Ciência e Saúde

A produção de conhecimento ainda sofre com a inconstância de investimento

Especial para o Correio
postado em 16/07/2011 08:00
Goiânia ; Para onde caminha a ciência brasileira? É inegável que nos últimos anos a produção nacional cresceu a olhos vistos. Pesquisadores tupiniquins tiveram seus trabalhos publicados nas principais publicações especializadas, as novidades surgidas nos laboratórios do país contribuem cada vez mais para o progresso mundial e o Brasil se tornou o 13; maior produtor de ciência do mundo. No entanto, mais do que simplesmente discutir as últimas descobertas, a 63; Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que terminou ontem em Goiânia, mostrou que uma posição de maior destaque traz mais responsabilidade e exige respostas eficazes para os dilemas científicos nacionais.

Depois de décadas de atraso, o Brasil entrou nos últimos anos no mapa científico mundial. No entanto, como em diversas áreas, há muita desigualdade a ser corrigida. A inconstância de recursos, a distribuição desigual da verba para as diversas áreas e as inconsistências legais são algumas das questões apontadas como mais urgentes pelos pesquisadores reunidos no maior encontro científico da América Latina. ;Essa foi uma oportunidade de pautar o Poder Público e a sociedade sobre as questões da ciência que merecem mais atenção. De botar a ciência como uma questão central em um país que se desenvolve agora;, afirma Helena Nader, presidente da SBPC.

Tratar a ciência e a tecnologia como uma prioridade de Estado será essencial para manter e melhorar a trajetória positiva. A maioria das leis que regem o setor é dos anos 1970 e 1980, quando a produção de conhecimento não tinha nem de longe o peso e a importância da atual. ;Uma medida provisória flexibilizou as licitações das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, por se tratar de uma emergência nacional. Ora, acreditamos que a ciência é uma emergência nacional;, compara Helena Nader.

Um dos entraves mais graves, segundo os cientistas, está na aplicação da Lei n; 8.666 (Lei das Licitações). Segundo a legislação, para um universidade federal, por exemplo, adquirir um novo equipamento deve fazer a tomada de preço em três fornecedores e comprar o mais barato, desconsiderando a qualidade. ;Prevemos que as aquisições e contratações em projetos científicos não passem pela 8.666, mas por uma nova lei que dê prioridade à qualidade. Se queremos estar entre os melhores, precisamos oferecer o mínimo de qualidade para nossos pesquisadores;, argumenta o advogado Breno Rosa, que preside um grupo de trabalho criado por secretarias estaduais de ciência e tecnologia e por entidades locais de fomento à pesquisa.

Compromisso social
Outro problema a ser resolvido é a disparidade entre as condições de pesquisa dos diversos setores. Enquanto a produção nacional em setores como aviação, tecnologia espacial, pesquisa em câncer, desenvolvimento de tecnologias agropecuárias e ambientais está entre as mais avançadas do mundo, outras áreas permanecem relegadas ao segundo plano, como a pesquisa linguística, as ciências humanas em geral, as artes e a produção de ciência pura, ou seja, aquela que estuda os aspectos mais básicos do saber.

Para o pesquisador da unidade baiana da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) Mitermayer Galvão dos Reis , esse desequilíbrio surge nas próprias instituições de fomento. ;Os órgãos de avaliação das pesquisas utilizam como parâmetro apenas questões como a publicação em revistas de ponta, deixando de lado o impacto social do que é produzido;, reclama o pesquisador. ;Desenvolvemos um exame para confirmar com mais rapidez os casos de leptospirose. Quem disse que isso seria aceito em uma revista de ponta? No entanto, é de extrema importância para a população que sofre com o problema;, reclama.

Isso significa que, além de lidar com suas desigualdades internas, a comunidade científica precisa trabalhar para eliminar as que afligem toda a sociedade. Isso fica claro na área da saúde. ;Temos que promover pesquisas de doenças ligadas à pobreza, que não tem tanta visibilidade científica, mas que afligem milhões de pessoas;, diz a coordenadora de fomento e avaliação de tecnologias em saúde do Ministério da Saúde, Márcia Motta. Entre os males que recebem pouca atenção, ela lista a malária, a dengue e a febre amarela.

O problema que Mitermayer Reis e Márcia Motta apontam chama a atenção para o perigo de focar excessivamente no reconhecimento dos grandes periódicos. A conquista de espaço em publicações de renome é obviamente positiva.

No entanto, a forma com que a seleção de projetos é organizada hoje, baseada nessas publicações e desconsiderando aspectos como transferência de tecnologia, diálogo com a sociedade e impacto social do que será desenvolvido encoraja os cientistas a trilhar apenas caminhos mais conservadores.

;As avaliações dos projetos são construídas de tal forma que induzem os pesquisadores a trilharem caminhos já conhecidos e se aventurarem pouco em novidades;, opinou Evando Mirra, ex-diretor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em conferência na quarta-feira.

Falta inovação
Essa postura tem seu preço. Apesar de ser a 13; maior potência científica do mundo, o Brasil ocupa a 46; posição no ranking de inovação científica. Na conferência que fez no encontro de Goiânia na terça-feira passada, o ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, citou o exemplo do estudo sobre a copaíba, conhecida por suas propriedades medicinais. ;O Brasil tem 76 publicações nos indexadores internacionais (sobre a árvore), mas não há no país uma só patente relacionada a ela. Nos Estados Unidos, há 17 pedidos de patentes da copaíba;, alertou.

Para transformar o que é pensado na academia em produto nacional, será preciso romper com o conservadorismo e com uma cultura de desconfiança mútua entre cientistas e empresários. ;No mundo todo, o lugar de inovação tecnológica é a empresa. No Brasil, é o contrário;, afirma Leverson Lamonier, coordenador de inovação da Confederação Nacional de Jovens Empresários.

Pré-sal é oportunidade

Uma das batalhas dos cientistas é que os royalties do petróleo da camada pré-sal sejam destinados à área de ciência, tecnologia e educação. Isso poderia significar um salto na ciência nacional que beneficiaria toda a sociedade, defendem os pesquisadores. No entanto, em 2011, o setor deve sofrer uma redução de recursos pela primeira vez em sete anos. O corte previsto no Orçamento da União para a área chega a 25% em relação ao ano passado. E para 2012 podem ocorrer novos cortes. ;Essa é sim uma tragédia para a ciência nacional. E o pior, uma tragédia que não vai ser sentida neste ano ou no próximo, pois os projetos científicos são a longo prazo;, diz a presidente da SBPC, Helena Nader.

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