostas aparições de vampiros. E, para quem vê um cadáver em perfeitas condições, com caninos expostos e um filete de sangue saindo da boca, pode ser que as explicações científicas é que pareçam bobagem.