Ciência e Saúde

Pesquisa revela que insônia afeta produtividade profissional e vida pessoal

postado em 02/10/2011 08:00
Filomena: ansiedade e depressão provocadas por noites sem dormir

Não conseguir dormir, acordar várias vezes durante a noite ou despertar durante a madrugada e não voltar a pegar no sono são características de um problema que, estima-se, atinge 25% dos adultos em todo o mundo: a insônia. A situação tem se tornado, inclusive, uma preocupação para as empresas. Um estudo publicado na edição de setembro da revista científica Sleep mostra que a insônia, nos Estados Unidos, causa uma perda de produtividade anual estimada em US$ 63,2 bilhões (pouco mais de R$ 106 bilhões).

Isso ocorre porque a falta de sono custa a cada trabalhador norte-americano uma média de 11,3 dias de trabalho por ano. O problema surge não porque os funcionários deixam de ir ao emprego, como explica Ronald Kessler, líder do estudo e epidemiologista psiquiátrico do Departamento de Políticas de Saúde de Harvard, ao Correio. ;As pessoas com insônia crônica não ficam em casa para repor o sono. Em vez disso, vão para o trabalho, mas executam mal suas tarefas, agravando os efeitos de sua condição no ambiente profissional;, descreve.

A pesquisa foi feita com 7.428 trabalhadores, que participam do Estudo de Insônia Norte-Americano. Os participantes foram questionados sobre hábitos de sono e performance no trabalho. ;Concluímos que 23% dessas pessoas têm insônia e que quem sofre desse problema é menos produtivo quando está no emprego, situação que chamamos de presenteísmo;, descreve Donna Arand, coautora do estudo e diretora clínica do Centro de Doenças do Sono do Kettering Hospital. Quem não dorme à noite ou não tem sono de qualidade não falta mais ao serviço do que quem tem uma rotina de sono normal: apresenta, contudo, produtividade claramente mais baixa, que gera prejuízos de US$ 2,28 mil (cerca de R$ 4 mil) por funcionário.

Arand afirma que a insônia afeta a habilidade de as pessoas pensarem com clareza e se concentrarem, além de reduzir a coordenação motora e dos olhos. ;Isso significa que as atividades podem demorar mais para serem feitas ou mais erros podem ocorrer.; Ricardo Martins, pneumologista, professor de medicina da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em medicina do sono do Hospital Universitário de Brasília (HUB), concorda com a pesquisadora. Ele utiliza como exemplo a tragédia da usina nuclear de Chernobyl, ;atribuída a falhas humanas decorrentes da privação do sono;.



Sem distinções
;O que mais me impressionou no estudo foi notar que o impacto da insônia na vida dos indivíduos é tão grande. Outro fator que me deixou surpreso foi ver que isso acontece com todos os tipos de trabalhadores, desde os de escritórios até os que executam trabalhos braçais;, afirma Kessler. É importante destacar, no entanto, que as mulheres têm mais dificuldade para dormir e manter o sono do que os homens. De acordo com a pesquisa, a incidência de insônia entre as norte-americanas é de 27,1%, contra 19,7% entre os homens. ;Acreditamos que esses valores são semelhantes entre as mulheres de todo o mundo. Embora não tenhamos uma resposta definitiva, acreditamos que mulheres sofrem mais com a insônia porque as demandas de tarefas a fazer em casa e no trabalho são maiores do que para o sexo masculino;, estima.

Embora não haja dados estatísticos acerca da incidência de insônia na população brasileira em geral, uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aponta que 15% dos moradores do estado têm o problema. As principais causas da dificuldade para dormir, segundo Ricardo Martins, são a depressão e a ansiedade. ;Outras causas devem ser apuradas, porém, como medicamentos estimulantes, tabagismo, abuso de café, de refrigerantes ou de álcool, inatividade física e doenças como o hipertireoidismo etc.;.

A agente de viagens Angélica Fornazier, 37 anos, afirma que a ansiedade, principalmente em relação ao trabalho, tira seu sono, o que faz seu rendimento profissional cair ;entre 30% e 40%;. ;Sou uma pessoa muito agitada e, quando estou ansiosa e trabalho muito, não consigo dormir. Com isso, a velocidade de tudo o que faço diminui consideravelmente. Se vou para o trabalho após uma noite sem dormir, levo três horas pra fazer uma planilha que normalmente eu demoraria só uma hora para terminar;, exemplifica. Entre os efeitos que a insônia causa em seu organismo estão dor de cabeça, cansaço ; ;nem a cabeça nem o corpo se movimentam direito; ; e raciocínio mais lento que o comum.

Angélica conta que, atualmente, embora tenha dificuldades para pegar no sono, conseguiu ter mais qualidade de vida, desde que parou de acompanhar grupos de formandos do 3; ano do ensino médio em viagens. ;Quando eu tinha que viajar com estudantes, era muito complicado. Eu passava praticamente 10 dias acordada, preocupada em cuidar dos jovens, em fazer relatórios reportando tudo o que acontecia nos passeios;, descreve. Ela acrescenta que, quando voltava para casa, após esse período, chegava cansada, com vontade de dormir, mas seu organismo continuava acelerado e ela passava mais noites em claro. ;Quando parei com isso, optei por mais qualidade de vida. Diminuí meu nível de estresse e consegui mais tempo para sair com as pessoas que gosto;, garante.

Gatilho
A dona de casa Filomena Virgílio dos Santos Baião, 43 anos, notou há cerca de dois anos que a insônia estava atrapalhando sua vida. ;Há dias nos quais simplesmente não dou conta de fazer as coisas depois de ficar a noite toda acordada;, relata. No caso de Filomena, a insônia se manifestou com mais intensidade quando ela desenvolveu depressão, após a morte do pai. Apesar de tomar remédios controlados para tratar o problema, inclusive um medicamento para dormir, nem sempre o sono aparece ; e, quando vem, qualquer barulho mínimo a acorda e surge a dificuldade de voltar a dormir. ;O problema é que isso acaba me deixando muito debilitada. Passo o dia tendo crises de tontura, fico com a vista escura, tenho dificuldade de concentração e esqueço o que preciso fazer.;

De acordo com a dona de casa, após passar uma noite em claro, ela demora muito para cuidar dos afazeres do lar. ;Demoro muito para lavar roupa e me sinto muito cansada quando termino. Também já houve dias em que meus filhos chegaram da escola e eu não tinha conseguido fazer o almoço para eles;, recorda Filomena. Ela afirma que, segundo seu médico, o problema se torna um círculo vicioso. A ansiedade e a depressão não a deixam dormir. No dia seguinte, ela fica letárgica e não consegue realizar as atividades com a mesma velocidade e qualidade. Consequentemente, ela fica ansiosa ; e o problema se repete.

Ronald Kessler afirma que os custos da insônia na produtividade das empresas podem justificar a implementação de programas de tratamento para funcionários. ;É fácil pensar que a insônia não é uma doença ;real;, como câncer ou problemas cardíacos, mas nossos resultados deixam claro que é um problema real e causa danos ao dia a dia profissional das pessoas.; Essa é uma situação que os empregadores não têm mais como ignorar. ;A nova questão é se o preço das intervenções vale a pena;, diz o pesquisador.

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