Ciência e Saúde

"Pele eletrônica" poderá substituir eletrodos no monitoramento cardíaco

postado em 12/08/2011 10:07

A portabilidade já chegou aos mais diversos equipamentos eletrônicos e, agora, promete revolucionar a medicina. Pesquisadores de três países anunciaram a criação de uma ;pele eletrônica;, um dispositivo mais fino que um fio de cabelo, capaz de monitorar batimentos cardíacos. O protótipo, descrito na edição de hoje da revista Science, substitui os eletrodos, com uma série de vantagens. Além de ser quase imperceptível, o equipamento é maleável, não provoca irritações e envia dados atualizados sobre o organismo do paciente. A ideia é que, no futuro, a mesma tecnologia seja usada como uma espécie de curativo inteligente, para tratar feridas, hematomas e, até mesmo, lesões mais complexas.

Os cientistas dos Estados Unidos, de Cingapura e da China estudam o sistema há, pelo menos, seis anos. Um dos principais desafios foi fazer com que os componentes da parte eletrônica ; frios e rígidos ; se adaptassem à epiderme humana ; macia e flexível. ;Passamos muito tempo estudando a pele, sua aspereza, sua flexibilidade;, conta John Rogers, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, um dos pesquisadores que assina o artigo. Em seguida, a equipe fatiou a parte eletrônica em pedaços bem finos, entre 50 e 100 namômetros de espessura, e depositou o material em uma camada isolante. ;Com essa nova geometria, o dispositivo pode ter propriedades mecânicas correspondentes às do corpo;, diz Rogers.

Esse é, inclusive, o maior trunfo do trabalho divulgado hoje. ;Eles conseguiram desenvolver uma película que adere à pele sem nenhum tipo de adesivo, de forma quase invisível;, destaca Alcimar Soares, coordenador do grupo de pesquisa em engenharia biomédica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). ;O potencial é muito grande, muitas coisas que estudamos hoje têm limitações que seriam resolvidas com um dispositivo como esse;, completa. Uma das aplicações seria em aparelhos para pessoas com graves deficiências motoras. Hoje, os sensores que captam sinais elétricos do organismo dos usuários não são fáceis de serem utilizados e acabam incomodando o paciente.

No protótipo apresentado hoje, a fixação à pele se dá graças a uma propriedade molecular já conhecida dos cientistas, chamada de força de Van der Waals ; em homenagem ao seu descobridor. Segundo esse conceito, moléculas de todos os materiais existentes no mundo se atraem eletricamente com moléculas de outras substâncias, mais ou menos como acontece com a força da gravidade na Terra. No caso da película desenvolvida pela equipe de John Rogers, a atração entre as partículas é suficiente para suportar o peso do objeto, que, de tão fino, mais parece uma tatuagem.

O dispositivo foi testado em várias partes do corpo (veja infografia) e conseguiu enviar informações sobre a atividade elétrica do coração durante 24 horas, com a mesma eficiência de um aparelho de eletrocardiograma comum. ;Nós montamos a película no pescoço, próximo à garganta, para demonstrar que podemos colocá-la em regiões de difícil adesão;, explica John Rogers. Além disso, esse local oferece uma grande quantidade de dados, devido à vibração provocada pelas cordas vocais. ;Como resultado, o material reportado pelo equipamento têm tantas informações que, com um software adequado e com o reconhecimento de padrões, é possível transformá-las em um vocabulário restrito;, garante Rogers.

Como celular
A transmissão dessas informações para o computador ocorre via radiofrequência, por uma bobina interna, que funciona como uma antena. Os experimentos foram realizados em uma curta distância, não detalhada pelos pesquisadores no artigo, mas nada impede que o dispositivo envie dados para outras antenas capazes de retransmitir o sinal e, assim, aumentar a capacidade do invento. ;Não há nenhum empecilho tecnológico para isso. Essa técnica já está dominada pela ciência;, lembra o professor Alcimar Soares. ;O sistema funciona sem fios, mais ou menos como o bluetooth de um celular, só que com outro protocolo;, completa o especialista.

É também dessa bobina interna que vem a energia para alimentar a pele eletrônica. A antena que recebe os dados do lado de fora reenvia o sinal como potência, capaz de sustentar os circuitos do aparelho. Segundo os pesquisadores, também é possível inserir pequenas baterias no equipamento, embora esse teste não tenha sido feito. Outro desafio que os criadores da película têm para resolver é o que fazer com o suor que ficará retido embaixo do dispositivo. Os experimentos duraram apenas um dia, mas John Rogers afirma que o material pode durar por cerca de uma semana na pele do paciente. Nesse período, as glândulas sudoríparas continuarão funcionando e a secreção pode acabar atrapalhando a captação dos dados pelos sensores.

Inteligente
Mesmo com essas dificuldades, o futuro da pele eletrônica é bastante promissor. Segundo John Rogers, o dispositivo consegue armazenar mais componentes do que os existentes em um eletrodo tradicional. Essa característica abre portas para uma série de possibilidades para a medicina de diagnóstico e reabilitação e, até mesmo, para o entretenimento. ;Estudos já mostram que a estimulação elétrica pode acelerar a cicatrização de feridas. Também é impossível induzir o aquecimento local;, aponta o professor da Universidade de Illinois. ;Há muitas coisas que podem ser criadas no contexto de um curativo inteligente.;

Rogers imagina, inclusive, um sistema integrado entre corpo e máquina, onde softwares possam se comunicar diretamente com a biologia humana. ;Eu penso não só em monitoramento, mas também em um aparelho que esteja estimulando e interagindo com o tecido, de forma a promover a cura para vários problemas da saúde humana.; Antes disso, porém, é provável que o invento da equipe de Rogers caia nas graças da indústria de games. Imagine só como seria um jogo que pudesse ser controlado com movimentos do corpo de forma muito mais natural do que é hoje. Uma ideia de arregalar os olhos de apaixonados pelo Xbox e seu Kinect.

Mundo minúsculo
O nanômetro é uma unidade de medida criada para se referir aos produtos desenvolvidos em escala menor que um centímetro. Atualmente, há uma série de pesquisas que trabalham com essa realizadade pequena, mas com potencial para revolucionar a medicina, a engenharia, os cosméticos, entre outras áreas. Um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro.

;Tecnologia razoável;
Ao ser perguntado sobre o custo da novidade, John Rogers preferiu não falar de valores. O pesquisador afirmou que há técnicas únicas envolvidas no processo, mas que parte do desenvolvimento utiliza partes já conhecidas da cadeia produtiva. ;O custo pode ser gerenciado, mas eu não quero colocar nenhuma figura de dólar associada a um dispositivo individual;, disse.

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