Graças às florestas tropicais, as grandes nuvens de chuva se formam, a maioria das nascentes consegue produzir água e a maior parte das espécies animais do mundo encontra abrigo e alimento. E essas são apenas algumas das inúmeras razões para a preservação dessas formações vegetais. No entanto, uma pesquisa divulgada na edição de hoje da revista Nature, feita por pesquisadores do Panamá, dos Estados Unidos e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), trouxe um novo motivo para manter a salvo as florestas. Segundo o estudo, uma vez degradadas, as chamadas florestas primárias ; aqueles trechos de mata onde houve pouca ou nenhuma ação humana ; nunca mais conseguem recuperar sua diversidade. Ou seja: a destruição é um caminho sem volta.
O estudo analisou e comparou dados de 138 análises anteriores feitas em todas as florestas tropicais do mundo, na Ásia, na África e nas Américas. Com posse dos dados de biodiversidade dessas regiões, os pesquisadores compararam a quantidade de espécies nos trechos de floresta que sofreram modificação com aqueles ;virgens;.
Em todas as regiões analisadas, as florestas se mostravam mais fracas depois da ação humana, mesmo nos casos onde essa intervenção foi passageira. ;Se uma área degradada de alguma forma pela ação humana é recuperada posteriormente, ela infelizmente não consegue recompor a biodiversidade anterior a essa ação. Pode-se chegar próximo, mas nunca exatamente ao que era antes;, explica ao Correio um dos autores da pesquisa, Thomas Lovejoy, colaborador do Inpa e do Smithsonian Tropical Research Institution, do Panamá.
Para medir o impacto da intervenção humana, os cientistas criaram um índice que varia de zero a um, sendo que quanto mais próximo de zero, menos perda de espécies o ambiente sofreu. O método os ajudou a concluir também que o tamanho do estrago varia de acordo com a localização geográfica. Enquanto na América Central e no México o impacto da intervenção humana na biodiversidade é baixo, um índice de apenas 0,1, nas regiões florestais da Ásia, esse impacto salta para 0,9. ;Isso se deve especialmente ao tipo de formação vegetal das regiões. Na Ásia, toda a biodiversidade se baseia em árvores de uma única família, por isso uma alteração consegue ser mais destrutiva do que em regiões como a América do Sul, onde a biodiversidade é bem maior;, conta Lovejoy.
Ouça a entrevista com Thomas Lovejoy
Queimadas
A discrepância entre os impactos nas diversas regiões tropicais também é explicada pelo tipo de ação humana. Enquanto a taxa de alteração da biodiversidade em função da agrossilvicultura (plantio de árvores de interesse comercial que, muitas vezes, desequilibra as florestas) foi de 0,65, em média, a retirada da cobertura vegetal para criação de pastagens para o gado gerou um impacto de grandeza 0,48.
No entanto, um dos campeões de impacto são velhas conhecidas dos brasileiros: as queimadas. O índice de alteração causado pelo fogo foi de 0,87. Proteger as florestas nacionais das chamas vem sendo um dos principais desafios para o Brasil. No início do mês, por exemplo, o fogo atingiu áreas florestais em Santa Bárbara, Catas Altas e Serra do Curral, próximas a Belo Horizonte, uma das últimas regiões de Mata Atlântica de Minas Gerais. Efeito semelhante acontece com as áreas de borda da Amazônia situadas na divisa com o cerrado, especialmente no Pará e em Mato Grosso.
Lovejoy alerta que, além da perda de biodiversidade, os efeitos das queimadas podem ser sentidos durante anos. ;Quando uma região de floresta é atingida pelo fogo, não é apenas a parcela queimada que sofre;, conta. ;As matas próximas ficam muito mais vulneráveis e, nos anos seguintes, elas têm uma chance maior de serem destruídas pelo fogo. Daí a importância de se proteger ainda mais essas regiões;, completa o especialista.
Cidades
Para a diretora de Gestão do Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, com relação às florestas, não basta simplesmente criar reservas que as protejam. ;A Mata Atlântica, por exemplo, está localizada em uma região densamente povoada, em que o fogo ou problemas provenientes das cidades podem se alastrar por áreas que são protegidas, como reservas e parques;, avalia a ambientalista, que aponta o desmatamento como um dos principais desafios à gestão das florestas nacionais. ;Em algumas regiões, como Minas Gerais, por exemplo, o desmatamento para a fabricação de carvão ainda é grave. Quando essas áreas são reflorestadas, muitas vezes é com eucalipto, o que não devolve a biodiversidade;, completa.
O professor de engenharia florestal da Universidade de Brasília (UnB) Eleazar Volpato explica que, mesmo nas áreas que já foram tocadas, é importante implantar iniciativas de conservação. ;Hoje, a recuperação de florestas no Brasil é trágica. Em estados como o Paraná, por exemplo, apenas 17% do território é de cobertura de florestas. Na Europa, por exemplo, a cobertura florestal está presente em cerca de 44% do território;, conta o pesquisador. ;Por lá, são matas reflorestadas, plantadas depois que a sociedade tomou consciência da importância da preservação ambiental. Aqui no Brasil, não se vê ações como essa. Uma vez desmatada, a região é dada como ;perdida;, o que não é verdade;, completa.