Ciência e Saúde

Os riscos de ganhar peso para fazer a cirurgia de redução do estômago

Luciane Evans
postado em 24/08/2011 09:21
Belo Horizonte ; A dieta consistia em comer de duas em duas horas, mas, em vez de um pão integral ou de uma fruta, a comunicóloga Josiane Ferreira, 31 anos, se entupia de calorias. No lugar de uma fatia de pizza, comia oito. Um copo de refrigerante não bastava: era necessário um litro. Sanduíches e massas passaram a ser ingeridos até o estômago aguentar. Tudo isso porque Josiane, que pesava 115kg e tem 1,65m de altura, decidiu se tornar obesa mórbida para ter o índice de massa corpórea ; o IMC, que é o peso dividido pela altura ao quadrado ; de 40kg/m;, como exigia seu plano de saúde para cobrir a cirurgia bariátrica (de redução do estômago).

;Em um mês, engordei 10kg. Era um sonho. Comia com vontade tudo o que via pela frente;, conta a comunicóloga. Assim como ela, muitas pessoas ; na maioria dos casos, mulheres jovens ; têm enfrentado uma corrida desenfreada para ganhar quilos e mais quilos e, com isso, alcançar o IMC que as qualifique para a cirurgia de redução de estômago, feita pelo convênio médico ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para especialistas, o método, não recomendado, é uma tragédia anunciada.

Para aumentar a preocupação, nos próximos dias a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) bate o martelo sobre a venda de inibidores de apetite no país. Se a agência optar pela proibição e os remédios forem retirados do mercado, cirurgiões e endocrinologistas temem que a operação se torne a primeira opção de quem quer perder peso mais rapidamente e o método de ;engordar para emagrecer; se transforme em uma epidemia entre os brasileiros.

O Brasil só perde em operações bariátricas para os Estados Unidos, que têm o maior volume de gordos no planeta ; lá, 150 mil entraram ;na faca; no ano passado. Por aqui, 60 mil brasileiros diminuíram o estômago no mesmo período. Na Itália, em terceiro lugar, foram 5 mil.

Manobra perigosa
Por que, afinal, uma pessoa que já está obesa e quer emagrecer come para engordar? Trata-se de uma manobra para reduzir o estômago sem ter que pagar um procedimento particular, que pode custar até R$ 25 mil, ou mesmo se esforçar barbaramente com exercícios físicos e reeducação alimentar. Os convênios e o SUS só cobrem a intervenção se o paciente tiver o IMC recomendado pela Federação Internacional para Cirurgia da Obesidade (IFSO) e adotado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que definiu as regras: a cirurgia é indicada para pacientes com obesidade mórbida (IMC a partir de 40kg/m;) e obesos (IMC entre 35kg/m; e 39kg/m;) que sofrem de doenças relacionadas à própria obesidade, como diabetes e hipertensão. Também há a determinação de que os ;candidatos; realizem, no mínimo, dois anos de tratamento para emagrecer, com uso de remédios e acompanhamento médico. Apenas quando tudo isso falhar deve-se partir para o recurso mais radical.

Sem os emagrecedores no mercado, o diretor clínico do Instituto Mineiro de Endocrinologia, Geraldo Santana, teme o pânico entre aqueles que precisam do remédio. ;O risco de muitos começarem a engordar para enfrentar o bisturi é grande. Muitas pessoas não aceitam estar acima do peso;, comenta, avaliando que aqueles que optam por ganhar os quilinhos não passam pelos consultórios dos endocrinologistas. ;Se essa forma de comer sem parar já ocorre com a venda de inibidores e sem ajuda médica, imagine o que não vai acontecer sem eles? É perigoso demais. Por isso, a Anvisa não deve proibir, deveria fiscalizar a comercialização dos medicamentos;, alega.

O receio é o mesmo de Galzuinda Figueiredo Rei, titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (Sbcbm) e responsável técnica de cirurgia bariátrica da Santa Casa de Belo Horizonte. De acordo com ela, estimam-se que haja milhões de obesos mórbidos no país para os quais a cirurgia têm indicação. Sua maior preocupação é de que não há no país uma política pública nacional de combate à obesidade. ;Não existe uma cultura para estimular o emagrecimento saudável. Faltam campanhas. A cirurgia deveria ser o último recurso, e não a primeira opção;, diz. Ela aposta que, na saúde suplementar, a tendência de ganhar peso é maior. ;No SUS, há filas imensas de pessoas que aguardam a cirurgia, por isso, não acredito que quem quer emagrecer por estética vá enfrentar essa espera.;

Desafio psicológico
A psicóloga familiar sistêmica Cláudia Prates, que faz avaliações em pacientes prestes a se submeterem a operações de estômago, diz que aquele que engorda para emagrecer come pensando que não será responsável pela conquista de peso, o que acaba sendo prazeroso. ;É um álibi para o próprio descontrole. Conheço muitas pessoas que se mantêm magras por medicamentos e, se eles forem proibidos, tenho certeza de que vão recorrer à cirurgia;, opina.

Há, entretanto, quem defenda que, independentemente da decisão da Anvisa, o método de adquirir mais peso para se submeter à operação não se altera. De acordo com o professor de clínica e endocrinologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Davidson Pires de Lima, a prática ocorre independentemente da liberação ou não de medicamentos. ;É uma busca dos jovens por uma solução mágica. O inibidor não faz emagrecer por si só; tem que ter atividade física e boa alimentação. O que é necessário é haver uma mudança de comportamento.;

"A cirurgia foi boa para mim"
Aos 23 anos, Josiane, hoje com 31, fez a cirurgia, depois de engordar 10kg. Ela jura que não foi por vaidade que, aos 23 anos, teve que engordar 10kg para enfrentar o bisturi. ;Como meus exames de colesterol e glicose já estavam alterados, o médico me recomendou engordar para alcançar o ICM e passar pela cirurgia paga pelo convênio. Comia sem remorso. Antes, já tinha feito todas as dietas possíveis para emagrecer e nada adiantava. Bastava relaxar que engordava três vezes mais. A cirurgia foi boa para mim;, diz, apostando que, sem os remédios, muitas pessoas vão seguir seus passos. ;Vai aumentar a busca pela operação. É um meio muito rápido de emagrecer. Hoje em dia, ninguém quer fazer esforços. O pós-operatório, porém, não é fácil. Fiquei três meses sem comer sólidos;, conta.

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