Desviar o duodeno ; primeira porção do intestino delgado ; do trânsito alimentar pode ser uma técnica eficiente para aumentar o controle metabólico em diabéticos. As vantagens dessa intervenção foram analisadas durante o Congresso Pan-americano de Cirurgia do Diabetes: Alternativas Clínicas e Cirúrgicas, em Gramado (RS), promovido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). O evento reuniu especialistas de todo o mundo e comemorou os 21 anos da cirurgia bariátrica no Brasil.Ricardo Cohen, presidente da entidade, afirmou que existem evidências experimentais e clínicas de que a exclusão duodenal (cirúrgica ou endoscópica) libera mais hormônios intestinais que melhoraram a quantidade e a qualidade da secreção da insulina pelo pâncreas. ;Os resultados são muito interessantes. Existe controle metabólico em cerca de 60% a 70% dos pacientes em ambas as abordagens;, disse.
Segundo ele, há muito interesse no meio científico mundial nesse novo procedimento, que preserva o músculo regulador do esvaziamento do estômago. ;Por isso, essa operação tende a ser mais ;fisiológica;. É semelhante à derivação biliopancreática, também conhecida como duodenal switch, com a extraordinária vantagem de não existir má absorção e não levar a potencial desnutrição proteico-calórica a longo prazo;, explicou.
O endocrinologista Bruno Geloneze, da Federação Internacional do Diabetes, uma das maiores autoridades mundiais sobre a doença, afirma que as cirurgias bariátricas, como a derivação gástrica em Y de Roux, também podem ser consideradas um dos maiores e mais contundentes avanços no tratamento do diabetes desde a descoberta da insulina.
Segundo ele, desde os primeiros estudos, há 15 anos, vários trabalhos têm confirmado os benefícios da cirurgia bariátrica, especialmente aos portadores do diabetes melito tipo 2. Diversas entidades médicas e serviços públicos de saúde mundiais recomendam a técnica como uma opção para o tratamento de adultos com índice de massa corporal (IMC) maior que 35kg/m; e comorbidades com potencial de melhora clínica significativa, destacando-se o diabetes tipo 2 .
Geloneze destaca, no entanto, a necessidade de oferecer assistência racional, permanente e multidisciplinar ao paciente diabético, antes e depois da operação bariátrica. ;Os médicos devem ser realistas nas informações ao paciente antes da cirurgia, tendo em mente que o diabetes é uma doença que não será curada definitivamente, mas sim tratada e controlada, com redução do tratamento medicamentoso;, comentou. A respeito do tratamento cirúrgico do diabetes, em vez de falar em cura, o médico prefere o termo ;remissão;, que indica supressão ou latência dos sintomas da doença e restauração de resultados metabólicos normais.
Mudanças
Na opinião do endocrinologista norte-americano David Cummings, coordenador do centro de pesquisas em diabetes e endocrinologia da Universidade de Washington, tanto procedimentos experimentais (como as cirurgias gastrointestinais antidiabéticas) quanto já consagrados devem ser amplamente discutidos no caso de portadores de diabetes. Ele explicou que, a partir do conhecimento disponível até o momento, a melhoria e até a remissão completa do diabetes por meio da derivação gástrica devem-se a uma série de mudanças positivas hormonais, metabólicas e físicas, de forma concentrada no sistema gastrointestinal.
Entre essas alterações, uma das mais comprovadas como colaboradora dos efeitos antidiabéticos é o aumento da secreção da incretina peptídica GLP-1, com consequente aumento na função de secretar a insulina na célula beta. ;Está bem demonstrado que a derivação gástrica em Y de Roux é uma terapia efetiva para o diabetes tipo 2. A banda gástrica ajustável apresenta um impacto bem menor no diabetes, mas, após um longo período, o controle da glicemia melhora na proporção da quantidade de peso perdida e, provavelmente, por meio de mecanismos exclusivamente relacionados à perda de peso.;
Luiz Vicenti Berti, do conselho executivo da SBCBM, afirma que o Brasil terá mesmo que acelerar as discussões sobre o assunto, pois cerca de 20% de sua população é portadora do diabetes tipo 2. Segundo ele, foi consenso entre os especialistas que participaram do congresso a necessidade de o Sistema Único de Saúde (SUS) adotar a cirurgia bariátrica como mais uma alternativa de tratamento para pacientes com esse mal não controlado. ;Essa é mais uma opção terapêutica. Os estudos já estão prontos e, agora, a questão é mais política do que científica. A cirurgia vai beneficiar especialmente os pacientes que não têm acompanhamento adequado nem acesso ao controle da doença;, ressalta.
Além de mais vantajoso para os pacientes do SUS, Berti acredita que o tratamento cirúrgico beneficie o próprio governo, que, em vez de gastar altas cifras anuais com um único doente, algo em torno de R$ 40 mil anuais, gastaria apenas o valor da cirurgia, cerca de R$ 4 mil.
Modalidades
Saiba mais sobre as duas técnicas já realizadas no Brasil e que apresentam resultados positivos no controle do diabetes:
Bypass gástrico (gastroplastia com desvio intestinal em Y de Roux)
Estudada desde a década de 1960, essa é a técnica bariátrica mais praticada no Brasil, correspondendo a 75% das cirurgias realizadas, devido, principalmente, à sua eficácia. O paciente perde entre 40% e 45% do peso inicial. Nesse procedimento, chamado misto, é feito o grampeamento de parte do estômago, reduzindo o espaço para o alimento, e um desvio do intestino inicial, que promove o aumento dos hormônios que dão saciedade e diminuem a fome. Essa soma entre menor ingestão de alimentos e aumento da saciedade é o que leva ao emagrecimento, além de controlar o diabetes e outras doenças, como a hipertensão arterial. A costura do intestino que foi desviado fica com formato parecido com a letra Y, daí a origem do nome. Roux é o sobrenome do cirurgião que criou a técnica.
Banda gástrica ajustável
Representa 5% dos procedimentos realizados no país. Apesar de não promover mudanças na produção de hormônios como acontece no bypass, essa técnica é bastante segura e eficaz na redução de peso (20% a 30% do peso inicial), o que também ajuda no controle do diabetes. No procedimento, instala-se anel de silicone inflável ajustável ao redor do estômago, apertando o órgão e tornando possível controlar seu esvaziamento.
Por que a cirurgia bariátrica funciona
no caso de diabetes tipo 2?
As alterações no aparelho digestivo provocadas pela cirurgia e a redução de peso do paciente promovem uma verdadeira revolução na produção de hormônios intestinais, principalmente grelina, GLP1, PYY e GIP, que atuam diretamente no pâncreas. Com a menor ou maior ação desses hormônios, o órgão passa a funcionar de maneira mais intensa. Além disso, a perda de peso diminui a resistência à insulina, característica dos casos de diabetes.
Carteira dá segurança ao paciente
Durante o congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) também foi lançada a carteira do paciente bariátrico, a ser distribuída às pessoas que passaram por uma cirurgia de redução de estômago. A iniciativa, inédita no mundo, pretende ampliar a segurança do paciente operado, sobretudo em situações atípicas, como no caso de socorros emergenciais.
;A carteira é um guia para que os não especialistas possam tratar adequadamente o paciente operado;, explica Luiz Vicente Berti, do conselho executivo da entidade. Segundo ele, a carteira de identificação traz o nome do paciente, o nome do cirurgião, a data da intervenção e o tipo da técnica adotada: banda gástrica ajustável, gastrectomia vertical, derivação biliopancreática (duodenal switch) ou derivação gastrojejunal em Y de Roux (veja quadro ao lado). Há também espaço para observações importantes, como, por exemplo, uma eventual alergia a substâncias, tipo sanguíneo e doenças associadas, entre outros dados.
Todas essas informações são importantes porque o paciente bariátrico necessita de cuidados especiais em caso de apendicite, obstrução do intestino, gravidez e cesariana, entre outros. ;A ação reforça o compromisso da SBCBM com a atenção global ao paciente obeso. Quem faz esse tipo de cirurgia, mesmo pela abordagem menos invasiva, merece todos os cuidados possíveis, antes, durante e depois da operação. Nosso trabalho é defender os melhores procedimentos para os pacientes e um atendimento cada vez mais completo e seguro;, ressalta Berti.