postado em 31/10/2011 08:25
Feito de petróleo, o plástico que normalmente compõe garrafas de refrigerante, embalagens e brinquedos, entre outros produtos, demora entre 40 e 50 anos para ser degradado pela natureza. Buscando diminuir o impacto do material no meio ambiente, cientistas têm buscado produzir alternativas biodegradáveis, sendo uma das principais o polihidroxibutirato (PHB), gerado no organismo de bactérias e que leva muito menos tempo para ser absorvido pela natureza ;entre seis meses e 1 ano. Esse polímero, no entanto, tem alto custo de fabricação, já que as bactérias precisam se alimentar de açúcar ou óleos vegetais para desenvolvê-lo. Uma pesquisa publicada recentemente na revista on-line Microbial Cell Factories mostrou que é possível fabricar o PHB no organismo de microalgas, com custos bem menores.A líder do estudo, Franziska Hempel, especialista em biologia celular do Centro Loewe de Microbiologia Sintética em Marburg, na Alemanha, explica ao Correio que essa é a primeira análise do tipo que apresenta resultados concretos. ;Introduzimos os genes de três enzimas da bactéria Ralstonia eutropha nas algas Phaeodactylum tricornutum. Após uma semana, observamos que o bioplástico acumulado na microalga representava pouco mais de 10% de seu peso celular;, relata (veja quadro).
A pesquisa foi desenvolvida em parceria com a Universidade Westfalische Wilhelms, também alemã. ;Ficamos muito surpresos pelo fato de a produção de PHB ter sido tão eficiente logo na primeira tentativa, sem nenhum tipo especial de engenharia genética;, admite a pesquisadora. Ela acredita que uma explicação para esse sucesso é que essas algas naturalmente acumulam grandes quantidades de lipídio como um composto de armazenamento e, portanto, o material básico para a produção de PHB já estaria presente em seu sistema.
O especialista em microbiologia José Gregório Cabrera Gómez, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), detalha que o PHB, assim como outros poliésteres da família de polihidroxialcanoatos (PHAs), é produzido no organismo de bactérias e, agora, no de microalgas, como material de reserva. Isso significa que o PHB no corpo desses seres vivos seria equivalente à gordura acumulada nos seres humanos. ;O processo industrial tradicional de produção desses polímeros consiste em cultivar bactérias e em seguida impor uma limitação nutricional, como restringir nitrogênio e fósforo, e lhes fornecer grandes quantidades de carbono. Nessas condições, a bactéria se multiplicará e, com a restrição de nutrientes, acumulará grande quantidade do polímero como material de reserva;, descreve.
Vantagens
Segundo Franziska, as vantagens das diatomáceas em relação às bactérias é que as microalgas precisam apenas de sol e água para serem cultivadas, ;o que pode representar um novo sistema de produção envolvendo baixos custos e pouca emissão de dióxido de carbono;. Segundo a cientista, milhões de toneladas de plásticos à base de petróleo são consumidas todos os anos, causando a queima de combustíveis fósseis e grandes quantidades de resíduos que demoram dezenas ou centenas de anos para se degradar. ;Por isso, é necessário encontrar alternativas biodegradáveis. Mas a produção bacterial ainda é muito cara, já que as bactérias precisam ser alimentadas com açúcares. Nossa alternativa com microalgas apresenta gastos muito menores;, explica.
A pesquisadora alemã comenta que o plástico feito em microalgas pode ser útil à área médica, especialmente na fabricação de dispositivos implantáveis e cápsulas de remédios. Outra aplicação seria na produção de embalagens sólidas. ;Suas propriedades são similares à do petroplástico polipropileno, ou seja, podem ser moldados usando o aquecimento, são resistentes a impactos e a agentes químicos;, detalha. Franziska comenta que esse bioplástico seria ideal, por exemplo, para fazer garrafas como as PET (polietileno tereftalato). ;Certamente, o PHB poderia ser usado para fazer garrafas. O interessante é que, mesmo se não for reciclado, pelo menos o material se degradará mais rapidamente;, explica. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet), 432 mil toneladas de plástico petroquímico foram produzidas apenas no Brasil em 2007. Dessa quantidade, cerca de 53% foram recicladas, mas os outros 47% foram jogados em local incorreto, como lagos e rios.
A especialista em polímeros Maria José Araújo Sales, professora do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), alerta que um ponto negativo do PHB ; composto identificado pela primeira vez em 1925, pelo microbiologista francês Maurice Lemoigne ; é que, por ser menos flexível, tem aplicações limitadas. A professora, porém, ressalta a importância do estudo alemão ao apresentar uma nova forma de produzir plásticos biológicos. ;Eles são mais competitivos principalmente no que se refere aos cuidados com o meio ambiente;, avalia.
José Gómez, da USP, pondera que um desafio a ser superado na produção do plástico em microalgas é obter elevadas concentrações do polímero no organismo desses seres, pois parte dos gastos nesse processo consistem em extrair o polímero e purificá-lo. A líder do estudo conta que, no futuro, ela e sua equipe gostariam de aumentar a produção de PHB na microalga Phaeodactylum tricornutum e testar se outros tipos de poliéster, com outras propriedades físicas, também podem ser produzido no organismo de algas. ;Isso ampliaria o leque de aplicações das algas de forma significativa;, assegura Franziska.
Célula única
As diatomáceas são seres unicelulares (possuem apenas uma célula) que integram o filo Heterokontophyta, composto em sua grande maioria por algas. São encontradas em mares, rios e locais úmidos. Elas podem produzir o próprio alimento, como é o caso da Phaeodactylum tricornutum, ou se alimentar de outros seres vivos.