Paloma Oliveto
postado em 13/10/2011 08:32
;As vítimas da peste almoçavam com seus amigos e jantavam com seus ancestrais no Paraíso;Giovanni Bocaccio, escritor
Era como se o Deus medieval despejasse, com um sopro mortal, toda sua fúria sobre o mundo. Em poucos dias, uma pessoa saudável transformava-se em moribunda. A febre sugava as forças; as axilas e as virilhas das vítimas inchavam, a pele enchia-se de manchas escuras, vomitavam-se jorros e, em 72 horas, o que restava era um defunto, que logo contaminaria o resto da família. Poucos eventos foram tão dramáticos na história como a peste negra, que dizimou um terço da população da Europa em apenas cinco anos.
Passados oito séculos, a praga ainda é assustadora. Um artigo publicado na edição de hoje da revista Nature mostra que, ao contrário do que se supunha, a cepa da bactéria Y. pestis, causadora da infecção em humanos, não se apagou completamente da face da Terra.
Depois de decifrar 99% do genoma do micro-organismo, um grupo internacional de pesquisadores descobriu que há pouquíssimas diferenças entre a linhagem que devastou o continente europeu e aquelas que ainda circulam no mundo moderno. Embora as pessoas tenham adquirido maior imunidade, os cientistas não descartam a possibilidade de alterações genéticas ou de vetores darem origem a novas pandemias.
O grupo, liderado por Johannes Krause, pesquisador do Departamento de Genética Humana da Universidade de Tübingen, na Alemanha, conseguiu concluir uma tarefa difícil: decifrar o código genético da Y. pestis, a partir de amostras de quatro pessoas mortas há mais de 700 anos. Em uma entrevista à imprensa por telefone, da qual o Correio participou, a antropóloga Kirsten I. Bos explicou que os esqueletos foram escavados na década de 1980 em uma vala comum no nordeste de Londres. ;Havia cerca de 2,5 mil pessoas enterradas no local. Algumas ossadas foram para o Museu de Londres. Analisamos centenas e pegamos amostras de quatro indivíduos contaminados pela peste;, contou.
Amostras genéticas
Dos fragmentos de ossos e dentes, a especialista retirou 30ml de material genético. Segundo Hendrik Poinar, pesquisador que também assina o estudo, foi utilizada uma tecnologia que permitiu dar aos cientistas a certeza de que as amostras não haviam sido contaminadas no solo, ambiente onde vivem as bactérias, que só se tornam perigosas quando transmitidas por um vetor. ;Conseguimos extrair o DNA e reconstituir praticamente todo o genoma da Y. pestis: 99% do material foi decifrado;, contou Poinar.
;Ao comparar o genoma da Y. pestis medieval ao DNA de amostras modernas, ficamos surpresos ao notar que não há uma única posição dos genes que tenha se modificado, de lá para cá. A cepa antiga é extremamente semelhante a quase todas que hoje infectam as pessoas;, afirmou Johannes Krause. No fim de agosto, ele publicou um estudo sobre o tema na revista da Academia Americana de Ciências, mas, de acordo com Krause, o artigo da Nature é inédito porque traz a comparação da cepa medieval com a atual. ;As pessoas pensam na peste como algo ligado apenas ao passado, mas esse é um artigo que mostra como precisamos ficar em alerta. Houve epidemias recentes;, lembrou uma das editoras da Nature, Magdalena Skipper, em um vídeo produzido pela revista científica. ;Hoje, as pessoas estão mais resistentes, mas é um mal que ainda nos preocupa.;
De acordo com informações do Ministério da Saúde, a peste pode ser definida como uma ;doença infecciosa aguda, transmitida principalmente por picada de pulga infectada, que se manifesta sob três formas clínicas principais: bubônica, septicêmica e pneumônica; ; todos os subtipos estão relacionados à Y. pestis. A única maneira de prevenção é evitar o contato com roedores selvagens, mas, no caso da peste pneumônica, a doença pode ser transmitida pela aspiração de gotículas lançadas no ambiente pela tosse. Essa é a forma mais perigosa, pois desencadeia facilmente uma epidemia.