Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Cientistas encontram bactérias que podem conduzir materiais minúsculos

Bactérias são, frequentemente, associadas ao aparecimento de doenças. Mas seu papel vai muito além disso. Cientistas da Universidade de Massachusetts, em Amherst, nos Estados Unidos, conseguiram mostrar que esses micro-organismos são capazes, até mesmo, de gerar energia, por meio da transmissão de elétrons. Eles montaram o primeiro dispositivo eletrônico no qual a rede elétrica natural da bactéria se desenvolveu e manteve sua capacidade condutora. A expectativa é que estruturas como essa sejam usadas para aplicações em nanotecnologia, deixando os equipamentos ainda menores e com potencial para serem usados em ambientes úmidos.

O grupo estuda subespécies de geobactérias há anos, mas somente agora comprovou que elas podem ser usadas em aplicações eletrônicas. Isso porque a ;respiração; desses micro-organismos movimenta elétrons, gerando eletricidade com a mesma eficiência de outros semicondutores usados em nanotecnologia. As geobactérias foram descobertas em 1987 e são encontradas em meio aquoso ou úmido. No caso específico da Geobacter sulfurreducens, descrita pelos cientistas norte-americanos, seu hábitat é embaixo da terra, onde não há oxigênio. A sobrevivência é garantida por trocas energéticas com outros elementos à sua volta.

Para fazer a conexão com seus vizinhos, as geobactérias produzem nanofios que se alongam para fora de seu corpo, tal qual finíssimos fios de cabelo. ;A bactéria ;respira;, fazendo a transferência de elétrons para o outro indivíduo. No ambiente natural, essa troca é feita com o ferro presente nos minerais e, no laboratório, com o eletrodo de metal;, explica ao Correio Mark Tuominen, um dos autores da pesquisa.

Tuominen e seus colegas já haviam demonstrado, em 2005, que os minúsculos fios produzidos pela geobactéria eram condutores. Nos últimos anos, a equipe trabalhou em uma técnica para fazer com que essa característica pudesse ser reproduzida sobre um suporte de metal. ;Essa é uma mudança de paradigma na biologia. A condutividade ao longo de um filamento de proteína não havia sido observada até então e, quando nós sugerimos isso pela primeira vez, nosso trabalho foi recebido com muito ceticismo;, conta Derek Lovley, outro responsável pelo estudo. As conclusões do último artigo desenvolvido pela equipe foram publicadas em uma edição on-line da revista Nature Nanotechnology deste mês.

Para fazer com que a geobactéria reproduzisse no laboratório o mesmo comportamento que tem em seu hábitat natural, o primeiro passo foi criar uma espécie de biofilme, com milhares delas. Essa película foi colocada em cima de eletrodos de ouro (veja arte). A colônia, então, recebeu moléculas de acetato para se ;alimentar; e, em troca, devolveu elétrons. ;Nossa pesquisa representa a descoberta de um novo material. Antes disso, ninguém acreditava que um sistema biológico pudesse ser condutor tanto quanto um metal;, afirma Tuominen. Devido a suas dimensões, a bactéria pode servir para aplicações em nanotecnologia. Ela mede 1 micrômetro (menor que uma célula do sangue) e seus nanofios se estendem a, pelo menos, 20 micrômetros.

Na água

Uma das grandes vantagens da geobactéria em relação a outros semicondutores é que ela pode ;funcionar; em ambientes úmidos. Atualmente, essa é uma das limitações dos eletrônicos, que entram em curto-circuito quando são colocados na água. Equipamentos com proteção contra o líquido dependem de invólucros resistentes que, por vezes, prejudicam o desempenho do aparelho. ;Além disso, um dispositivo feito com esses micro-organismos seria muito barato, uma vez que eles podem crescer em substratos simples, como o vinagre;, aponta o pesquisador Derek Lovley.

A aposta de Lovley é que as geobactérias vão se tornar matéria-prima de células geradoras de energia a partir de resíduos. ;O dispositivo poderia converter biomassa (combustível orgânico) em eletricidade, já que os nanofios de seu corpo conduzem os elétrons aos eletrodos;, sugere o especialista. Essa capacidade poderia ser usada para fazer uma verdadeira limpeza em ambientes repletos de resíduos ; tais como aqueles onde há restos da exploração de petróleo. ;A Geobacter sulfurreducens vive embaixo da terra, em compatibilidade com vários elementos químicos. E há muitos outros tipos de geobactérias, algumas delas também com nanofilamentos condutores;, enfatiza Mark Tuominen.

O pesquisador vai ainda mais longe: ;No futuro, podemos considerar a utilização desses materiais para o armazenamento de energia;, supõe. A rede de nanofios produzida pela bactéria tem uma grande superfície (de, pelo menos, 20 vezes o tamanho da própria bactéria). ;Essa estrutura é interconectada e porosa e, possivelmente, poderia ser utilizada como um eletrodo eficaz para o acúmulo de carga;, diz o especialista. Mas, até que isso vire realidade, os cientistas têm bastante trabalho pela frente. Agora, adiantam Lovley e Tuominen, o objetivo será conhecer a fundo a estrutura molecular desse micro-organismo. Com isso, ficará mais simples entender por que um elemento orgânico tem propriedades condutoras parecidas com as do metal.

Fome de ferro
A primeira geobactéria foi isolada do Rio Patomac, em Washington, nos Estados Unidos. Batizada de Geobacter metallireducens, ela oxida compostos orgânicos presentes em seu hábitat. ;Em outras palavras, ela ganha a sua energia usando óxidos de ferro da mesma forma que os humanos usam oxigênio;, explica um texto do site geobacter.org.

Proteínas elétricas
As geobactérias usam seus nanofios para conduzir os elétrons. Esses filamentos, chamados de ;pili; pelos cientistas, são feitos de proteínas, substâncias que, usualmente, são isolantes. ;Mas, nesse caso, são proteínas especiais, porque conduzem;, reforça Mark Tuominen. Novas pesquisas vão ajudar a equipe a entender como exatamente funciona essa estrutura de nanofios.

E EU COM ISSO
A extração de petróleo é uma das principais fontes de problemas ambientais. Não somente por conta do risco de vazamentos no mar, mas também porque o processo gera uma série de resíduos, incluindo substâncias tóxicas e metais pesados. Se a hipótese dos pesquisadores estiver correta, no futuro, as geobactérias podem ajudar a limpar as zonas afetadas por esse tipo de poluição. Elas ;comeriam; a matéria orgânica e devolveriam energia para o ambiente.