Marinella Castro/Encontro BH
postado em 07/11/2011 07:59
Belo Horizonte ; Úteis à humanidade há milênios, as plantas medicinais, quando utilizadas de maneira incorreta, podem causar efeitos colaterais tão severos quanto os ocasionados pelo mau uso dos remédios sintéticos comprados nas farmácias. O costume popular de usar as plantas, especialmente sob a forma de chás, sem a orientação de um médico ou sem observar a procedência de raízes e folhas, é responsável por graves casos de intoxicação. Um novo estudo, realizados na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), ligada à Universidade de São Paulo (USP), é um bom exemplo do perigo que esses produtos podem oferecer. Os pesquisadores concluíram que o chá feito com folhas de yacón ; comercializadas em mercados e feiras do Brasil, do Japão e da Europa e usadas para reduzir a glicemia em diabéticos ; pode causar lesões renais graves.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas administraram o chá de yacón por via oral em ratos durante três meses, em uma dose que equivaleria a três xícaras por dia para um humano de 70kg. ;Nessa dose, e ao fim dos 90 dias de tratamento, os ratos apresentaram um quadro de doença renal crônica, com inflamação e destruição dos tecidos filtrantes do rim;, aponta Rejane Barbosa de Oliveira, autora da tese de doutorado Atividades antidiabética, anti-inflamatória e toxicologia do yacón.
A planta é originária da região dos Andes e pertence à mesma família botânica de espécies como o girassol e a arnica. Sua batata ou raiz, no entanto, é muito usada pelos povos andinos (veja Palavra de especialista). O estudo realizado na FCFRP/USP demonstrou que o chá preparado a partir de suas folhas tem duas classes principais de substâncias químicas: as lactonas sesquiterpênicas (responsáveis pelo dano renal) e compostos denominados ACGs, que causam o efeito benigno de redução da glicemia. Segundo Rejane, que é também bióloga e doutora em ciências farmacêuticas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, o estudo demonstrou que apesar de as substâncias terem o potencial de reduzir o percentual de açúcar no sangue, o chá das folhas do yacón não deve ser usado pela população.
;A toxicidade desses compostos inviabiliza o uso oral. Uma alternativa seria o uso tópico, o qual demonstrou bons resultados em animais de laboratório, contudo não foram feitos estudos toxicológicos sobre a utilização prolongada dos extratos nesse tipo de tratamento;, diz.
O velho ditado ;se é natural, não faz mal; é combatido por especialistas que apontam riscos bem maiores que os benefícios no uso indiscriminado de plantas, ervas e fitoterápicos. Para se ter ideia, são registrados anualmente nos centros de controle de intoxicações do Brasil cerca de 2 mil casos de intoxicações por plantas, muitos levando ao coma e até mesmo à morte. Parte das internações ocorre devido ao uso inadequado das plantas. ;Especialmente devido a erros na dosagem, na forma de preparo do extrato vegetal e também na forma errada de identificação da planta;, ressalta a pesquisadora.
Outro órgão muito afetado por algumas plantas utilizadas para fazer chás no Brasil é o fígado, ressalta o chefe do Serviço de Hepatologia do Hospital Universitário de Juiz de Fora, Aécio Flávio de Souza. Segundo ele, muitas vezes, os chás são preparados da forma errada, o que potencializa seu efeito tóxico. ;Em alguns casos, a parte que deve ser usada é o caule, mas a população utiliza as folhas.;
A erva conhecida popularmente como sacaca, vendida como remédio para emagrecer especialmente no Norte do país, é responsável por complicações hepáticas tão graves que é capaz de levar a pessoa a depender de um transplante de fígado. Bebidas usadas livremente como o chá verde, confrei e compostos chineses também podem causar complicações hepáticas graves. Até mesmo o conhecido chá de poejo, usado para gripes, e a valleriana, tomada como calmante, podem prejudicar o órgão. ;Antes de começar a fazer uso de um determinado chá, a população deve consultar o médico. Assim, pode ter uma avaliação hepática, fazendo o uso da bebida com segurança;, recomenda Souza.
O fato é que antes de comprar uma planta medicinal, que pode sim fazer mal como qualquer outro medicamento usado de forma inadequada, é preciso levar em consideração alguns fatores importantes. Além de ouvir um médico, é preciso ter certeza de que a identificação da planta está correta e avaliar a procedência do material. A pesquisadora Rejane Oliveira frisa ainda que as doses e o intervalo entre elas devem ser seguidos rigorosamente. ;As plantas medicinais podem interagir com outros medicamentos, potencializando, exacerbando ou impedindo a ação deles;, lembra.
Mulheres grávidas devem ficar especialmente atentas ao uso de plantas medicinais, pois muitas podem causar abortos espontâneos. No momento de escolher o chá, o melhor mesmo é optar pelas plantas geralmente cultivadas em horta, como hortelã, capim-santo e camomila. ;Essas são muito conhecidas, estudadas e usadas há séculos na medicina tradicional da Europa, de onde têm origem;, sugere a professora de fitoterapia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria das Graças Brandão.
Palavra de especialista
Raiz pode ser consumida
;Na região dos Andes, as raízes tuberosas do yacón são utilizadas pela população como alimento in natura, na preparação de sucos e geleias. Elas não têm as substâncias lactonas sesquiterpênicas presentes na folha e, por isso, não são tóxicas e podem ser consumidas sem risco. Essas raízes são um excelente alimento para pessoas diabéticas, visto que são ricas em oligofrutanos, açúcares que não aumentam os níveis glicêmicos do sangue e ainda contribuem para o bom funcionamento e a manutenção da microbiota intestinal.;
Rejane Barbosa de Oliveira , bióloga