postado em 11/09/2011 13:36
A ciência tem uma série de problemas para resolver quando o assunto é célula-tronco. No último mês, porém, pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, anunciaram ter encontrado a solução para uma dessas dificuldades. Basicamente, eles conseguiram criar uma superfície sintética capaz de orientar a replicação das células pluripotentes (veja arte). O estudo apresentado à Academia Nacional de Ciências Norte-americana representa apenas um passo na criação de alternativas aos atuais métodos de cultivo. Isso significa, por exemplo, que o estudo pode contribuir para que a ciência crie, num futuro ainda distante, um órgão humano ou neurônios em laboratório. A curto prazo, contudo, a técnica pode servir à confecção de curativos que facilitem a regeneração celular.Para crescer e se transformar nos mais diversos órgãos e tecidos do corpo humano, uma célula-tronco precisa de orientações, sinais biológicos que determinam o que ela deve fazer. As indicações vêm de diversos lugares do ambiente onde ela está sendo cultivada. Uma das classes de sinais envolve a chamada matriz extracelular, uma coleção de proteínas e açúcares que as células secretam e depois utilizam para definir como vão se dividir e se diferenciar. A abordagem descrita pela equipe de bioquímica da Universidade de Wisconsin-Madison trabalha nesse aspecto. ;O crescimento de um órgão exige a coordenação de muitas células e moléculas de sinalização. Se quisermos imitar esse processo complexo in vitro, devemos projetar materiais que permitam o controle de um amplo espectro de sinais moleculares;, defende em entrevista ao Correio Laura Kiessling, líder da pesquisa .
A professora e seus alunos desenvolveram uma superfície sintética que contém padrões a serem seguidos pela célula-tronco. Esse molde foi construído com peptídeos artificiais, substâncias que dão suporte para as proteínas celulares. ;Nós mostramos ser possível usar uma superfície de instrução, o que poderia ser realmente útil para o cultivo de células em maior escala;, afirma Laura. Esse tipo de estrutura existe naturalmente no organismo, em todos os tecidos ; pele, cérebro, olhos, cabelo e por aí vai. ;Durante o curso do desenvolvimento normal, a combinação adequada de sinais é fornecida na dosagem certa, na hora certa. Nos laboratórios, ainda estamos vendo nascer o estado da arte para guiar a diferenciação celular;, diz a pesquisadora.
Joseph Klim, estudante de graduação que realizou boa parte das experiências com o molde artificial, fez vários testes para garantir que a técnica não atrapalhasse o crescimento das células pluripotentes. Ele e os colegas utilizaram marcadores para observar o desenvolvimento delas sob as lentes do microscópio. ;Nós testamos cromossomos e a expressão gênica para nos assegurar contra possíveis anormalidades. Também confirmamos que as células cultivadas na nossa superfície poderiam se tornar diversos tipos de tecidos;, conta.
Klim e a professora Laura Kiessling apontam outra vantagem da técnica: seu baixo custo. O método de cultura é relativamente simples e estaria acessível a laboratórios de todo o mundo. ;O preço é um aspecto importante para o futuro da medicina regenerativa, ainda mais porque muitos países têm problemas em relação ao financiamento da saúde;, comenta a pesquisadora. Além disso, a superfície desenvolvida por eles é muito menos complexa do que as substâncias proteicas que são utilizadas nesse tipo de estudo. ;Eu gosto da simplicidade do nosso molde. A partir dessa pesquisa, podemos projetar superfícies mais elaboradas para dar outras instruções às células-tronco;, planeja o estudante.
Sem riscos
A invenção dos pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison também ajuda a resolver outro obstáculo no cultivo de células pluripotentes. A técnica tradicional emprega o uso de uma mistura de materiais (proteínas e açúcares) provenientes de células de camundongos. Como os cientistas não conhecem a fundo o passo a passo do crescimento de um órgão ou tecido, utilizam as instruções presentes nesse ;molde; animal. O problema é que, mesmo com uma série de cuidados, essas substâncias podem carregar consigo vírus ou proteínas infecciosas do organismo dos ratos, que seriam transferidas para o homem. ;Usando uma superfície sintética para ajudar no processo, você diminui o risco de contaminação biológica e ainda deixa a cultura muito mais reprodutiva;, afirma Laura.
Segundo a pesquisadora, estudos como esse foram deixados de lado nos últimos anos e os atuais resultados devem trazer a questão novamente à tona. ;Nossa pesquisa destaca a importância do molde na orientação do destino da célula. A superfície tem sido negligenciada como uma ferramenta para a instrução de células-tronco, mas conseguimos mostrar que somos perfeitamente capazes de projetar algo de impacto;, comemorou. A ideia de Laura e sua equipe é que a técnica ajude a melhorar o desenvolvimento de células neurais, que serviriam para tratar males como o de Parkinson e a Doença de Huntington, além de problemas de pele e o diabetes, entre outros.
;A possibilidade de gerar todas essas linhas de células depende da nossa capacidade de fazer crescer células embrionárias humanas em condições definidas;, ressalta a pesquisadora. A curto prazo, a superfície projetada pelos norte-americanos pode funcionar como uma espécie de curativo inteligente, que facilitaria a cura de feridas e queimaduras sem influenciar nas células ao redor do machucado. As células-tronco poderiam ser orientadas para cobrir unicamente a parte destruída da pele. ;Não estamos perto de construir um tecido complexo, mas o primeiro passo é conseguir colocar células específicas onde queremos;, lembra Laura. ;Espero que nossos resultados possam acelerar a realização de promessas da medicina regenerativa.;
Usando uma superfície sintética para ajudar no processo, você diminui o risco de contaminação biológica e ainda deixa a cultura muito mais reprodutiva;, Laura Kiessling, líder da pesquisa
Paradoxo celular
Um dos principais problemas para os cientistas é, ao mesmo tempo, o maior trunfo das células-tronco: sua capacidade de se transformar em qualquer tipo de tecido. Infelizmente, os pesquisadores ainda não descobriram todos os sinais solúveis e insolúveis que determinam o que cada célula vai ser. ;À medida que nós obtivermos insights sobre métodos e ferramentas para reproduzir essas instruções, vamos projetar sistemas cada vez melhores;, diz a professora Laura Kiessling.