Novos tratamentos, independentemente da doença, causam sempre rebuliços entre pacientes, médicos e indústrias farmacêuticas. No caso da hepatite C então, em que as complicações da enfermidade limitam as possibilidades de o paciente levar uma vida normal, essa boa-nova é sempre bem-vinda, principalmente quando as drogas renovam as esperanças de cura. Protagonistas desse novo capítulo da guerra contra a hepatite C, os inibidores de proteases (IP;s) boceprevir e telaprevir (que atuam para evitar que novos vírus da família VHC amadureçam e infectem novas células) são considerados tratamentos revolucionários por especialistas porque dobram a possibilidade de cura de pacientes da hepatite C do tipo 1 ; o mais frequente no Brasil e o mais difícil de curar.
Os medicamentos ainda não foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a sua eficácia só funciona para portadores do tipo 1 da doença. O vírus VHC, da hepatite C, é membro da mesma família dos que provocam a dengue e a febre amarela. São muitas as suas variações, mas apenas seis são consideradas as mais importantes e que apresentam mais de 50 subtipos (1a, 1b, 2a, etc). O infectologista Evaldo Stanislau explica que cada subtipo tem características de agressividade e respostas próprias ao tratamento, o que dificulta a produção de vacinas e causa outros problemas.
O hepatologista Marcelo Abrahão Costa afirma que o novo medicamento consiste na adição dos IP;s ao tratamento atual realizado com interferon peguilado (porque une uma molécula do interferon com outra do polietilenoglicol, cuja sigla é PEG) ; na forma de injeções semanais por via subcutânea ; e a ribavirina, pela ingestão de comprimidos diários por um período médio de 24 semanas para genótipos 2 e 3; e de 48 semanas para 1 e 4.
De acordo com ele, os dados já publicados em revistas especializadas sobre a eficácia do boceprevir e do telaprevir confirmam que as drogas podem até dobrar as chances de cura da infecção. ;Isso ocorre tanto para pacientes nunca antes tratados quanto para aqueles que já experimentaram alguma forma de tratamento;, destaca. ;A adição dos inibidores ao esquema atual, constitui uma nova terapia tripla, que para os especialistas substituirá a chamada terapia-padrão atual;, descreve.
Sintomas confusos
Stanislau afirma que, atualmente, menos de 2% dos portadores do vírus da doença são tratados. Desses, mais de 50% não obtêm sucesso com a terapia atualmente disponível porque ou o remédio não faz efeito ou a infecção retorna. Também existem alguns fatores, como obesidade, diabetes, coinfecção com HIV, hepatite B e outros, que contribuem com o insucesso do tratamento. ;Já com a associação dos inibidores, as chances de eficácia triplicam e isso ocorre em período de tempo menor.;
A hepatite C é uma doença assintomática em 90% dos casos. Uma pessoa pode passar entre 10 e 30 anos sem apresentar qualquer sintoma e, quando apresenta, pode confundi-lo com outra doença. ;Por isso, a maioria dos casos é diagnosticada tardiamente, quando o fígado já está muito comprometido, em estágio de cirrose e, em algumas situaçõe, até com câncer ou insuficiência hepática.;
Com os novos inibidores de proteases , as chances de cura aumentam, consideravelmente, se o diagnóstico for precoce e o tratamento for indicado de forma adequada. Segundo o especialista, a doença só é detectável a partir de uma avaliação laboratorial, com exames de sangue. Serão realizadas depois outras investigações, por meio de ultrassonografia e encoscorai, que fornecerão dados para a interpretação da extensão do problema. ;Normalmente, no fim dessa etapa é solicitada a biópsia hepática, exame em que um fragmento do fígado será examinado pelo patologia, que permitirá indicar uma eventual lesão hepática;, ilustra.
O paciente pode ser considerado livre da doença quando após 24 semanas, sem a medicação, os exames não apresentarem mais o vírus no organismo ou uma carga viril praticamente nula. Porém, se após 24 semanas de iniciado o tratamento não houver queda na carga viril, o tratamento é interrompido. ;É para esse tipo de paciente que os inibidores de proteases podem fazer diferença, sendo um aliado na cura;, diz o médico.
Marcelo Abrahão destaca que a primeira geração de inibidores de proteases (Ipês) foi até agora exclusivamente estudada para portadores da infecção pelo genótipo 1, o mais prevalecente, no mundo e no Brasil. ;Essa primeira geração de IP;s tem ação restrita ao genótipo 1, mas outros antivirais estão em desenvolvimento para ampliar a cobertura aos demais genótipos;. Além dos benefícios que os medicamentos trazem aos pacientes, seus efeitos colaterais são mínimos. ;Estas drogas agem diretamente na enzima de ligação para a multiplicação do vírus da hepatite C. Por isso, são consideradas terapias-alvo;, opina.
Críticas e cautela
O presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, o químico Carlos Varaldo, afirma que ainda é cedo para a divulgação da eficácia do novo tratamento. A ansiedade em relação às drogas ; acredita Carlos ; ;cega as pessoas; para questões importantes, como: a aprovação dos IP;s pela Anvisa, o custeio dos medicamentos pelo governo federal e os efeitos colaterais. ;Entre os desconfortos, estão a anemia e uma forte diarreia, mas nada disso é informado;, garante.
Para Carlos Varaldo, que fez o tratamento padrão, com interferon e ribavirina e conseguiu a cura, se forem aprovados pela Anvisa, os inibidores terão de cumprir quatro etapas de burocracia. Essas levarão, de acordo com ele, aproximadamente cinco meses cada para serem finalizadas. Segundo ele, os novos inibidores de protease poderão chegar às prateleiras das farmácias em 2012.
DIAGNÓSTICO PRECOCE
Acontece amanhã, em São Paulo, o 1; workshop SBH Hepatites Virais: Doença Negligenciada, promovido pela Sociedade Brasileira de Hepatologia. O evento faz parte do programa para diagnóstico precoce dessas doenças na rede pública, que será lançado em 28 de julho, Dia Mundial da Luta contra as Hepatites Virais. O evento conta com a participação de representantes do Ministério da Saúde que irão divulgar a Agenda Nacional de Enfrentamento das Hepatites Virais no Brasil, com ações de prevenção e estímulo ao diagnóstico, entre outras medidas
A autoridades também vão esclarecer o novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite C e das coinfecções ; 2011, que entra em vigor hoje. Entre outras novas diretrizes, o documento dá permissão para que médicos ampliem o tratamento com interferon peguilado de 48 semanas para 72.