Ciência e Saúde

Encontrada há 100 anos, Machu Picchu continua repleta de segredos

postado em 06/07/2011 09:13
Algumas cidades têm história semelhante à de um ser vivo: nascem, crescem e um dia morrem. Mas Machu Picchu, no Peru, pode se orgulhar de ter uma trajetória bem diferente: ressurgiu em meio às rochas da Cordilheira dos Andes, renascendo séculos depois de sua morte. Construída por volta de 1440, durante o auge do império inca, desapareceu depois da chegada dos espanhóis ao continente, cerca de um século depois de sua fundação, para permanecer esquecida por quatro séculos. Há 100 anos, no entanto, o pesquisador americano Hiram Bingham redescobriu para o mundo a cidade, tornando-a um dos mais importantes vestígios do povo que viveu na região antes dos europeus a colonizarem.

A riqueza do monumento inca é tão grande que, mesmo depois de tanto tempo de seu renascimento, continua cheio de mistérios que desafiam a lógica da sociedade moderna. As chuvas que dizimam a vizinha Cuzco quase todos os anos, por exemplo, não deixam um arranhão sequer no centenário complexo de ruínas. Pedras se equilibram em paredões de forma inexplicável até para os engenheiros mais experientes. Esses e outros detalhes fazem a fama daquela que já foi chamada de a Grande Cidade Perdida.

Agora, Machu Picchu, considerada desde 1983 Patrimônio Histórico da Humanidade, passa por uma espécie de segundo renascimento. Depois de uma extensa campanha, o governo peruano conseguiu recuperar da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, cerca de 46 mil peças que foram retiradas dos complexos incas em 1911 por Bingham. Além de fundar um gigantesco museu em Cuzco para abrigar o acervo, o país prepara a primeira grande cruzada científica para entender a enigmática cidade.

;Recebemos o primeiro lote de objetos em junho e, agora, estamos separando os que serão expostos e aqueles que servirão exclusivamente para a investigação científica;, conta ao Correio Cayo García Miranda, decano da Faculdade de Arquitetura e Artes Plásticas da Universidade Nacional de Santo Antonio Abad de Cuzco, instituição depositária das relíquias.

O objetivo é criar na cidade, a mais próxima das ruínas, um grande centro de pesquisa multidiciplinar, que deve ser inaugurado em agosto. ;Nossa ideia é formar o maior centro de pesquisa do mundo sobre a antiga civilização inca. Já fizemos acordos com a Universidade de Yale e grandes pesquisadores de lá devem trabalhar em conjunto conosco;, afirma o peruano. ;Pouco mais de 20% dos sítios arqueológicos incas foram escavados. Ainda temos muito o que descobrir sobre esse povo, e essa é uma caminhada que ganha impulso agora;, completa.

Mitos desfeitos
Desde 2007, a arqueóloga peruana Piedad Champi respira quase diariamente o ar da cidade que desperta tanto interesse. Ela conta que, nos últimos anos, a pesquisa arqueológica no local cresceu vertiginosamente. ;Atualmente, estamos mapeando todos os sítios arqueológicos, não só de Machu Picchu, mas de toda civilização inca;, afirma, em entrevista por e-mail. ;O objetivo é escavarmos todos esses sítios assim que esse levantamento for concluído;, completa.

Segundo a especialista, o trabalho deve ajudar também a desfazer alguns mitos que cercam a cidade, muitos propagados pela indústria turística. ;Devido à falta de informações, muitas suposições e informações sem confirmação foram passadas aos turistas como verdadeiras;, relata Piedad. Durante muito tempo, era comum que os guias dissessem, por exemplo, que Machu Picchu foi uma fortaleza construída para abrigar um imperador inca. As pesquisas mostraram, porém, que ela foi uma cidade completa, com áreas dedicadas aos templos, às moradias e à agricultura. ;Nos últimos anos, estamos trabalhando com os guias e mantendo-os informados para que não passem mais informações incorretas;, informa Piedad.

Segundo a professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Tania Navarro Swain, outro problema é a falta de estudos na região. ;Não é exagero dizer que até hoje não sabemos nada sobre Machu Picchu. Os países da região, incluindo o Brasil, não se preocuparam em investir em pesquisa arqueológica;, relata a estudiosa, que já visitou as ruínas diversas vezes. ;Toda pesquisa arqueológica é muito recente. À medida que os estudos avancem, muitas das teorias que temos hoje devem ser desmentidas;, acredita.

Além da falta de investimento em pesquisas, aspectos relativos à própria cultura inca trazem dificuldades. ;Primeiro, temos o problema da escrita. Diferentemente dos maias, os incas não desenvolveram um alfabeto e, portanto, não deixaram textos que pudessem ser estudados atualmente;, explica Tania. ;Outro problema é que a própria Machu Picchu era desconhecida da maioria dos incas. Então, mesmo nos casos em que as tribos sobreviveram por mais tempo, não foi possível obter informações sobre a cidade;, acrescenta a professora da UnB.

Festejos
Para marcar um século da redescoberta da cidade de Machu Picchu, o governo peruano criou uma comissão de alto nível para coordenar as atividades de celebração da data. Durante esta semana, festas, paradas, desfiles e atividades artísticas e culturais devem ocorrer no interior do Peru, onde está localizada a antiga cidade inca.

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