Gláucia Chaves
postado em 19/11/2011 18:03
Desde que as pesquisas envolvendo células-tronco começaram a ser desenvolvidas, em 1998, o assunto é pivô de discussões acirradas, especialmente no que diz respeito ao modo de se chegar a elas. De um lado, religiosos defendem que o uso de células embrionárias fere o direito à vida ; uma vez que é preciso ;sacrificar; embriões recém-fecundados para que seja possível estudá-las. Do outro, cientistas defendem que as pesquisas têm como base o bem social: ajudar pessoas que sofrem de doenças até então incuráveis. Contudo, pesquisas recentes podem dar novos rumos ao debate. Estudos feitos pela Universidade de Western Australia (UWA) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostram que o leite materno não só possui células-tronco como também elas podem transformar-se em várias partes do corpo, não apenas em células mamárias, como se acreditava (veja infografia).De acordo com Foteini Hassiotou, cientista do Grupo de Pesquisa em Lactação Humana Hartmann, da UWA, a possibilidade de extrair células-tronco do leite humano também é uma alternativa aos métodos invasivos ou controversos para a retirada das células. ;Por esse motivo, muitas das preocupações associadas a outras fontes de células-tronco não se aplicam ao leite materno;, completa. Uma vez compreendidos as propriedades dessas células e o papel delas na amamentação dos bebês, Hassiotou diz que elas poderão ser usadas como modelos para a investigação do câncer de mama e para outras terapias. ;Por conta desse potencial, elas podem servir para o tratamento de pessoas que sofrem de enfermidades como diabetes, mal de Parkinson e doenças hepáticas;, enumera.
Janaína Machado, uma das pesquisadoras da UFRJ, diz ainda que a técnica será útil na produção de pele como curativo biológico e até mesmo nos esportes. ;Jogadores de futebol, por exemplo, conseguirão tratar lesões musculares graves em menos tempo;, justifica. No experimento, Janaína e Maria Helena Nicola, cientista também envolvida no estudo, coletaram o leite de 30 mulheres com filhos de três dias a um ano e meio de idade. Por técnicas laboratoriais, as duas separaram as células-tronco do leite.
Em seguida, as estruturas foram remanejadas a recipientes com suplementos ideais para a expansão celular. ;Isso permite que as células mantenham seu potencial para a transformação em diferentes tecidos;, detalha Janaína. Como resultado, as pesquisadoras conseguiram aumentar a quantidade de células-tronco do leite materno sem que elas perdessem suas características originais.
Contudo, apesar de também possuírem a capacidade de se transformar em outras partes do corpo, as pesquisadoras dizem que as células do leite materno não são suficientes para substituir as encontradas na medula óssea ou no sangue do cordão umbilical. Segundo Maria Helena Nicola, apenas as células-tronco encontradas nessas duas regiões têm quantidade e diversidade suficientes para originar células do sangue e de outros tecidos. ;As células-tronco presentes no leite, na gordura e na pele, por exemplo, são predominantemente de células-mesenquimais;, explica. ;Essas células não têm capacidade de reconstituir a medula óssea (tecido sanguíneo).;
Segundo Maria Helena, qualquer uso em humanos de células-tronco deve antes receber respaldo dos órgãos reguladores por meio de ensaios pré-clínicos e clínicos de segurança e eficácia. ;Só após o resultado desses ensaios pode ser feita a solicitação para uso.; Atualmente, o estudo da UFRJ está na fase de testes de segurança em animais para, só então, partir para os testes em humanos. ;Acreditamos que isso deverá ocorrer ainda nesta década;, prevê a cientista. Agora, o desafio é alcançar a produção maciça de células.
Longo caminho
Patrícia Pranke, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), observa que já existem protocolos clínicos que viabilizariam o uso de células-tronco em pacientes de várias patologias. ;As pesquisas feitas atualmente não usam células embrionárias, apenas células-tronco adultas;, frisa a também pesquisadora do Instituto de Pesquisa com Células-Tronco da Faculdade de Farmácia da UFRGS. Contudo, para a cientista, os estudos feitos em todo o mundo ainda carecem de investimento para que possam ser aprofundados.
;A primeira empresa do mundo que usava as técnicas dos tratamentos com células-tronco em pacientes vai fechar por falta de recursos;, justifica, referindo-se à americana Geron, precursora dos estudos com células-tronco embrionárias no mundo, que anunciou recentemente o fim dos trabalhos nesse campo de estudo.
Para Cláudio Corrêa, neurocirurgião especializado no tratamento da dor aliado à neurocirurgia funcional, a descoberta de células-tronco no leite materno abre uma perspectiva de aquisição mais simplificada, mas não resolve o problema principal: a manutenção no corpo dos novos tecidos criados pelas células-tronco. ;Por isso, em muitas áreas como a neurologia, os tratamentos não têm resultado a longo prazo;, explica.
Segundo o coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, pesquisas anteriores realizadas na Inglaterra e em Cuba conseguiram fazer com que pacientes com Alzheimer obtivessem melhora, mas não por mais de seis meses. ;Esse é o grande desafio das pesquisas em todo o mundo, mas não acredito que seja possível solucioná-lo em menos de 10 ou 15 anos;, prevê.