Ciência e Saúde

Pesquisa comprova que alguns tipos de tintas corroem esculturas metálicas

postado em 28/07/2011 08:00
Trabalho minucioso: o alemão Patrick Luetzelschwab (de camisa clara) coordena a montagem da exposição de peças dos irmãos Campana em Brasília
Para sobreviver ao tempo, a arte não depende apenas da sensibilidade e da genialidade de quem a produz. A preservação também é fundamental para que quadros, esculturas e outros objetos continuem encantando os olhos do público com o passar dos anos. Por trás das exposições, sejam elas permanentes ou itinerantes, há uma verdadeira engenharia voltada para a conservação das criações.

A temperatura, a umidade, a iluminação e até mesmo o número de pessoas que se movimentam dentro da mostra são apenas alguns dos detalhes para os quais os especialistas ficam atentos. Agora, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) traz novas informações para ajudar nessa proteção, ao descobrir que alguns produtos de limpeza e tintas podem acelerar a degradação de alguns tipos de metais.

O trabalho, realizado pelo Instituto de Química da universidade, identificou que o formol, liberado por parte desses produtos, pode ser extremamente prejudicial a esculturas metálicas. O estudo faz parte de uma linha de pesquisa que busca entender como fatores externos ; poluentes, compostos químicos e gases, por exemplo ; influenciam na degradação dos bens culturais. ;Uma vez que entendemos como ocorre esse processo, temos a capacidade de adotar metodologias preventivas;, justifica o químico Thiago Sevilhano Puglieri.

A ação do formol foi descoberta depois da análise de amostras de uma escultura policromada de chumbo em processo de corrosão acelerado, exposta no Museu do Oratório de Ouro Preto (MG). Por meio de uma técnica chamada microscopia ramam, que permite a identificação de substâncias mesmo quando presentes em concentrações muito pequenas, os cientistas perceberam que a deterioração estava relacionada ao formiato de chumbo, que se formava quando o objeto estava na presença de ácido fórmico.

O experimento revelou que a formação de formiatos ocorre nas superfícies expostas a vapores de formol (formaldeído ou, mais corretamente, metanal), mesmo na ausência de substâncias oxidantes. No caso de metais como cobre, prata, estanho e chumbo, a presença de objetos de madeira pode causar o mesmo problema. Porém, no museu mineiro, o processo de corrosão prosseguiu mesmo depois que os mostruários de madeira foram substituídos por estruturas de vidro. ;Por esse motivo, passamos a considerar a hipótese de que o produto de limpeza dos vidros do mostruário é que estava acelerando a degradação do chumbo;, conta Dalva Faria, orientadora do trabalho.

A hipótese levou os pesquisadores ao formol, já que antes acreditava-se que a degradação de chumbo pelo composto só ocorria na presença de um agente oxidante, como o peróxido de hidrogênio.

;O papel do formaldeído não havia sido adequadamente considerado até este trabalho ser feito;, esclarece Dalva. Até 2008, o formol era usado como preservante em produtos de limpeza, quando foi banido pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). ;A ação danosa sobre a peça de chumbo pode, portanto, ser da época em que seu uso ainda era permitido;, conclui a orientadora.

Além disso, a base dos mostruários era feita de aço pintado com tinta automotiva. ;É sabido que tintas liberam tanto formaldeído quanto ácido fórmico;, ressalta Dalva.

Estudando a ação dessa tinta sobre pedaços de chumbo usados como referência, os pesquisadores descobriram que sua ação é muito mais expressiva do que a dos produtos de limpeza. ;Durante a cura da tinta, aconteceu a liberação de compostos orgânicos voláteis que levaram à corrosão;, esclarece Puglieri. ;Isso deixou muito evidente a importância dos produtos que são usados dentro dos museus;, completa o autor da pesquisa. Ele diz, porém, que ainda não sabe que tipo de tinta pode degradar obras artísticas. ;O ideal é testar esses produtos antes de utilizá-los, pois a corrosão é um processo irreversível. Dependendo do estado, perde-se a obra.;

Detalhes
Informações como as obtidas no estudo da USP são fundamentais para o trabalho de profissionais como o alemão Patrick Luetzelschwab, responsável pelo transporte e pela montagem e desmontagem de exposições na Europa e no Brasil. Segundo ele, os cuidados tomados na conservação de obras de arte parecem com a atenção dada a um órgão operado por um cirurgião.

;Cada local em que a obra vai ficar é minuciosamente estudado. Desde a luz a ser colocada até a temperatura ideal, que deve ser monitorada constantemente durante a visitação.; As peças também são avaliadas semanalmente. ;Se apresentarem qualquer indício de problema, retiramos da mostra;, diz o courier, que acompanha a montagem da exposição dos irmãos Campana no Brasil.

Nas exposições itinerantes, o transporte é considerado o momento mais delicado. Segundo Luetzelschwab, as peças são transportadas por caminhões refrigerados, em caixas que mantém a temperatura ideal e acompanhadas por uma máquina que mede a todo tempo a umidade e a temperatura. ;Se houver alguma variação, temos que parar e recuperar a climatização ideal;, explica.

O artista plástico André Venturini acrescenta que o cuidado é tanto que, em algumas exposições, o museólogo chega ao espaço que vai receber a mostra até um ano antes, para observar as condições do local. ;Eles medem a climatização diariamente, por longos períodos, para se certificarem de que o espaço tem condições de receber as obras;, conta.

Luetzelschwab destaca os três principais fatores que precisam ser observados na preservação das obras de arte: luz, temperatura e umidade. A degradação depende também da natureza da obra ou do bem cultural. Para Larissa Long, conservadora e restauradora da coordenação-geral de bens móveis e integrados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a pesquisa acrescenta mais conhecimento para o desenvolvimento de metodologias para a conservação preventiva. ;Nossa busca é conservar para não restaurar, porque qualquer tipo de restauração modifica a obra;, coloca.

Design brasileiro
A exposição Anticorpos ; Fernando & Humberto Campana ; 1989-2009 comemora 20 anos da trajetória dos irmãos designers brasileiros. A mostra reúne 175 obras que compuseram uma retrospectiva realizada pelo Vitra Design Museum, em Weil, na Alemanha. Pode ser vista até 25 de setembro, de terça a domingo, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil. A entrada é franca.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação