postado em 19/11/2011 18:05
Em 22 de setembro, um experimento realizado na Itália provocou furor na comunidade científica. Pesquisadores do Grupo Opera, composto por diversos laboratórios europeus, anunciaram que partículas subatômicas conhecidas como neutrinos tinham concluído uma tarefa impossível segundo as leis da física: viajar a uma velocidade maior que a da luz. A novidade colocou em xeque, entre outros conhecimentos, a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. Recebida com empolgação por alguns e ceticismo por outros, a novidade se tornou a principal polêmica científica do ano. Agora, menos de dois meses depois, o mesmo grupo de cientistas afirma ter repetido o feito. Em um estudo mais detalhado, dizem, as partículas romperam a barreira da luz mais uma vez.Assim como foi feito no experimento de setembro, os italianos pediram para que colegas do Cern, o centro europeu para o estudo de partículas, enviassem feixes com neutrinos da sede do laboratório suíço rumo às instalações do Gran Sasso, na Itália, distantes 730km uma da outra. Nas duas situações, os neutrinos viajaram a 300.006km/s, ou seja, 6km/s mais rápidos que a luz. ;Dito de outro modo, em uma corrida de 730km, os neutrinos cruzaram a linha de chegada com 20m de vantagem (em relação à luz);, explicou um comunicado divulgado pelo Cern em setembro.
Desta vez, para afinar o estudo, os pesquisadores utilizaram um novo feixe de luz para emitir as partículas subatômicas. Os feixes de prótons utilizados para produzir os neutrinos foram ultracurtos, durando três nanossegundos, e foram espaçados em 524 nanossegundos, o que permitiu afinar as medições. ;Com o novo tipo de feixe produzido pelos aceleradores, fomos capazes de medir com precisão o tempo de percurso dos neutrinos;, explicou Darío Autiero, cientista do Instituto de Física Nuclear de Lyon (França) e responsável de análises de medidas da equipe Opera.
Enquanto no primeiro estudo 15 mil neutrinos foram detectados com a velocidade anormal, desta vez foram apenas 20, em função da natureza mais específica da segunda tentativa. ;O que não modifica em nada os resultados do primeiro estudo;, afirma um comunicado do grupo de cientistas europeus. ;Os 20 neutrinos que avaliamos forneceram uma precisão comparável aos 15 mil que fundamentaram nossa medição inicial;, completa Autiero.
Ceticismo
Os resultados anunciados ontem, no entanto, não diminuíram o ceticismo de boa parte da comunidade científica em relação à provável descoberta. Em entrevista ao Correio, o pesquisador norte-americano Frank Wilczek, Nobel de Física de 2004, afirmou que, por se tratar de um experimento feito no mesmo laboratório, com o mesmo equipamento, não é ;uma confirmação verdadeiramente independente; de que essas partículas viajam mais rápido que a luz. ;Claro que a pesquisa deles tem detalhes importantes, mas os resultados que eles propõem são muito amplos para um experimento tão complexo e tão passível de conter erros;, afirma o pesquisador.
Ele admite, no entanto, que, caso a polêmica pesquisa italiana se confirme, ela deve causar uma reviravolta nas bases que sustentam boa parte da física moderna. ;Seria um fenômeno muito interessante se isso acontecesse. Isso desafiaria a validade de uma teoria que é consistente quando aplicada em todo o resto do que conhecemos;, afirma Wilczek, que hoje é pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). ;É difícil imaginar como ficará a Física se o experimento estiver correto. Passei alguns minutos tentando levar o resultado a sério, e fazer equações para ele, mas nada muito bonito ocorreu-me, para dizer o mínimo;, completa.
Segundo Eduardo do Couto e Silva, físico do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), autarquia vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, existem teorias que preveem a existência de partículas viajando mais rápido que a luz. ;Um dos grandes desafios da física moderna é unificar a física quântica e as leis da gravitação. Uma das teorias para essa unificação prevê que existam variações minúsculas na velocidade na luz causadas por partículas que viajariam em velocidades maiores do que a da luz;, conta Silva, que é membro afiliado do Kavli Institute of Particle Astrophysics and Cosmology da Universidade de Standford, nos Estados Unidos. O pesquisador, no entanto, afirma que essas são apenas teorias e que não necessariamente os neutrinos seriam essas partículas mais rápidas.
Para ele, duas questões devem ser observadas a partir de agora. ;Uma questão importante é corrigir os erros sistemáticos do estudo, seja pela repetição e melhoria, seja pela execução dos experimentos por outros grupos. Outro ponto é investir na instrumentação, com equipamentos cada vez mais sensíveis, que faz avançar a ciência básica;, afirma o pesquisador. Silva ressalta que essa cultura questionadora da comunidade científica é essencial para seu avanço. ;O pensamento científico exige rigor e exige não aceitar algo só porque alguém disse que é assim. Isso deveria ser algo para as pessoas levarem para a própria vida, o que tornaria o mundo muito melhor;, completa.