Ciência e Saúde

Cenas ou eventos ruins afetam mais o cérebro das mulheres que o dos homens

postado em 19/09/2011 09:28
Não é preciso ser cientista para perceber que o cérebro de homens e mulheres não funciona da mesma maneira. Essas diferenças ficam ainda mais marcantes quando se trata do aspecto emocional: elas tendem a ser mais sensíveis do que eles, especialmente em situações desagradáveis. Agora, um grupo de pesquisadores da University College London (UCL) conseguiu comprovar que essa sensibilidade acaba afetando a forma como o sexo feminino grava momentos negativos na mente. Segundo o estudo, a antecipação de uma experiência ruim influencia diretamente a formação de uma memória eficaz sobre o fato. A expectativa dos pesquisadores é que os resultados ajudem a esclarecer doenças como a ansiedade e a depressão, que têm alta taxa de ocorrência entre as mulheres.

Para analisar a atividade cerebral de ambos os sexos, a equipe do Instituto de Neurociência da UCL reuniu 30 voluntários, 15 homens e 15 mulheres. Eles foram submetidos a uma série de imagens de conotação positiva, negativa e neutra. Cenas agradáveis traziam, por exemplo, a fotografia de um bebê ou de uma cena romântica. Já os quadros ruins apresentavam mutilações ou cenas de guerra, enquanto os neutros se resumiam a imagens abstratas. Todas as situações eram precedidas por uma espécie de sinal, que indicava para o cérebro dos participantes o que viria a seguir ; um rosto feliz vinha antes da foto de uma criança correndo em um parque, por exemplo.

Com a ajuda de um aparelho de eletroencefalograma, os pesquisadores perceberam que as mulheres apresentavam uma atividade cerebral muito específica quando viam o ;aviso; de que surgiria algo negativo na tela. O mesmo fenômeno não aconteceu entre os homens, tampouco quando o sinal de antecipação se referia às cenas positivas e neutras. Para verificar os efeitos desse ;alerta; feminino, os pesquisadores realizaram, 20 minutos depois da exposição às fotografias, um teste de memória. Surpreendentemente, as participantes lembraram-se de todos os eventos desagradáveis que foram ;previstos; pelo cérebro.

;O resultado provavelmente significa que, quando a mente vive algo pela primeira vez, ela precisa estar preparada para isso, de forma que a pessoa possa se lembrar do que aconteceu mais tarde;, explica ao Correio a pesquisadora Giulia Galli, uma das autoras do estudo. ;No caso da nossa pesquisa, esse estado cerebral indica a resposta emocional;, completa a neurocientista. Giulia e outros pesquisadores da área não sabem explicar por que isso acontece apenas com as mulheres. Mas a hipótese é de que elas são emocionalmente mais sensíveis, o que levaria a um aumento da expectativa em relação a eventos negativos. ;Como consequência, elas teriam um traço de memória diferente do dos homens;, destaca a pesquisadora.

O especialista em neurobiologia e comportamento da Universidade da Califórnia Larry Cahill, no entanto, tem uma opinião diferente sobre o que leva o sexo feminino a ser mais sensível a experiências ruins. ;Uma das possíveis razões é que as mulheres remoem uma situação negativa por mais tempo do que os homens, o que pode fazer com que o fato fique registrado mais fortemente no cérebro delas;, argumenta à reportagem. Cahill lembra que a atividade da amígdala ; uma glândula localizada no centro da cabeça ; e a produção de hormônios ligados ao estresse são as principais responsáveis pela formação da memória de situações desagradáveis. ;Esses dois fatores trabalham juntos na modulação de processos que ocorrem em outras partes do cérebro;, esclarece.

Desde o berço
As diferenças identificadas na pesquisa britânica começam a se desenhar desde a formação do cérebro do menino ou da menina. A presença de cromossomos XX ou XY desencadeia a produção de determinadas substâncias que diferenciam a mente de ambos os sexos. Mas não há nenhuma explicação definitiva sobre a causa desse fenômeno. ;Não se sabe se a diferenciação é fruto do efeito hormonal ou se as atividades durante a infância ajudam a determinar como a cabeça de homens e mulheres vai ser;, aponta Sônia Brucki, do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

Garotos tendem a jogar futebol, brincar com o videogame e, quando adultos, têm um senso de orientação espacial melhor do que o das garotas. Em contrapartida, meninas acabam desenvolvendo a linguagem com mais facilidade. Não à toa, são maioria em cursos de graduação como letras e serviço social. ;É difícil explicar isso tudo com apenas um fator. Talvez as mulheres tenham mesmo um modo muito específico de ver e sentir, ou talvez isso seja provocado pela genética e pela evolução;, diz Sônia. ;Ao longo dos anos, elas foram preparadas para proteger a casa, enquanto eles saíam à caça;, observa a neurologista.

A equipe da pesquisadora Giulia Galli quer, agora, analisar se as mulheres conseguem controlar suas emoções diante da antecipação de algo negativo. ;Há muitas diferenças individuais em relação à forma como as pessoas lidam com os acontecimentos. Assim, eu poderia treinar meu cérebro para estar mais alerta a essas situações;, sugere. Giulia também acredita que a pesquisa ; financiada pela organização internacional Wellcome Trust ; vai ajudar a esclarecer transtornos psíquicos que atingem mais a população feminina. Doenças como a ansiedade, a depressão e, até mesmo, o Mal de Alzheimer têm uma grande relação com a memória de eventos ruins. ;Nossos resultados mostram que o viés da memória pode começar antes mesmo de a pessoa vivenciar algo desagradável e isso, certamente, melhora a nossa compreensão desses transtornos.;

Regulador de emoções
Qualquer situação vivida pelo homem, seja algo positivo ou negativo, libera uma grande quantidade de cortisol. Esse hormônio é um dos principais responsáveis pela formação da memória.

O problema é que, em excesso, ele acaba atrapalhando os registros. O cortisol também está muito ligado ao estresse, algo que é essencial ao organismo: sem um mínimo de tensão, o cérebro não conseguiria guardar coisa alguma.

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