postado em 16/10/2011 14:27
Quando se fala em ozônio no Brasil, vincula-se o gás imediatamente ao efeito estufa e à camada que protege a Terra dos raios ultravioleta. Na Europa, nos Estados Unidos, na África e na Ásia, contudo, a palavra ganha maior significado como um potente bactericida e cicatrizante natural ; que mata germes, bactérias e fungos, e promove a reconstituição de tecidos lesionados. O ozônio medicinal ainda é um senhor desconhecido no Brasil e um dos principais focos de polêmicas, tanto no meio acadêmico quanto na área clínica da medicina e da odontologia. Aos poucos, no entanto, o uso da substância no tratamento de algumas doenças caminha a largas passadas, desde a década de 1990, em pelo menos duas dezenas de países. Em sua fórmula medicinal, o gás tem, no máximo, 5% de ozônio e 95% de oxigênio. Para se obter a mistura, é preciso apenas um gerador capaz de emitir uma explosão elétrica de 15 mil volts e a aplicação da carga de energia no oxigênio puro medicinal (veja infografia) ; que tem dois átomos de oxigênio. Com o impacto, surge um terceiro átomo, dessa vez de ozônio, que se transforma em O3 ; dois átomos de oxigênio e um de ozônio.
Uma boa notícia para os defensores da terapia experimental vem da Espanha, que acaba de reconhecer a ozonioterapia em todo o seu território e de liberar a técnica para tratar vários tipos de doenças, segundo a pesquisadora Cláudia Catelani Cardoso, uma das precursoras do método no Brasil. Na Itália, a prática é bastante difundida, mas há restrições em algumas poucas províncias. Em Cuba ; país que se destaca no avanço em pesquisas e no uso do gás nos mais variados tratamentos ;, pelo menos 39 hospitais incluem o gás em seus procedimentos de rotina, com bons resultados. Rússia e Egito também se destacam no uso e na confiança na terapia, sem falar na Alemanha, berço da técnica.
No caso brasileiro, os níveis de resistência ainda são bastante visíveis. O tema normalmente gera discussões e reações negativas por parte da medicina convencional e da indústria farmacêutica. Isso não impede, porém, que o número de adeptos do método cresça a cada ano e aumente o grupo de pessoas à procura de informações sobre o assunto.
No Hospital Universitário de Brasília (HUB), o professor de anestesia e cirurgia odontológica da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Bruzadelli Macedo, que se especializou em ozonioterapia aplicada a feridas bucais, se dedica a tratar pacientes enviados ao setor por hospitais da rede pública. A experiência de Sérgio com o ozônio começou em 1996, na equipe da médica veterinária Cláudia Catelani, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), em Minas Gerais. ;Desde então, temos tratado muitos pacientes, a maioria com necrose óssea da mandíbula resultante de radioterapia, de infecções ou de quimioterapia, com excelentes respostas;, atesta Bruzadelli.
Agonia
Atualmente, um dos 14 pacientes que Sérgio acompanha no Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Universitário de Brasília (HUB) é a dona de casa Maria do Socorro e Silva, 72 anos. Ela se trata com a equipe do HUB há dois meses e lembra que foi ;desenganada; por médicos de alguns hospitais que percorreu no Distrito Federal em busca de tratamento. A temporada de agonia da aposentada começou no meio do ano passado, após uma simples extração dentária. Em seguida, veio a colocação de uma prótese, depois um implante e, com isso, problemas colaterais, originados provavelmente pela combinação das intervenções com o uso de bisfosfonatos (substâncias utilizadas como medicamentos controladores da osteopenia e na prevenção da osteoporose humana, entre outras indicações).
;No começo, era apenas um incômodo, uma dor suportável, mas, depois de uma semana à espera de melhora, os remédios não faziam mais efeito. Passei dois dias e duas noites pensando que ia morrer de tanta dor;, conta, com expressão mais aliviada, pouco antes de se submeter a mais uma aplicação de ozônio. O setor de ozonioterapia do HUB ; o único do país em tratamento de feridas bucofaciais com a técnica ; começou a funcionar em dezembro do ano passado.
Além de Maria do Socorro, 13 pacientes fazem tratamento e a maioria evolui para melhor, orgulha-se Bruzadelli. Segundo ele, a situação da dona de casa é um exemplo de como a terapia permite resultados positivos em casos complexos. Após as primeiras séries de duas aplicações semanais de ozônio medicinal, o campo necrosado do osso dentário e a lesão na gengiva começaram a fechar. A paciente não sente mais dores e a expectativa de conviver para sempre com o problema já não faz parte de seu dia a dia. Embora ele considere o quadro de Maria do Socorro ;um caso difícil;, Bruzadelli afirma que há boas chances de cicatrização e cura. ;Depende muito da resposta do paciente, e a dela tem sido muito positiva.;
Pioneiros
Transformações como as que vêm ocorrendo no HUB tiveram seus primeiros modelos esboçados em Minas Gerais, quando surgiu, em 1996, um projeto de pesquisa sobre o ozônio para fins médicos, veterinários e industriais, criado nos câmpus de Alfenas da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas) e da Unifal. Estudos odontológicos realizados ali, como o tratamento de infecções no osso da mandíbula, que geralmente se resolvem cirurgicamente, entre outros, fora da área odontológica, chegaram a ser apresentados em congressos no exterior, principalmente em Cuba e na Itália, onde a ozonioterapia é vastamente aplicada. Coordenado inicialmente pelo microbiologista João Evangelista Fiorini, professor aposentado da Unifal, o Prozônio deu partida à formação de uma rede brasileira de profissionais que hoje praticam a técnica em várias regiões do país.
O grupo de Alfenas começou a se formar com a participação de Claudia Catelani Cardoso, que atualmente trabalha em parceria com a Universidade de Milão, onde prepara um protocolo para tratar 2 mil pacientes de hérnia de disco. ;Na Itália, assim como na maioria dos países europeus, a ozonioterapia é bastante conhecida e muitas vezes é a única solução para determinados casos;, afirma Cláudia, que também colabora com o grupo do HUB. De acordo com a pesquisadora, um tratamento convencional de hérnia de disco na Europa não sai por menos de 7 mil euros. Com aplicações de ozônio, esse preço cai para 1,5 mil euros.
Um dos casos resolvidos pelo grupo de Alfenas que mereceu atenção internacional em congressos foi o de um paciente que desenvolveu a síndrome de Fournier ; processo de ulceração que corrói o tecido cutâneo da genitália e do períneo decorrente da ação de bactérias e que mata 50% dos pacientes. O homem estava praticamente desenganado, segundo Sérgio, mas recebeu alta após algumas semanas de tratamento com ozônio.