Ciência e Saúde

Paralisia infantil pode voltar a atacar onde há falhas na imunização

postado em 19/06/2011 09:46
Ela já teve vários nomes: paralisia dental, paralisia mielite dos cornos anteriores ou tefromielitis. Hoje é conhecida por paralisia infantil, ou poliomielite, doença quase tão antiga quanto a humanidade. Em pinturas egípcias de 1.403 a.C., é possível ver pessoas com membros deformados, uma das principais características do mal. O imperador romano Cláudio, que reinou até 54 d.C., muito provavelmente foi uma das vítimas da doença, que já chegou a atingir mais de 500 mil indivíduos por ano em todo o mundo. Apesar de a história do homem se confundir com a da doença, ela permaneceu sem controle até a década de 1950, quando a primeira vacina foi desenvolvida nos Estados Unidos.

As campanhas de imunização, porém, não foram capazes de eliminar completamente o mal, que volta a assustar governos de vários países e deixa outros em alerta. Depois do registro de apenas 483 casos no mundo em 2001 ; o índice mais baixo da história ;, o número de infectados saltou para 1,6 mil em 2009. No mesmo período, o total de países com registro da doença passou de 15 para 23. No Brasil, o que preocupa as autoridades é a demora de alguns pais em imunizar seus filhos. Todos os anos, a campanha de vacinação é prorrogada até que seja atingida a meta de 95% de crianças protegidas. No ano passado, em unidades da Federação como o DF, a imunização foi estendida até novembro.

Os especialistas, porém, alertam que com a pólio não se brinca. No início ela é silenciosa. Pode se manifestar até 35 dias depois do contágio pelo poliovírus, que não escolhe classe social, região ou idade. O micro-organismo é contraído pela boca ou pelo contato com objetos contaminados. Mesmo sendo mais comum em crianças, também infecta adultos. ;Ela é uma doença assintomática. No início, os casos são confundidos com uma gripezinha. Quando os primeiros sintomas severos surgem, em geral, o caso já está avançado;, explica o médico Paulo César Guimarães, do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Na forma mais severa, o mal leva à perda de movimentos, a dificuldades de respiração e até mesmo à morte.

A massificação da pólio ocorreu na década de 1900, mesmo período em que o mundo, inclusive o Brasil, enfrentava outro grave problema de saúde pública. A varíola se alastrava na esteira do crescimento urbano de cidades como o Rio de Janeiro. A vacinação, que passou a ser obrigatória, tornou-se motivo de insatisfação da população e gerou a chamada Revolta da Vacina. Sem campanhas que explicassem às pessoas sobre a importância da imunização, vacinar os cidadãos se tornou caso de polícia e de segurança pública. A experiência adquirida no processo de erradicação da doença serviu de base para a estratégia de combate à pólio. ;O conhecimento adquirido sobre como reunir consenso internacional sobre um bem público global e envolver as comunidades em um objetivo comum foi uma das lições aprendidas com a varíola;, avalia, em entrevista ao Correio, Christian Moen, especialista do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em Nova York.

Baby boom
Assim como a industrialização e o desenvolvimento econômico-social chegaram mais tarde para as nações em desenvolvimento, o combate à paralisia infantil demorou. ;No início do século 20, a poliomielite foi uma das doenças mais temidas nos países industrializados, paralisando milhares de crianças a cada ano;, conta Sona Bari, especialista da Organização Mundial da Saúde (OMS), de Genebra (Suíça). Logo após a Segunda Guerra Mundial, o fenômeno do baby boom (crescimento acelerado das taxas de natalidade) fez com que a doença encontrasse ainda mais espaço para se proliferar. Foi nessa época que o número de casos anuais chegou a meio milhão em todo o planeta.

;Demorou um pouco para a pólio ser reconhecida como um grande problema nos países em desenvolvimento. Apenas no fim dos anos 1970, a sociedade mundial percebeu que era hora de botar um ponto final no problema. Foi quando mais países começaram a incluir a vacina contra a enfermidade no seu calendário anual;, completa Bari.

No fim da década de 1980, o controle da doença atingiu bons resultados na América Latina e na Ásia. Em 1988, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil coincidiu com uma campanha mundial lançada pela Iniciativa Global para Erradicação da Pólio, promovida pela OMS e patrocinada pelo Rotary Clube Internacional. A campanha previa a imunização em massa para a total eliminação do problema. Em apenas três anos foram eliminados todos os novos casos de poliomielite no Brasil. Segundo o pediatra Paulo César Guimarães, o fato de as consequências da doença envolverem sequelas físicas permanentes às crianças fez com que a sociedade se mobilizasse. ;Quando via na rua uma criança de cadeira de rodas ou muletas, por conta da paralisia, a mãe ficava atenta à importância da imunização;, conta o médico.

Nos anos 1990, com a estabilização democrática e o surgimento dos meios de comunicação digitais, o controle da doença se espalhou pelos demais países da América e boa parte da Ásia e Oriente Médio. A pólio, porém, resistia em países africanos como Ruanda, Congo e Angola, que permaneciam mergulhados em guerras civis. ;O combate à poliomielite exige uma cobertura vacinal muito elevada;, afirma Christian Moen, do Unicef. ;A falta de acesso, seja por obstáculos geográficos ou conflitos, representou, e ainda representa, um desafio;, acrescenta.

No ano passado a OMS registrou aproximadamente 1,3 mil novos casos, a maioria na Índia e em regiões da África. ;O maior surto recente ocorreu em 2010, no Tajiquistão, numa região que havia sido declarada oficialmente livre da pólio há quase uma década. A principal razão foi a falha na cobertura vacinal;, alerta Moen. O episódio mostra a importância de a luta contra a paralisia infantil ser incansável. ;A poliomielite é uma doença séria, que deixa sequelas para a vida toda. Embora tenha havido uma grande evolução no tratamento dos membros, com base em fisioterapia, nunca é possível reverter completamente seus danos ;, afirma Guimarães. ;Se erradicarmos a doença até o ano que vem, como é a nossa meta, a economia que será feita até 2035 é estimada em US$ 50 bilhões. No entanto, o maior benefício será humano;, avalia Moen.

Ainda dá tempo
Por isso, os pais que deixaram de levar seus filhos à campanha de vacinação nacional que ocorreu ontem devem procurar um posto de vacinação o quanto antes. A imunização beneficia não só quem recebe as gotinhas. Ao ser eliminado do organismo, o poliovírus enfraquecido, utilizado na vacina, entra em contato com o poliovírus selvagem. Ocorre uma concorrência entre os dois, eliminando parte da população da cepa nociva.

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