Ciência e Saúde

Fenômeno El Niño eleva chance de ocorrência de conflitos civis armados

postado em 04/09/2011 08:00
Fatores econômicos, políticos e sociais sempre foram os estopins de conflitos armados ao redor do mundo. Agora, cientistas afirmam que outro aspecto parece ter forte influência sobre esses episódios, principalmente nos países menos desenvolvidos: o calor. De acordo com um estudo publicado na edição mais recente da revista científica Nature, pesquisadores do Instituto da Terra, da Universidade de Columbia (EUA), descobriram que a presença do fenômeno climático El Niño ; que aumenta a temperatura e reduz a quantidade de chuvas em 90 nações tropicais ; pode ajudar a explicar um quinto das guerras civis ocorridas nas últimas cinco décadas. Também conhecido como El Niño Oscilação Sul (Enos), o fenômeno afeta grande parte da África, do Oriente Médio, da Índia, do sudeste da Ásia, da Austrália e da América Latina.

O grupo de especialistas examinou os ciclos climáticos e os confrontos ao redor do mundo ocorridos nos períodos de 1950 a 2004, a fim de estabelecer uma relação entre ambos. ;Notamos que, quando os países tropicais estavam sob o fenômeno La Niña, eles tinham 3% de chances de começar um novo conflito civil. Em comparação, quando estavam sob o mais quente e seco El Niño, as chances aumentavam para 6%;, descreve o líder do estudo, Solomon M. Hsiang, em entrevista ao Correio. ;Isso sugere que alterações no clima tiveram algum papel em 21% de todas as guerras civis desde 1950;, destaca.

Os períodos de calor e seca mais intensos estariam ligados indiretamente aos confrontos. Primeiramente, porque nessas épocas a produção agrícola é menor, o que pode afetar a distribuição de alimentos entre a população e a economia do país, caso parte da riqueza da nação venha desses produtos. Desse modo, a insatisfação da sociedade com os governantes devido à economia enfraquecida pode levar a tentativas de tirar líderes do poder.

O pesquisador ressalta que os efeitos das mudanças climáticas sobre os conflitos são maiores em nações mais pobres, embora não tenha certeza de por que isso acontece. ;É possível que esses países simplesmente não tenham os recursos necessários para se proteger dessas mudanças. No entanto, também é possível que sejam pobres porque têm conflitos persistentes desencadeados pelo clima. Talvez seja um problema que se retroalimenta;, estima o norte-americano. Ele cita Peru, Chade, Sudão, Omã, Mianmar e Indonésia entre os países que tiveram pelo menos um conflito civil na época do Enos desde 1950.

Ele diz que os resultados que ligam as mudanças de temperatura e umidade aos confrontos não se aplicaram a países como a Austrália, que, embora esteja na área de atuação do El Niño, nunca passou por uma guerra civil. Mas além da questão financeira, há fatores psicológicos. ;Uma hipótese vinda da psicologia afirma que os indivíduos realmente ficam mais agressivos quando expostos a temperaturas mais elevadas. Inclusive, eles ressaltam que, no verão, aumenta a incidência de crimes violentos ao redor do mundo;, comenta Hsiang.

Prevenção
Para o cientista, a parte mais interessante da pesquisa foi comprovar a importância dos ciclos climáticos para determinar padrões globais de conflito. ;Eu já tinha lido muitos livros de história que sugerem a relevância do clima nessa questão, mas nenhum deles havia conseguido quantificar isso;, diz Hsiang. Entre os autores que popularizaram na última década o conceito de que o meio ambiente pode influenciar a violência estão Brian Fagan, Mike Davis e Jared Diamond.

;Descobrir que 21% das guerras desde a década de 1950 foram afetadas de alguma maneira pelo Enos é um número muito maior do que eu imaginava;, admite. ;No mundo moderno, nós normalmente pensamos que as sociedades não estão mais vulneráveis às variações do clima. Mas nosso trabalho sugere que a estabilidade de grandes populações ainda é extremamente influenciada por quaisquer alterações no meio ambiente.;

Mark Cane, coautor do estudo, ressalta na pesquisa que a intenção do grupo não é mostrar que só o clima inicia as guerras. ;As variações de temperatura e umidade não são o único fator para o começo de guerras. Evidentemente, deve-se levar em consideração a política, a economia e todo o panorama social do país;, alerta. ;Pode ser impossível acabar com os conflitos, mas, sinceramente, minha equipe e eu esperamos que nossos resultados ajudem os governos e instituições internacionais a se preparar melhor para crises humanitárias que normalmente estão associadas a conflitos civis;, ressalta Hsiang. ;Atualmente, é possível prever o El Niño com dois anos de antecedência, então esperamos que isso seja usado para reduzir as perdas humanas resultantes das mudanças climáticas naturais.;

Contestação
Apesar da grande quantidade de cientistas que vêm analisando o assunto, há um grupo de especialistas em conflitos civis que vê essas pesquisas com desconfiança. O cientista político Halvard Buhaug, do Instituto de Pesquisa da Paz em Oslo, na Noruega, não está convencido da conexão entre o clima e a violência nas nações tropicais. Autor de uma pesquisa de 2010 intitulada O clima não é o culpado pelas guerras civis africanas, ele criticou em entrevistas à imprensa o estudo de Hsiang. ;O estudo falha em ampliar nosso entendimento das causas dos conflitos armados e não se esforça em explicar a alegada associação entre os ciclos do Enso e os riscos de guerras;, afirmou. ;Não é o aquecimento da atmosfera que provoca as guerras. É o contexto geopolítico.;

Para Buhaug, a pesquisa norte-americana praticamente ignora o contexto climático de cada país a curto e longo prazo, itens que poderiam dar sentido à ligação entre conflitos, temperatura e umidade. ;Correlação sem explicação leva à especulação;, determinou. Outro estudioso de guerras, o economista Marshall Burke, da Universidade da Califórnia, comentou que os autores mostraram ;evidências muito convincentes; dessa ligação. ;Mas as pessoas podem responder diferentemente a choques de curto prazo e a mudanças de longo prazo na temperatura média e na precipitação;, ponderou Burke, que considerou a pesquisa uma base esclarecedora para futuros trabalhos.

Oceano aquecido
O El Niño é um fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento intenso das águas da superfície do Oceano Pacífico tropical. O termo técnico para esse fenômeno é El Niño Oscilação Sul (Enos), que representa a interação entre atmosfera e oceano, ligada a mudanças nos padrões da temperatura da superfície do mar e dos ventos na região do Pacífico, entre a costa peruana e a região da Austrália. O fenômeno oceânico-atmosférico com características opostas ao EL Niño é o La Niña, que se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical. O El Niño e a La Niña tendem a alternar-se a cada 3 a 7 anos.

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