Ciência e Saúde

Começa o anúncio dos vencedores do tradicional prêmio da ciência, o Nobel

Em 110 anos de existência, o prêmio foi concedido a 817 pessoas e 23 organizações

postado em 03/10/2011 08:15

Jantar de entrega dos prêmios no ano passado: a cerimônia é realizada sempre em 10 de dezembro, data de aniversário da morte de Alfred Nobel

Hoje, talvez antes mesmo de você ler esta matéria, um pesquisador da área médica receberá uma ligação telefônica que o colocará na lista dos maiores cientistas do planeta. O presidente da Fundação Alfred Nobel, Marcus Storch, informará a esse cientista de que ele é vencedor do Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2011, dando início, assim, à entrega das honrarias da 110; edição de uma das mais importantes premiações do mundo. Mais do que um diploma, uma medalha e uma boa quantia em dinheiro, a distinção dá ao agraciado o reconhecimento de ter colaborado significativamente para o avanço da humanidade.

Nas 11 décadas de existência, o Nobel se consolidou como a mais respeitada honraria científica. Para Annika Pontikis, representante da Fundação Alfred Nobel, três razões principais explicam tanto prestígio. ;O Nobel foi o primeiro prêmio verdadeiramente internacional, numa era de nacionalismo feroz. Além disso, o valor monetário dado aos vencedores era muito grande;, conta ela ao Correio ; em 1901, 1 milhão de coroas suecas, mesma quantia dada aos vencedores até hoje, representava em média 20 vezes o salário anual de um pesquisador.

A terceira razão é a forma como os laureados são definidos, prossegue Annika. Ao contrário do que alguns imaginam, não é a Fundação Nobel que escolhe os ganhadores. Enquanto os laureados de química e física são apontados pela Real Academia Sueca de Ciências, os de medicina são indicados pelo Instituto Karolinska, um dos principais centros médicos da Europa. À Academia Sueca cabe a escolha do Nobel de Literatura, e ao Banco Central do país, o de economia. Já o Nobel da Paz, único que não é diretamente ligado à ciência ou às artes, é decidido fora da Suécia, pelo Parlamento da Noruega.

A decisão de Alfred Nobel em instituir o prêmio foi quase por acaso. Químico industrial e inventor da dinamite, ele tornou-se um multibilionário, mas ganhou a má fama de ter criado o ingrediente das bombas. Assim, o sueco decidiu em seu testamento deixar todo o dinheiro que tinha ganhado para uma fundação que concederia um prêmio às maiores pesquisas de física, química e medicina ou fisiologia. Deveriam ser premiados também um grande escritor e uma personalidade que contribuísse para a solução dos conflitos mundiais.

Um prêmio dedicado à economia nunca esteve nos planos do químico industrial sueco. A honraria a quem produz grandes feitos na área econômica é, na verdade, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, instituído em 1968 pelo Banco Central da Suécia, que escolhe o agraciado e patrocina a distinção. A premiação também é entregue pela Fundação Nobel, que dá aos vencedores o mesmo status das demais categorias.

Não existe uma explicação oficial para o fato de estudos matemáticos não serem contemplados. Uma das teorias é de que uma mulher a quem Nobel teria proposto casamento o teria rejeitado para ficar com um matemático, fato nunca confirmado por biógrafos. Outros historiadores afirmam que a inexistência dessa categoria se deve ao fato de o próprio criador do prêmio não se interessar pela matéria.

Em 110 anos de existência, o prêmio foi concedido a 817 pessoas e 23 organizações

Tradição

Apesar de o anúncio dos vencedores começar hoje, os laureados só receberão seu prêmio durante um banquete em 10 de dezembro, data de aniversário da morte de Alfred Nobel. Essa é uma de várias tradições que cercam a premiação. O Nobel de Literatura, por exemplo, não será anunciado nos próximos dias, mas em data posterior, ainda a ser divulgada. Também é tradição nunca conceder prêmios póstumos, já que um dos objetivos é ajudar no trabalho do agraciado.

Outra regra diz que, a cada ano, no máximo três pessoas podem ser vencedoras na mesma categoria. O objetivo, segundo a fundação, é não reduzir muito o valor do prêmio. Além disso, as instituições responsáveis pela escolha dos laureados podem decidir não conceder o dinheiro a ninguém. Isso aconteceu em 50 premiações, a maioria delas durante as duas grandes guerras, quando as entregas foram suspensas.

Até hoje, foram entregues 543 prêmios a 817 pessoas e 23 organizações. Os Estados Unidos são os grandes vencedores, com 270 prêmios dados a 323 pessoas. Em seguida vem o Reino Unido, com 100 prêmios a 117 laureados; e a Alemanha, com 107 agraciados.

O Brasil nunca recebeu a honraria, apesar de ter sido indicado diversas vezes. Zilda Arns foi lembrada em 2001, 2002, 2003, 2005 e 2006 ao Nobel da Paz, em razão da fundação da Pastoral da Criança. Já a química Johanna D;bereiner recebeu uma indicação em 1996 por seus trabalhos que ajudaram o desenvolvimento da soja no Brasil. Além das duas, o médico sanitarista Carlos Chagas foi indicado quatro vezes, por ser o único cientista a identificar todo o ciclo de uma doença ; o mal de Chagas. Entretanto, na época, dificilmente o Nobel era dado a alguém que não fosse europeu ou norte-americano.

Atenção
Independentemente da nacionalidade, os vencedores afirmam que uma das principais mudanças trazidas pelo prêmio é a atenção que seus trabalhos passam a merecer. ;Uma das coisas que eu faço muito mais do que fazia antes de ser premiado é viajar. Eu recebo muitos convites maravilhosos e tenho a chance de falar com estudantes, com o público em geral e com outros pesquisadores que trabalham na mesma área que eu;, conta ao Correio o norte-americano Martin Chalfie, que venceu o prêmio de química em 2008 pela descoberta e desenvolvimento da proteína verde fluorescente. ;Mas não muda tudo. Eu acho que obter subsídios financeiros e artigos aceitos em periódicos certamente não se tornou mais fácil; talvez esteja até um pouco mais difícil.;

A visão de que o reconhecimento aumenta, mas a vida científica continua difícil, é compartilhada por John Mather, cosmólogo da Nasa que em 2006 venceu o Nobel de Física em razão da descoberta da forma de corpos negros e da anisotropia da radiação cósmica de fundo, conhecimento que ajudou a entender detalhes do big-bang. ;Eu recebo convites para viajar e falar e pedidos de entrevistas quase todos os dias, mas meu trabalho diário profissional é o mesmo de antes;, diz à reportagem.

Não que isso signifique que eles não consideram o prêmio importante. ;Há muitos prêmios com grandes quantidades de dinheiro, mas há apenas um Nobel. A Fundação Nobel trabalha duro para tornar as descobertas científicas disponíveis ao público;, opina Mather. ;O Nobel reconhece a importância da realização humana e lembra a importância do trabalho, seja nas ciências, na literatura, na economia ou em direção à paz;, completa Chalfie.


Argumentação
O processo de indicação começa após o anúncio dos vencedores. Até fevereiro, agraciados, governos e parlamentares podem enviar para a Fundação Nobel um relatório expondo as razões para que o prêmio seja concedido a seus indicados. Esse relatório é analisado pelas entidades responsáveis pela escolha, que tomam a decisão até setembro.



CURIOSIDADES
Clube do Bolinha
O pouco espaço dado à mulher na ciência, na política e nas artes se reflete no célebre prêmio. Enquanto 773 homens receberam a láurea, apenas 40 mulheres tiveram a mesma honra. Foram duas premiações em física, quatro em química, 10 em medicina, além de 12 em literatura e paz. Em 2009, a norte-americana Elinor Ostrom se tornou a primeira e única a ser premiada em economia, por sua análise da governança econômica, especialmente dos bens comuns.

Repetiram o feito
Apesar de não ser frequente, nada impede que uma mesma pessoa ganhe o prêmio mais de uma vez. O norte-americano John Bardeen recebeu duas vezes o Nobel de Física: em 1956, pela descoberta do transistor, e em 1972, pelo desenvolvimento da teoria da supercondutividade. Seu conterrâneo Linus Pauling fez o mesmo. Ganhou em química, em 1954, em razão do estudo das ligações entre os átomos, e o da paz, em 1962 , por sua campanha contra os testes nucleares. Já o britânico Frederick Sanger recebeu o Nobel de Química de 1958, por ter determinado a estrutura molecular da insulina, e novamente em 1980, por estudos sobre o DNA.

Para todas as idades
Pelo menos quando o assunto é idade, o Nobel é bastante democrático. Em 1915, aos 25 anos, o australiano William Lawrence Bragg entrou para a história por ser o mais jovem a receber o prêmio, em física, pela análise da estrutura cristalina através da difração de raios X. Noventa e dois anos depois, em 2007, o norte americano Leonid Hurwicz tornou-se o mais velho laureado. Aos 90 anos, ele ganhou em economia, pelo desenvolvimento das bases da teoria econômica do desenho de mecanismos.

Em família
Os Curie são, sem dúvida, a família mais importante do Nobel. O casal Pierre e Marie ganhou a honraria na área da física, em 1903, pela descoberta da radioatividade. Oito anos depois, em 1911, Marie se tornou a primeira ; e única ; mulher a receber o prêmio pela segunda vez. Nesse caso, o de química, em função do descobrimento dos elementos rádio e polônio. O terceiro prêmio do clã foi dado à filha do casal, Ir;ne, e a seu marido, Frédéric, em 1935, que juntos descobriram a existência do nêutron e da radioatividade artificial.

Não, obrigado
Em dois momentos diferentes, os agraciados recusaram a honraria. Em 1964, Jean-Paul Sartre não aceitou o Nobel de Literatura ; como já havia feito com todos os prêmios que haviam tentado lhe dar ;, por acreditar que ;nenhum escritor pode ser transformado em instituição;. Já em 1973, o vietnamita Le Duc Tho recusou dividir o Nobel da Paz com o então secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, pelas negociações de paz no Vietnã. Tho disse não ao prêmio como protesto contra a situação em que seu país se encontrava após a guerra.

Impedidos de aceitar
Em outras situações, questões políticas forçaram os laureados a não aceitar o prêmio. Adolf Hitler proibiu três alemães ganhadores do Prêmio Nobel ; Richard Kuhn (química, 1938), Adolf Butenandt (química, 1939) e Gerhard Domagk (medicina, 1939) ; de receberem o Nobel. Todos eles puderam mais tarde receber o diploma e a medalha, mas não o valor em dinheiro. Boris Pasternak, Nobel de Literatura de 1958, inicialmente aceitou a láurea, mas mais tarde foi coagido pelas autoridades da União Soviética, seu país natal, a recusá-lo.

Instituições pacificadoras
No caso do Nobel da Paz, organizações também podem receber a láurea. Até hoje, 20 organizações receberam o prêmio. A Agência das Nações Unidas para Refugiados foi premiada em 1954 e 1981. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em três ocasiões: 1917, 1944 e 1963.

Prisioneiros reconhecidos
Em três situações os ganhadores do Nobel da Paz estavam presos quando foram reconhecidos: o pacifista alemão Carl von Ossietzky (1935), detido pelo regime nazista; a política birmanesa Aung San Suu Kyi (1991); e o ativista de direitos humanos chinês Liu Xiaobo, laureado no ano passado.

Brasil (quase) nunca levou
O Nobel nunca foi concedido oficialmente a um feito nacional. Entretanto, um brasileiro, pouco conhecido por aqui, recebeu o prêmio. Peter Brian Medawar, nascido no Rio de Janeiro, ganhou na categoria medicina, pelo Reino Unido, em 1960, por suas pesquisas relacionadas à imunidade adquirida, feitas no University College of London. A honraria foi dada a países latino-americanos 15 vezes.

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