Paloma Oliveto
postado em 24/07/2011 08:41
Medicamentos, exames e procedimentos sofisticados são a base da medicina curativa. Mas existe um elemento tão importante quanto estes no processo de melhoria do paciente: simplesmente saber que está sendo cuidado. Diversas pesquisas conseguiram comprovar o chamado efeito placebo, que consiste na sensação de alívio dos sintomas de determinada doença, mesmo que a pessoa não tome remédios verdadeiros. Ainda que, do ponto de vista fisiológico, o organismo não seja beneficiado com o tratamento, as ;pílulas de farinha; são capazes de agir sobre o bem-estar do paciente com tanta eficácia quanto as drogas farmacêuticas.O placebo é uma importante ferramenta na pesquisa científica. Geralmente, nos estudos sobre novos remédios, os voluntários são divididos em grupos, sendo que parte recebe o verdadeiro tratamento e outra parte toma falsos medicamentos. O paciente pode ou não saber em qual categoria foi incluído, assim como o médico. Quando nenhum dos dois tem conhecimento sobre quem está usando a droga real, o estudo é chamado duplo-cego. No fim da pesquisa, é possível avaliar se o remédio trouxe efeitos positivos, comparando o estado de saúde dos voluntários que tomaram o medicamento com o daqueles que ficaram com o placebo. ;Se o placebo não for utilizado, é difícil saber se os resultados de um estudo estão relacionados ao efeito da droga ou à história natural da doença;, explica ao Correio Michael Wechsler, pesquisador da Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos.
O primeiro ensaio clínico controlado com placebo foi realizado em 1799 pelo médico britânico John Haygarth. O objetivo do pesquisador era testar um equipamento médico chamado trator de Perkins. Tratava-se de um objeto pontiagudo de metal que teria habilidades de ;apagar; a doença do organismo. Cético, Haygarth resolveu investigar a eficácia do equipamento, comparando seu uso ao de objetos idênticos, mas de madeira. ;Em um grau que jamais suspeitamos, verificamos quão poderosa é a influência da imaginação sobre as doenças;, concluiu o médico, em um livro publicado em seguida.
De acordo com o pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Marcus Zulian Teixeira, que escreveu um artigo sobre o tema, publicado na Revista da Associação Médica Brasileira, desde aquela época, ;o efeito placebo já trazia benefícios para a ciência médica, demonstrando ;a maravilhosa e poderosa influência das paixões da mente sobre o estado e os distúrbios do corpo;;. ;Com a introdução dos ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e placebo-controlados, os relatos de mudanças clínicas significativas nos grupos do placebo conduziram à difusão de que a intervenção pode apresentar efeitos poderosos em diversas condições clínicas;, relata o autor do artigo Bases psiconeurofisiológicas do fenômeno placebo-nocebo: evidências científicas que valorizam a humanização da relação médico-paciente.
Ação sobre a asma
É a essa relação de confiança e empatia entre doentes e médicos que se dedica o trabalho de Ted Kaptchuk, cientista e professor associado da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, autor de diversos livros e artigos. Recentemente, Kaptchuk publicou mais um trabalho sobre o efeito placebo, na revista especializada New England Journal of Medicine. No estudo, o cientista e sua equipe, da qual faz parte Michael Wechsler, investigaram a resposta ao placebo de pacientes com asma. O teste, duplo-cego, foi realizado com 46 pessoas divididas aleatoriamente em grupos. Algumas usaram inaladores com remédio, outras, inaladores com falso medicamento, enquanto que o restante fez acupuntura ou não recebeu nenhum tratamento.
Ao longo da pesquisa, os voluntários fizeram 12 testes para verificar a capacidade pulmonar. O exame revelou que, entre aqueles que inalaram o medicamento, o ganho respiratório real foi de 20%. Nos grupos do placebo, o índice foi de apenas 7%. Mas, quando consideraram o relato dos pacientes sobre a percepção que eles tinham sobre a melhoria de seu estado de saúde, os pesquisadores descobriram que não houve diferença entre os que tomaram o remédio e os usuários de placebo: 50% dos voluntários submetidos a alguma intervenção, fosse ela real ou fictícia, disseram que se sentiam melhor. Já os que não receberam nem remédio nem tratamento placebo, o percentual caiu mais da metade.
;Aparentemente, o placebo de fato melhora os sintomas, apesar de não sabermos exatamente o motivo. Isso mostra a importância de um tratamento, ainda que, objetivamente, o placebo não forneça a cura. Por exemplo, o placebo pode não curar o câncer, mas pode ajudar o paciente em relação à percepção de como ele se sente;, diz Wechsler. ;No nosso artigo recente, verificamos que só o fato de saber que estava sendo tratado já trazia um grande impacto ao paciente, tão grande quanto tomar uma medicação verdadeira;, completa Kaptchuk (leia entrevista). Ambos os cientistas afirmam que testes sobre o efeito placebo comprovam a importância da confiança e da empatia entre médico e paciente para que este se sinta melhor.
Não se trata apenas de pensamento positivo, como muitas pessoas podem achar. Em um outro estudo conduzido por Kaptchuk, o cientista resolveu investigar se, mesmo sabendo que tomavam ;pílulas de farinha;, os pacientes sentiam alguma melhora. Oitenta pessoas com síndrome do intestino irritável foram divididas em dois grupos: o de controle não recebeu qualquer tratamento, enquanto o outro tomou comprimidos de açúcar duas vezes por dia, sabendo que não havia qualquer fármaco na composição. ;Até a embalagem continha a palavra ;placebo;. Dissemos aos pacientes que eles não tinham de acreditar no efeito do placebo, mas precisavam apenas tomar as pílulas;, recorda Kaptchuk.
Durante três semanas, os pacientes foram monitorados. Ao final dos testes, 59% dos que ingeriram o comprimido de açúcar relataram alívio nos sintomas, enquanto que o índice do grupo sem tratamento ficou em 35%. ;Não achei que fosse funcionar;, conta Anthony Lembo, professor de Harvard que integrou a equipe de pesquisadores. ;Me senti estranho pedindo para os pacientes tomarem placebo. Mas, para minha surpresa, parece que isso funcionou para muitos deles;, confessa.
Mecanismos psicológicos
Embora diversas pesquisas já tenham comprovado o efeito placebo, os cientistas ainda estão atrás dos mecanismos cerebrais envolvidos no processo. ;Essa é uma área em investigação e estamos muito interessados em aprender mais a respeito. Ainda se sabe pouco sobre a ciência do efeito placebo;, diz o pesquisador de Harvard Michael Wechsler. De acordo com o cientista Ted Kaptchuk, diversos neurotransmissores estão envolvidos, incluindo endorfina e dopamina. ;Além disso, sabemos que há áreas específicas do cérebro que modulam emoções e sensações, como o córtex cingulado anterior rostral, relacionados ao placebo;, conta.
Em um artigo publicado na revista médica Lancet, Kaptchuk e sua equipe reviram diversas pesquisas sobre o tema e concluíram que, do ponto de vista fisiológico, são muitos os mecanismos que contribuem para o efeito placebo. Expectativa, condicionamento, aprendizado, memória, motivação, recompensa e redução da ansiedade são alguns deles. Dois, de acordo com o artigo, parecem ser os mais importantes: a expectativa e o condicionamento. Enquanto a esperança de melhora aciona as áreas do cérebro relacionadas ao desejo e às emoções, o fato de o paciente tomar todos os dias o falso medicamento condiciona a mente a ;acreditar; que algo está acontecendo. Isso, segundo Kaptchuk, inconscientemente, desencadeia respostas imunológicas e hormonais (veja quadro).
Três perguntas para Ted Kaptchuk, cientista da Universidade de Harvard
O que os sistemas de saúde podem aprender com o efeito placebo?
Eu acho que os sistemas de saúde usam efeitos ;não específicos;do tipo placebo o tempo todo. O que a pesquisa sobre o placebo faz é permitir que os médicos vejam a sua magnitude e importância para os pacientes. Ela demonstra que, além de procedimentos e medicações, oferecer cuidado às pessoas é um componente crítico para a melhoria do paciente. Também há experimentos que sugerem que, mesmo quando o paciente sabe que está tomando placebo, o falso medicamento continua fazendo efeito. Acho que estamos falando sobre reconhecer que há mais dentro de um sistema de saúde do que simplesmente passar remédios e exames. No nosso artigo recente, verificamos que só o fato de saber que estava sendo tratado já trazia um grande impacto ao paciente, tão grande quanto tomar uma medicação verdadeira.
Quando o paciente descobre que seu tratamento é placebo, as melhorias podem sofrer impactos negativos?
Se o paciente acha que o placebo é uma coisa idiota, falsa e fraudulenta, ele vai experimentar regressões em seu quadro. Mas se os pesquisadores explicarem que esses efeitos são, na verdade, o poder da autocura, e explicar isso antes de o paciente receber o placebo, há evidências de que o paciente não sofre regressão.
Considerando que o efeito placebo de fato existe, isso quer dizer que pensamentos positivos podem curar?
O efeito placebo inclui pensamentos positivos, mas também inclui a relação entre médico e paciente; a confiança naquele diploma pregado na parede, a empatia entre ambos, a compaixão e a persuasão do médico. Além disso, inclui tomar as pílulas falsas. Por isso, acho que é algo maior do que apenas a força do pensamento.
Cadeia de aplicações
O método, de acordo com cada tipo de doença
Condição - Mecanismo
Dor - Ativação de opioides endógenos e da dopamina
Parkinson - Ativação da dopamina e mudança na atividade dos neurônios no gânglio basal e no tálamo
Depressão - Mudanças na atividade elétrica e metabólica em diferentes regiões cerebrais
Ansiedade - Mudanças na atividade dos córtices cingulado anterior e orbitofrontal, alteração nos níveis de dopamina
Dependência química - Mudanças na atividade metabólica de diferentes regiões cerebrais
Doenças cardiovasculares - Redução da atividade da adrenalina no coração
Doenças respiratórias - Condicionamento dos receptores opioides nos centros respiratórios do organismo
Sistema imunológico - Condicionamento de alguns mediadores do sistema imunológico, como linfócitos
Sistema endócrino - Condicionamento de hormônios como cortisol
Performance física - Ativação de opioides endógenos e melhoria do trabalho muscular
Alzheimer - Melhor controle da atividade do córtex pré-frontal
Fonte: Biological, clinical, and ethical advances of placebo effects, artigo de Damien G. Finniss, Ted J. Kaptchuk, Franklin Miller e Fabrizio Benedetti