Ciência e Saúde

Entrevista-Paulo Hoff

postado em 24/06/2011 08:01
É verdade que mais de 50% das neoplasias são curáveis, atualmente?
Acho que a taxa é mais alta que isso. Não se trata de todos os tipos de câncer. Há que se fazer separação entre casos detectados precocemente e casos detectados numa fase avançada. Se você pegar o número total de casos de câncer que incide em qualquer população, a taxa de cura vai ser ao redor de 50%. Mas se você separar as populações essa taxa pode ser de até mais de 60%: o diferencial é a região, o nível de desenvolvimento. Entre uma população e outra, o grau de detecção precoce se diferencia. Na sociedade em que existe preocupação maior com prevenção e mais acesso a tratamentos, o tumor pode ser curado no estágio da cirurgia. Já naquelas sociedades em que o acesso a médico é mais difícil, a demora em fazer a detecção do tumor é maior e aí já pode estar mais avançado e a taxa de cura é menor.

Esse índice de cura tende a crescer com os avanços das pesquisas?

Já está crescendo. Acho que esse número vem melhorando a cada ano e eu diria que em sociedades mais desenvolvidas estamos nos aproximando dos 70% de cura. O problema é quando identificamos casos mais avançados. Nesta situação a chance de cura melhorou pouco. Tivemos avanços no prolongamento da sobrevida de pessoas com a doença metastática, mas cura mesmo, essa não avançou tão rápido como gostaríamos.

Existem doenças piores do que o câncer?

Em certas situações, sim. Tem outras enfermidades que matam tanto ou mais do que o câncer. Por exemplo, pacientes com uma doença cardiovascular avançada têm uma expectativa de vida muitas vezes inferior à de pacientes de câncer avançado.

Então podemos dizer que o preconceito, o estigma do câncer incurável foram superados e que há cura para vários tipos de câncer.

Sim, primeiro, está havendo mais ênfase na detecção precoce da doença e com isso se está curando pacientes mais cedo. Da lista constam mulheres com nódulos na mama detectados precocemente; pacientes de câncer de cabeça e pescoço que fazem tratamento com cirurgia, radioterapia e quimioterapia, pacientes com câncer de pulmão em estágio inicial, pessoas com câncer de intestino, até mesmo de próstata. Esses têm tido a sua chance de cura se a doença for detectada cada vez mais cedo. Também houve casos em que o tratamento avançou tanto que, mesmo em estágios avançados, há cura. Por exemplo, o câncer de testículo, que é altamente curável (mais de 90% de chances), mesmo que esteja avançado; os linfomas, as leucemias, o coriocarcinoma (tumores primários de útero), são todos tumores de doenças malignas que se curam mesmo em estágio avançado.

Por que o nome câncer, quando se sabe que existem vários tipos de câncer?

Pode-se dizer que existem, 100, mais de 200 tipos de neoplasias. E este é um dos fatores que desanimam as pessoas e que deve ser desmistificado: a tal da história da cura do câncer. Câncer não é uma doença. Existem muitas doenças que se apresentam de maneiras similares e que são todas agrupadas sob o termo câncer. Mas uma leucemia não tem nada a ver com câncer de cabeça e pescoço; um câncer de pulmão é muito diferente de um câncer de próstata. Então, esperar que haja um tratamento que cure todos esses tipos não é realista. O que vai acontecer ; e que já está acontecendo ; é que, em tempos diferentes, vão se desenvolver tratamentos que curarão diversos tipos de câncer, mas um a um. Isso já é uma realidade, mas temos de avançar mais, muito mais.

Por longos períodos nada de importante foi descoberto. Às vezes com intervalos de mais de 50 anos e de repente, em um ano apenas, se descobre três, quatro drogas que revolucionam terapias;
Isso é normal. O tratamento do câncer passou por duas etapas, uma na década de 50, que envolvia o teste empírico de remédios. Não se procurava entender o que causava o câncer, procurava-se achar um tratamento que pudesse eliminá-lo. Nessa fase é que se gerou um pouco esse mito de que haveria uma só cura para o câncer. Os médicos investigadores, com a maior boa vontade, tentavam achar um tratamento que curasse tudo. E faziam isso de uma maneira absolutamente empírica. Então, acontecia isso, realmente, de você passar longos períodos sem ver uma inovação e de vez em quando aparecia algo. Num segundo momento, a partir dos anos 70, começou a haver uma compreensão maior na outra ponta do problema, sobre o que formava um câncer e quais eram as diferenças entre um câncer e outro.

Esse seria um marco da investigação molecular e da genética do câncer?

Sim, porque começamos a entender que a célula tem alterações dentro dela e em sua superfície que levam à formação do tumor e que um tratamento direcionado a esta alteração específica poderia ter mais sucesso do que uma terapia genérica. É mais ou menos como se antes você quisesse abrir a porta botando ela abaixo com um aríete; agora não, você está tentando achar a chave para abrir fechadura.

Qual seria o símbolo dessa mudança, o glivec?

O glivec, ou imatinib, que é o nome genérico da medicação, foi uma das primeiras drogas a seguir esta lógica. A primeira mesmo a ser aprovada com esta especificidade, a de ir atrás de uma alteração específica foi o rituximab, para linfomas. Depois veio o trastuzumab, ou herceptin, para câncer de mama e só depois veio o imatinib, para leucemia e para Gist, um tipo de tumor sólido. O resultado foi realmente muito bom, porque se conseguiu duas coisas ao mesmo tempo: diminuir a toxicidade, porque o tratamento está afetando principalmente células alteradas; e aumentar a eficácia, porque afinal de contas quando você abre a porta com a chave é mais fácil do que botar a porta abaixo.

Quando se fala em melhorar a quimioterapia, o que poderia ser feito nessa direção?
Dependendo da situação, a quimioterapia já atingiu um grande grau de evolução. Obviamente quando você diz que curamos 60% dos pacientes, mas que 40% morrem da doença, e mais, a maior parte dos pacientes que ainda morrem da doença são aqueles que têm a doença avançada no diagnóstico, isso quer dizer que nosso tratamento precisa melhorar. Quando as pessoas falam que a quimioterapia precisa ser melhorada, eu concordo. Eu acho que nós andamos bastante, principalmente lembrando que estamos falando de uma ciência muito recente, a oncologia como ciência e tratamento tem mal e mal 50 anos. As pessoas que iniciaram o processo de quimioterapia para câncer, muitas delas ainda estão vivas, são atuantes, como Emil Frey, Emil Freireish, do MD Anderson, em Houston, o John Holland, em Nova York, então eu acho que podemos olhar o copo meio cheio ou meio vazio. Por isso queremos cada vez mais migrar para as terapias-alvo.

Quando esse conceito de terapia-alvo começou a ser discutido no meio científico?
Um cientista alemão do começo do século 20, Paul Erlich, foi o primeiro a usar o conceito de ;bala mágica;. Ele dizia que o ideal era criar fármacos que atingissem o alvo da doença e deixassem intactas as outras células, como se fosse uma bala que você atirasse e só matasse o bandido e não acertasse o mocinho. A ;bala mágica; de Paul Erlich é muito importante. É o sonho de consumo dos oncologistas.

Para onde está andando o campo da oncologia?
Para drogas cada vez mais específicas. Por exemplo: hoje existe um tratamento, o crizotinib, que é altamente eficiente para pacientes que têm um câncer de pulmão com uma alteração de uma molécula chamada ALK, mas essa alteração está presente em apenas 4% dos pacientes. Então, 96% dos pacientes não iriam se beneficiar. Mas, se tudo correr bem, vão surgir tratamentos para essas outras alterações. O problema é que a medicina é feita de pequenos avanços. Raramente ocorrem momentos de mudança radicais, de ruptura mesmo. O imatinib foi um desses momentos importantes de ruptura, quando surgiu para o tratamento da leucemia. A cisplatina, que é uma quimioterapia, foi um momento de ruptura no tratamento do câncer de testículo. Num dia, todo mundo morria da doença; no outro dia, todo mundo se curava. Olha que maravilha! Uma vez alguém perguntou por que o homem conseguia colocar alguém na lua, com um investimento de US$ 100 bilhões, e não conseguia curar o câncer, quando investiram muito mais na doença. Mas é muito mais simples colocar o homem na lua.

Por quê?

Para botar o homem na lua você tinha apenas que juntar as tecnologias existentes, de balística, de combustível; mas tudo já era sabido. Agora, entender o câncer é entender a formação do ser humano; o câncer de um indivíduo é só dele. Mais que isso, para você entender como o câncer vive e como eliminá-lo, você tem de entender os mecanismos de envelhecimento e de morte das células. Ele (o câncer) faz uso para crescer do mesmo mecanismo que fazemos para virar feto. Para sair do útero e virar um nenê; para viver, crescer e virar um adulto. A gente precisa crescer, se multiplicar, e o câncer faz uso desses mesmos mecanismos. Portanto, conhecer o câncer, é conhecer a vida. E alguns cientistas até comentam que, ao se compreender completamente o câncer nós vamos conseguir compreender e tratar de vários outros problemas de saúde, como os da degeneração de idade etc.

O câncer é o grande desafio da medicina?
Eu diria que sim. Na década de 1920, o grande desafio era a tuberculose, matava um monte de gente. Passamos por isso. Depois, o grande desafio passaram a ser as doenças cardiovasculares. Ainda as enfrentamos, mas hoje em dia, sim, o câncer é o grande desafio. Mas não nos iludamos: no dia em que nós conquistarmos a resposta para esse grande desafio, vai surgir outro. Podem ser as doenças degenerativas do cérebro, mas a verdade é que na medida em que vamos passando por uma etapa, a seguinte fica cada vez mais complexa e outros problemas surgirão. A verdade é que precisamos de um novo momento de ruptura. E a expectativa dos oncologistas é que essa ruptura venha da individualização das terapias, das alterações celulares e aí sim, poderemos chegar a 80%, 90% de cura de casos detectados no início da formação do tumor.

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