postado em 25/07/2011 11:55
Prestes a completar quatro anos, o Programa de Implante Coclear de Brasília, coordenado pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB), é considerado um sucesso no meio de especialistas e de pacientes que se submeteram ao tratamento. Desde o início, em outubro de 2007, 26 pessoas, entre crianças e adultos, receberam o aparelho que trouxe de volta a capacidade de ouvir ou escutar pela primeira vez os sons ; no caso de crianças. Conhecido como ouvido biônico, o implante coclear (IC) substitui a função do ouvido interno tornando-se a única tecnologia eficaz contra a surdez profunda. As demais, como o aparelho convencional, apenas amplificam o som, não o discrimina, como faz o IC.A importância do implante no resgate da audição é tanta que a cirurgia é realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 11 estados, além do Distrito Federal. ;É o que temos de mais moderno no tratamento da surdez profunda;, ressalta Robinson Koji Tsuji, otorrinolaringologista do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC) e coordenador do Comitê de Implante Coclear da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia (ABO), que, desde 1999, realiza cerca de 12 implantes por mês.
De lá para cá, a técnica foi bastante aperfeiçoada, com a disponibilidade de novos materiais e tecnologia. Hoje ela é considerada pouco invasiva. ;O tamanho do corte é bem menor;, disse Tsuji. Como toda cirurgia, há riscos. Porém, o maior deles, segundo o médico, é a lesão do nervo facial, que passa dentro do ouvido. ;Por isso é considerada uma operação de alta complexidade. As equipes devem ser muito bem treinadas;. Geralmente, o SUS concentra essas cirurgias nos hospitais universitários, pois os cirurgiões têm maior capacidade e habilidade para realizá-las.
Nos casos de deficiência auditiva profunda, a cóclea (uma porção do ouvido interno) perde a capacidade de captar as vibrações produzidas pelo som e enviá-las ao nervo auditivo, para que seja decodificado e compreendido pelo cérebro. Com o implante, a função da cóclea é restabelecida. O equipamento capta os sons do ambiente e gera um impulso elétrico que estimula o nervo da audição (veja arte). ;Esse processo faz com que o paciente passe a perceber os sons;, explica André Sampaio, otorrinolaringologista do Setor de Implante Coclear do HUB.
Reaprendizado
Essa percepção do som, porém, não é tão simples como se imagina. Diferente dos óculos, cujo resultado é imediato, após o implante, o paciente precisa reaprender a escutar, sobretudo, aqueles que ficaram anos sem ouvir. O processo é lento e envolve uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, fonoaudiólogos, psicólogos, além da família. ;Geralmente, leva cinco anos para que o paciente esteja reabilitado;, informa a fonaudióloga do HUB, Mônica Vaz de Campos.
No caso das crianças, quanto mais cedo o IC for colocado, mais benefícios ele trará ao paciente. ;Aprendemos a ouvir e a falar nos primeiros anos de vida. Quanto mais velhos, mais difícil fica falar. Quanto mais tarde, mais difícil para readquirir a linguagem. A criança vai ouvir, mas pode não entender, necessariamente, o que é o barulho;, diz Sampaio. Segundo o médico, o IC deve ser colocado até os 5 anos, idade em que a criança forma a fala por completo.
A pequena Sileide Borges Teixeira, 8, foi a segunda paciente do HUB a fazer o implante coclear, em 2008. Desde então, a menina ; que nasceu surda devido a rubéola que a mãe contraiu durante a gravidez ; comparece duas vezes na semana no HUB para fazer fonoterapia. ;Como a Sileide não tem memória auditiva, o trabalho é ensinar-lhe o que é o som, para que ela o identifique e assim constitua a fala;, explica Mônica. Depois de dois anos de terapia, a garotinha já reconhece o nome das pessoas da família e discrimina sons. ;Ela sabe distinguir o que é música, por exemplo, e responde sem precisar fazer contato visual. Seu vocabulário é considerado grande e ela já se faz entender por meio da fala;, relata a fonoaudióloga. Porém, o caminho ainda é longo para que Sileide desenvolva a fala completamente. ;O ideal é que ela seja acompanhada até a adolescência;, disse Mônica.
Outro fator importante durante a terapia é a participação da família. Pai, mãe, irmãos e tios dão continuidade aos trabalhos dos especialistas estimulando a criança na identificação dos sons. O simples fato de bater uma porta e dizer a criança que aquele barulho corresponde a tal ação ajuda a identificar os sons. ;É um trabalho contínuo que demanda atenção de quem convive com a criança, para que ela possa saber e entender o que está ouvindo;, frisa a fonoaudióloga.
Gislaine Arantes dos Santos, 30 anos, é mãe de Iasmym Vitória da Silva, 4 anos, que colocou o implante em fevereiro deste ano. Apesar de recente, a merendeira de Anápolis (GO) comemora os ganhos da filha com o implante e observa que é preciso dedicação para que o tratamento tenha efeito. ;Vivo fazendo barulho e mostrando à minha filha o que fez tal som. É emocionante vê-la reconhecer sons tão simples com tão pouco tempo de tratamento. Vejo que ela tem vontade de interagir, de falar. Isso nos motiva a estimulá-la ainda mais.;
Bons resultados
Já os adultos que perderam a audição levam vantagem em relação às crianças. Por terem memória auditiva, esses pacientes conseguem resultados entre o período de seis meses a um ano de terapia. ;Se seguir todas as orientações, em até um ano depois do implante, é possível perceber 100% das palavras;, afirma Nilda Maia, fonoterapeuta do HUB.
Segundo os especialista, nos pacientes adultos a terapia gira no reconhecimento dos sons, para restabelecer a fala. A bióloga Eurly Clycia de Deus Alencar, 52 anos, perdeu a audição gradativamente. ;Vivi isolada por cinco anos, me sentia insegura e achei que minha vida tinha acabado;, lembra a bióloga que era professora. Em outubro de 2010, Eurly saiu de Porto Velho (RO) e fez o implante coclear no HUB. ;Não acreditei quando escutei algo como se fosse um voz de robô (o som que o paciente ouve quando faz o IC). Chorei, mas ao mesmo tempo entrei em pânico achando que no outro dia iria acordar surda de novo;, relata.
Hoje, quase um ano depois da cirurgia e de terapia bimensal no HUB e semanal em Porto Velho, os resultados de Eurly são bastante satisfatórios. ;Com Eurly (e todos os adultos), adequamos o estímulo elétrico do implante para ajustar o som, até que eles se lembrem o significado de cada ruído. ;Antes, pagode e tango eram a mesma coisa. Hoje consigo distingui-los;, comemora. ;Vou voltar a fazer o que parei: minha pós-graduação;, conta orgulhosa.