postado em 09/08/2011 08:11
;Eu sei que vocês não me amam mais;, dispara Eduardo Perroni, 4 anos, quando a mãe precisa se dedicar aos cuidados da caçula, Manuela Perroni, 24 dias. Mesmo enciumado, o garoto demonstra carinho e amor pela irmã, mas também exibe uma boa dose de insegurança. Esse comportamento é considerado normal, levando em conta que o primogênito passa anos como o detentor integral de todo o amor dos pais e, de repente, precisa aprender a dividi-lo com outra pessoa tão importante quanto ele.A delicada questão, comum em famílias que desejam aumentar a prole, é tema do estudo Gestação do segundo filho: percepções maternas sobre a reação do primogênito, de Caroline Rubin Rossato Pereira, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo especialistas, a nova situação deve ser encarada com naturalidade, mas os pais precisam redobrar o apoio ao primogênito nesse período.
Realizada com oito gestantes no terceiro trimestre de gestação do segundo filho e com primogênitos em idade pré-escolar (de 3 a 6 anos), a pesquisa buscou examinar o impacto da gestação do segundo filho sobre diversos aspectos das relações familiares. ;O objetivo era investigar as percepções maternas sobre as reações do primogênito à gestação do segundo filho;, conta Caroline.
De acordo com ela, as mães perceberam mudanças no comportamento de seus filhos durante a gestação, de modo especial no último trimestre. No período, os primogênitos apresentaram um aumento da ansiedade, da irritação e da insegurança. ;Além disso, as mães relataram diferentes sinais de ciúmes do bebê: demonstrações claras do medo de perder a atenção, o carinho e o amor da mãe; agressividade dirigida à barriga da gestante e ameaça de comportamentos agressivos para com o irmão após seu nascimento;, descreve.
Eduardo, filho de Cecília Lopes, 25 anos, e Gabriel Perroni, 30, acredita piamente que os pais deixaram de amá-lo com a chegada de Manuela. A mãe conta que ele não demonstrou ciúmes durante a gestação. No entanto, quando quer atenção e não é bem-sucedido, o garoto dispara: ;Eu sei que agora vocês só amam a Manuela;. De acordo com Cecília, Eduardo segura a bebê no colo, a elogia, diz que a ama, mas reclama da falta de atenção. ;Ele é apaixonado pela irmã, faz até planos com ela, mas sempre nos lembra que perdeu espaço com a chegada dela;, conta. Os pais conversam com o filho e explicam que o amor é igual, que todos formam uma família e que devem se amar. ;Eu tento contornar, mas não valorizo esse comportamento;, diz Gabriel.
No estudo da UFRGS, percebeu-se que os sentimentos dúbios de Eduardo são comuns. As crianças que reagiram tanto com alegria quanto com surpresa ou indiferença à notícia da gestação tornaram-se ansiosas no fim da gravidez. Paralelamente ao descontentamento ou mesmo à agressividade, os primogênitos exibiam gestos de carinho e interesse pelo irmão que estava sendo gestado, como o contato afetivo com a barriga da mãe e a inclusão do novo membro da família nas conversas.
;Vou jogar ele fora;
Com comportamento agressivo, Lucas, 3 anos, filho de Raquel Araújo, 33, reclamou quando ouviu a notícia da nova gravidez da mãe. Raquel recorda que, influenciado pelos colegas da creche, o menino sempre pedia um irmão, mas quando soube que de fato iria ganhá-lo, a reação não foi de felicidade. ;Ele pediu que eu desse o irmão para ele, que iria jogá-lo fora;, lembra. A analista de controle, que está no primeiro trimestre da gestação, conta que levou o filho na primeira ecografia e que a médica conversou com ele, dizendo que o momento devia ser encarado com alegria. Mas o diálogo não adiantou muito.
;Às vezes ele tenta chutar, socar a minha barriga, mas não sei se está brincando ou fazendo de propósito;, relata. Raquel conversa com Lucas, pedindo para ele abraçar, conversar com a barriga, mas ele responde que não quer e que ;a médica não disse para ele fazer nada disso;. ;Desde que soube, ele prefere ficar mais no colo. Eu acredito que é uma forma de marcar território;, diz. Raquel espera que o comportamento, no decorrer da gestação, melhore antes de o bebê nascer.
De acordo com a terapeuta infantil Soraia Pereira, é natural que o primogênito se sinta inseguro ; estranho é se ele agisse com indiferença. No entanto, quem vai dosar essa reação serão os pais. Para ela, eles devem ser firmes e entenderem que, embora o sentimento seja normal, não é motivo para aceitar tudo o que o filho faz. Segundo a terapeuta, a chegada do irmão gera insegurança e frustração, e esses sentimentos são necessários. ;A frustração gera o desejo, e o desejo é que movimenta a vida. Saber lidar com essa frustração é um aprendizado para toda a vida;, diz.
Para Caroline Rubin Rossato Pereira, a gestação do irmão é um acontecimento importante na vida da criança. Embora ela nem sempre verbalize claramente a ansiedade, as mudanças de comportamento e as manifestações de ciúmes apresentadas devem ser compreendidas dentro de um processo normal de adaptação a uma nova realidade. Ela afirma que, mesmo buscando apoiar, preparar e cuidar atentamente da criança, os pais não podem imunizá-la das angústias que cercam, em diferentes medidas, todos os membros da família nesse momento.
Apoio
Ciente de que esse é um período delicado na vida da filha, a artesã Denise Torres, 31, e o tatuador Eric Schwartz, 35, pais de Taís, 8, perceberam logo cedo a insegurança da menina e trataram de apoiá-la. Eles contam que Taís sempre pediu uma irmã e até encarou de uma forma tranquila a notícia da gravidez, mas, quando a barriga começou a crescer, passou a se sentir insegura, triste. ;Eu digo sempre para ela que ela é a número um, a garota do papai;, conta Eric.
Taís, que passou a acordar de madrugada reclamando de pesadelos, questiona os pais sobre a atenção dispensada a ela depois que o irmão nascer. ;Um dia, estávamos vendo tevê e ela me perguntou se eu iria deixar de dar atenção a ela. Eu respondi que não, que ela era o meu primeiro amor e que nós duas juntas iríamos cuidar do irmãozinho;, relata a mãe. Denise, no oitavo mês da gestação, conta que tenta amenizar o sentimento da filha conversando e incutindo na criança a responsabilidade que também terá na educação do irmão. Taís, atualmente mais tranquila e animada com a chegada do irmão, não assume os ciúmes. ;Estou feliz e animada;, garante. A mãe acredita que, nesse momento, os pais devem tentar contornar o sentimento mostrando que o ;novo; filho só tem a acrescentar à família.
A terapeuta Soraia destaca que minimizar as reações presenteando ou dizendo que o ama mais não é uma boa alternativa, pois o sentimento de insegurança só é imunizado pela certeza de que o posto do primogênito como filho não está em jogo. ;Essa criança tem que ter noção de que não é exclusiva e que o fato de ter de dividir não é motivo para a insegurança;, aconselha. Em casos de agressão, ela diz, os pais devem ser enfáticos no sentido de que tal comportamento não será admitido. ;Alguns pais se sentem traidores por terem outros filhos e, dessa forma, acabam consentindo tudo e ficando nas mãos dos filhos;, observa.
Como agir
Investir em brincadeiras e na diversão com o filho mais velho
Ser tolerante na hora das reações negativas
Manter algumas atividades para serem feitas unicamente com o filho mais velho
Não realizar mudanças como troca de escola, retirada da chupeta ou mamadeira, pois trazem uma carga extra de tensão para a criança
Elogiar, exaltando as capacidade da criança de não precisar mais de chupeta, fralda e mamadeira