Ciência e Saúde

Estudo descobre mutação em proteína e traz novo entendimento sobre leucemia

postado em 05/09/2011 08:27
Receptor da Interleucina 7, ou IL7R. Esse é o nome da proteína que pode estar por trás de boa parte dos casos de leucemia em crianças. Quando ela sofre mutações, leva à proliferação descontrolada das células da leucemia linfoide aguda T (LLA-T), câncer dos glóbulos brancos que afeta principalmente pacientes de até 10 anos. A doença atinge as chamadas células T, responsáveis pelo reconhecimento dos anticorpos produzidos pelo organismo. A descoberta, publicada na edição de hoje da revista científica Nature Genetics, foi feita por um grupo de pesquisadores brasileiros, portugueses, norte-americanos e holandeses. A equipe identificou, após cinco anos de estudo, que cerca de 10% dos pacientes com LLA-T possuem alterações nessa proteína.

O coordenador da pesquisa, José Andrés Yunes, do Centro Infantil Boldrini, de Campinas (SP), afirma que a pesquisa começou a partir do sequenciamento genético do IL7R. Quando esse receptor sofre mutação, causa doenças nas crianças como a imunodeficiência combinada severa, que corresponde a uma série de distúrbios caracterizados por problemas no desenvolvimento ou função defeituosa dos linfócitos B e T. ;Com isso, questionamos se poderiam existir mutações que, em vez de levar à morte do sistema imune, levariam a um exagero de produção celular. E descobrimos que sim;, diz o médico.

Yunes conta que os testes foram feitos em células in vitro e em camundongos. ;Construímos proteínas com o gene mutado e os transferimos para as células em cultura, para ver se elas sobreviviam e se proliferavam mais do que o normal;, descreve. ;O que notamos é que quando a IL7R sofre alterações, o receptor fica ativado constantemente, causando uma hiperproliferação celular, como se fosse uma leucemia;, acrescenta o coordenador da pesquisa.

Alexandre Nonino, oncologista do Centro de Câncer de Brasília (Cettro), explica que a interleucina é uma molécula com a qual as células de defesa se comunicam. Essas moléculas, segundo ele, guardam substâncias que armam a proteção do organismo. ;Toda célula tem um receptor que reconhece a presença da interleucina. Uma vez que elas se ligam, o corpo humano reage para se defender de agentes estranhos.;

Medicamentos
A oncologista Silvia Brandalise, do Boldrini, explica que a leucemia linfoide aguda (LLA) é o tipo de câncer mais comum entre crianças, correspondendo a 30% da doença em pessoas com até 15 anos. ;O pico de aparecimento é ao redor dos 4 a 6 anos;, afirma. ;Mas a LLA-T, que corresponde a 15% das LLAs, é diferente: aparece próximo aos 10 anos e tem maior incidência em meninos;, ressalta. A oncologista do instituto de Campinas diz que a pesquisa, que revela a atuação da proteína e do receptor IL7R no ciclo de divisão ou morte celular, pode ser usada para o desenvolvimento, no futuro, de medicamentos mais eficazes.

;Cerca de 20% dos pacientes com LLA-T têm resistência a remédios à base de corticoide ; usados também para alergias ;, que são muito importantes no tratamento. Esse tipo de leucemia é mais resistente a drogas de maior ação contra as células mutadas;, descreve. Segundo Silvia, a LLA-T responde lentamente à quimioterapia nas primeiras duas a quatro semanas, o que se mostra problemático. Pessoas cujo organismo responde aos medicamentos nos primeiros 15 dias, com destruição das células leucêmicas, têm chance de cura entre 85% e 90%. Essa possibilidade de se livrar da doença cai para 60% quando a redução das células leucêmicas ocorre mais lentamente, a partir da quarta semana.

A coordenadora do programa de oncologia e hematologia pediátrica do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Maria do Socorro Pombo, admite que a LLA-T é mais agressiva ao organismo e que, por isso, as chances de cura são entre 60% e 65%. ;Para nós, que também estamos desenvolvendo um estudo nessa área, essa descoberta abre um novo caminho de pesquisa para buscarmos agentes terapêuticos.;

Nonino, do Cettro, concorda: ;Ainda levará tempo para esse estudo ter uma consequência clínica, terapêutica, mas o que está por trás da descoberta das alterações moleculares é a possibilidade de ;desligar; essa alteração;. ;Se é possível saber qual gene está alterado e como é a estrutura dessa proteína, é possível fabricar uma medicação que a bloqueie;, detalha. Com isso, novos medicamentos fariam a célula se comportar normalmente ou morrer.

Terapia-alvo
Maria do Socorro acredita que novos remédios podem ser usados na terapia-alvo, que ataca diretamente as células de câncer e é menos danosa ao corpo humano. ;No tratamento quimioterápico, além de destruir as células malignas, as benignas também podem ser afetadas, porque o remédio não distingue uma da outra;, detalha. Já na terapia-alvo, a droga é direcionada para combater a célula ou proteína modificada, combatendo apenas o problema e agindo mais rapidamente.

O oncologista do Cettro conta que, na quimioterapia, as células leucêmicas sofrem mais do que os tecidos normais. Desse modo, há intervalos determinados entre os ciclos de tratamento para dar tempo de os tecidos saudáveis se recuperarem e, os danificados, não. Na terapia-alvo, não há essa necessidade de pausas da medicação. ;Um dos casos de maior sucesso com a terapia-alvo é o da leucemia mieloide crônica. Em 1999, foi lançada uma droga que bloqueia só a proteína que ativa a doença. Por isso, hoje em dia, com tratamento oral com baixa toxidade, pode-se controlar esse problema em mais de 90% dos casos;, exemplifica.

Segundo Yunes, ;é preciso agora entender se as mutações do IL7R ocorrem ao acaso ou se há algum fator genético ou ambiental que predisponha a ocorrência da mutação e a proliferação das células de leucemia;. Mas ele assegura que o próximo passo do estudo é tentar desenvolver drogas de anticorpos ou para matar a célula que tem esse receptor mutado ou para bloquear a sinalização inadequada da interleucina.

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