Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Robô-inseto torna-se mais veloz e ganha capacidade de planar

Modificações feitas em um robô experimental para melhorar sua mobilidade inesperadamente ajudaram a reforçar uma das teorias mais difundidas sobre a evolução do voo nos animais. O mecanismo em questão, chamado Wings %2b Dash (Asas e a sigla em inglês para Hexápode com os Membros Esticados Dinâmico e Autônomo), tem o formato inspirado no de uma barata e possui seis patas. Desenvolvido na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, o dispositivo eletrônico, de 10cm de comprimento, apresentava problemas de locomoção devido à sua falta de estabilidade para correr e ficar em lugares íngremes.

Ao acrescentar uma cauda e um par de asas à estrutura, além de fazer com que o Wings %2b Dash se movimentasse melhor, os pesquisadores notaram que as alterações fizeram ele se mover mais rapidamente e planar. ;O robô é pesado demais para voar, mas ele consegue se manter temporariamente no ar com estabilidade e aterrissar em pé;, descreve ao Correio o engenheiro elétrico e especialista em sistemas milimétricos de biomimética Kevin Peterson, um dos autores do estudo.

Assista a vídeo que mostra o robô em funcionamento

É nesse ponto que o funcionamento do robô vai ao encontro da teoria da evolução do voo. Para grande parte dos cientistas, os primeiros animais com a capacidade de voar descenderam de espécies que utilizavam suas asas para descer mais suavemente após pular de lugares altos, como árvores. O estudo norte-americano foi publicado na revista científica Bioinspiration and Biomimetics.

Peterson esclarece que as asas e a cauda aumentaram em 90% a velocidade do Wings %2b Dash e em 300% sua inclinação máxima atingível. ;Os modelos atuais na ciência indicam que, se os animais que voam se originaram dos que viviam essencialmente no solo, seria necessário que as asas aumentassem em 300% a velocidade de corrida deles para alçarem voo. Não foi esse o resultado que obtivemos;, ressalta. Mesmo assim, o engenheiro afirma que a melhora na performance do robô trazida pelas asas garante uma clara relação com a teoria.

Para ele, estabelecer uma ligação entre as modificações robóticas e a evolução na biologia foi o aspecto que mais lhe surpreendeu. ;Foi uma aplicação animadora e inesperada do trabalho. Achei muito interessante usar resultados obtidos com robôs em outra área;, comenta. Para Peterson, dispositivos tecnológicos podem fornecer um novo método de investigação e outra perspectiva para questões de evolução biológica.

Crítica
O entomologista Antonio Camillo de Aguiar, professor da Universidade de Brasília (UnB), explica que, para cada grupo de animais, há conjuntos de teorias diferentes. ;No artigo, os pesquisadores cometem um erro ao simular um inseto e comparar com o voo das aves, que é completamente distinto. Para fazer a analogia com as aves, a equipe deveria fazer um robô com as características desses animais;, critica. ;Achei a pesquisa pouco conclusiva. Ela é muito baseada no que já temos de conhecimento, então apenas reforça uma teoria;, menciona. Além disso, o entomologista alerta que os robôs, atualmente, ;ainda são como carroças perto da velocidade e dinâmica de voo e deslocamento dos insetos;. ;Qualquer barata tem uma capacidade de se movimentar mais rapidamente que os robôs mais modernos;, compara.

;No caso dos insetos, que é o projeto do robô, há duas teorias evolutivas mais aceitas, a branquial e a paranotal;, explica o entomologista. A primeira teoria é a mais aceita e sugere que as asas dos insetos tiveram origem de um apêndice foliáceo, uma estrutura responsável inicialmente para fazer trocas gasosas com o ambiente. Esse apêndice teria migrado para as costas do animais e, ao longo do tempo, se transformou no que se conhece atualmente como as asas. A teoria paranotal é mais simples e diz que uma expansão de uma placa do tórax teria originado as asas.

O professor da UnB descreve que o registro fóssil do animal mais antigo com asas é do inseto Mickoleitia longimanus, encontrado no Ceará e levado para o Museu de Stuttgart, na Alemanha. ;Esse fóssil é do Período Cretáceo Inferior, com cerca de 140 milhões de anos. É considerado o primeiro inseto com asas e apresenta justamente as braquias foliáceas, que seriam os primórdios das asas. Os invertebrados atuais mais próximos desse ser são as libélulas;, conta. Segundo ele, as asas nos insetos surgiram entre os animais aquáticos dessa classe, ;logo, não têm nenhuma relação com planagem ou condições semelhantes;. Aguiar detalha que o voo possibilitou aos insetos explorar diferentes ambientes e recursos alimentares diversos. Ele completa que os insetos com asas representam mais de 80% da diversidade total de animais sobre a Terra.

Energia
Luís Fábio Silveira, curador da seção de aves do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), diz ter sentido falta, na pesquisa, de um detalhamento sobre o aumento do gasto energético que os animais teriam ao associar a corrida com a batida de asas.

Silveira, apesar de concordar com Aguiar quanto ao problema de os pesquisadores usarem um robô inspirado em um inseto e abordar o voo das aves, acredita que o protótipo pode reforçar a teoria de que os primeiros dinossauros voadores adquiriram essa habilidade planando entre os galhos, e não saindo do chão. ;Fósseis como o Microraptor gui ainda apresentam penas nas pernas que poderiam ser utilizadas no voo, uma característica que foi perdida em outros dinossauros voadores, incluindo aí as aves;.

Kevin Peterson comenta que pretende continuar investigando o tema da evolução do voo, desta vez usando um novo robô, chamado Bolt (Ornitóptero Bípede para a Transição de Locomoção, em tradução livre). ;Como esse modelo tem dois pés, ele vai nos permitir analisar com mais precisão a morfologia das aves mais antigas;, acrescenta.

Evolução
As asas como estruturas para os animais se locomoverem e não para planarem surgiram diversas vezes, de forma independente, na evolução. Estima-se que os primeiros insetos com asas tenham aparecido há cerca de 300 milhões de anos, embora o primeiro registro fóssil seja de 140 milhões de anos. As asas nas aves teriam aparecido há aproximadamente 140 milhões de anos, e, nos morcegos, há 50 milhões de anos.