Ciência e Saúde

Robô-inseto torna-se mais veloz e ganha capacidade de planar

postado em 02/11/2011 10:55

Modificações feitas em um robô experimental para melhorar sua mobilidade inesperadamente ajudaram a reforçar uma das teorias mais difundidas sobre a evolução do voo nos animais. O mecanismo em questão, chamado Wings %2b Dash (Asas e a sigla em inglês para Hexápode com os Membros Esticados Dinâmico e Autônomo), tem o formato inspirado no de uma barata e possui seis patas. Desenvolvido na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, o dispositivo eletrônico, de 10cm de comprimento, apresentava problemas de locomoção devido à sua falta de estabilidade para correr e ficar em lugares íngremes.

Ao acrescentar uma cauda e um par de asas à estrutura, além de fazer com que o Wings %2b Dash se movimentasse melhor, os pesquisadores notaram que as alterações fizeram ele se mover mais rapidamente e planar. ;O robô é pesado demais para voar, mas ele consegue se manter temporariamente no ar com estabilidade e aterrissar em pé;, descreve ao Correio o engenheiro elétrico e especialista em sistemas milimétricos de biomimética Kevin Peterson, um dos autores do estudo.

Assista a vídeo que mostra o robô em funcionamento

É nesse ponto que o funcionamento do robô vai ao encontro da teoria da evolução do voo. Para grande parte dos cientistas, os primeiros animais com a capacidade de voar descenderam de espécies que utilizavam suas asas para descer mais suavemente após pular de lugares altos, como árvores. O estudo norte-americano foi publicado na revista científica Bioinspiration and Biomimetics.

Peterson esclarece que as asas e a cauda aumentaram em 90% a velocidade do Wings %2b Dash e em 300% sua inclinação máxima atingível. ;Os modelos atuais na ciência indicam que, se os animais que voam se originaram dos que viviam essencialmente no solo, seria necessário que as asas aumentassem em 300% a velocidade de corrida deles para alçarem voo. Não foi esse o resultado que obtivemos;, ressalta. Mesmo assim, o engenheiro afirma que a melhora na performance do robô trazida pelas asas garante uma clara relação com a teoria.

Para ele, estabelecer uma ligação entre as modificações robóticas e a evolução na biologia foi o aspecto que mais lhe surpreendeu. ;Foi uma aplicação animadora e inesperada do trabalho. Achei muito interessante usar resultados obtidos com robôs em outra área;, comenta. Para Peterson, dispositivos tecnológicos podem fornecer um novo método de investigação e outra perspectiva para questões de evolução biológica.

Crítica
O entomologista Antonio Camillo de Aguiar, professor da Universidade de Brasília (UnB), explica que, para cada grupo de animais, há conjuntos de teorias diferentes. ;No artigo, os pesquisadores cometem um erro ao simular um inseto e comparar com o voo das aves, que é completamente distinto. Para fazer a analogia com as aves, a equipe deveria fazer um robô com as características desses animais;, critica. ;Achei a pesquisa pouco conclusiva. Ela é muito baseada no que já temos de conhecimento, então apenas reforça uma teoria;, menciona. Além disso, o entomologista alerta que os robôs, atualmente, ;ainda são como carroças perto da velocidade e dinâmica de voo e deslocamento dos insetos;. ;Qualquer barata tem uma capacidade de se movimentar mais rapidamente que os robôs mais modernos;, compara.

;No caso dos insetos, que é o projeto do robô, há duas teorias evolutivas mais aceitas, a branquial e a paranotal;, explica o entomologista. A primeira teoria é a mais aceita e sugere que as asas dos insetos tiveram origem de um apêndice foliáceo, uma estrutura responsável inicialmente para fazer trocas gasosas com o ambiente. Esse apêndice teria migrado para as costas do animais e, ao longo do tempo, se transformou no que se conhece atualmente como as asas. A teoria paranotal é mais simples e diz que uma expansão de uma placa do tórax teria originado as asas.

O professor da UnB descreve que o registro fóssil do animal mais antigo com asas é do inseto Mickoleitia longimanus, encontrado no Ceará e levado para o Museu de Stuttgart, na Alemanha. ;Esse fóssil é do Período Cretáceo Inferior, com cerca de 140 milhões de anos. É considerado o primeiro inseto com asas e apresenta justamente as braquias foliáceas, que seriam os primórdios das asas. Os invertebrados atuais mais próximos desse ser são as libélulas;, conta. Segundo ele, as asas nos insetos surgiram entre os animais aquáticos dessa classe, ;logo, não têm nenhuma relação com planagem ou condições semelhantes;. Aguiar detalha que o voo possibilitou aos insetos explorar diferentes ambientes e recursos alimentares diversos. Ele completa que os insetos com asas representam mais de 80% da diversidade total de animais sobre a Terra.

Energia
Luís Fábio Silveira, curador da seção de aves do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), diz ter sentido falta, na pesquisa, de um detalhamento sobre o aumento do gasto energético que os animais teriam ao associar a corrida com a batida de asas.

Silveira, apesar de concordar com Aguiar quanto ao problema de os pesquisadores usarem um robô inspirado em um inseto e abordar o voo das aves, acredita que o protótipo pode reforçar a teoria de que os primeiros dinossauros voadores adquiriram essa habilidade planando entre os galhos, e não saindo do chão. ;Fósseis como o Microraptor gui ainda apresentam penas nas pernas que poderiam ser utilizadas no voo, uma característica que foi perdida em outros dinossauros voadores, incluindo aí as aves;.

Kevin Peterson comenta que pretende continuar investigando o tema da evolução do voo, desta vez usando um novo robô, chamado Bolt (Ornitóptero Bípede para a Transição de Locomoção, em tradução livre). ;Como esse modelo tem dois pés, ele vai nos permitir analisar com mais precisão a morfologia das aves mais antigas;, acrescenta.

Evolução
As asas como estruturas para os animais se locomoverem e não para planarem surgiram diversas vezes, de forma independente, na evolução. Estima-se que os primeiros insetos com asas tenham aparecido há cerca de 300 milhões de anos, embora o primeiro registro fóssil seja de 140 milhões de anos. As asas nas aves teriam aparecido há aproximadamente 140 milhões de anos, e, nos morcegos, há 50 milhões de anos.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação