Paloma Oliveto
postado em 26/11/2011 08:00
Há milhões de anos, os ancestrais do Homo sapiens levavam um susto atrás do outro. O mundo ainda não era um lugar amistoso, e bastava um deslize para ser engolido por tigres dentes-de-sabre, mamutes ou mastodontes. A rotina estressante foi fundamental para que, hoje, o ser humano domine o planeta. Afinal, se não tivesse medo, a raça não teria evoluído ; saber que podia ser devorado a qualquer momento deixava o homem alerta. O medo desencadeia mudanças no organismo, e entender como isso acontece é um dos desafios da ciência. O mecanismo do estresse súbito ; seja ficar face a face com uma preguiça gigante ou assistir a uma cena violenta na televisão ; não apenas atiça a curiosidade, mas pode ajudar a desvendar um dos maiores mistérios do ser humano: o complexo funcionamento do cérebro. Duas pesquisas independentes publicadas nesta semana em revistas científicas revelaram como o órgão se reconfigura por completo diante de uma situação de susto associado ao medo.
;Estudar o ;código do cérebro; é importante para entender como lidamos com o estresse e, dessa forma, tentar diminuir os seus impactos;, explica ao Correio Robert Pawlak, professor de neurociências na Universidade de Leicester, na Inglaterra, e autor de um estudo divulgado pela revista especializada Pnas. De acordo com ele, mais de 30% da população mundial sofre de distúrbios psicológicos e mentais relacionados a situações estressantes. ;Entender os mecanismos neurais de transtornos pós-traumáticos e outros distúrbios da ansiedade pode reduzir o impacto pessoal e social desses problemas, por meio do desenvolvimento de terapias mais eficientes;, acredita.
A equipe chefiada por Pawlak identificou uma proteína, a lipocalina-2, que o cérebro produz em resposta ao estresse. Testes feitos com ratos mostraram que, nos animais onde falta a substância, a tendência é de adotarem uma postura mais retraída. ;Pesquisamos o comportamento dos ratos com e sem o gene da lipocalina-2. Nesse último caso, diante de situações estressantes, os animais ficavam mais ansiosos que os demais. Com isso, tornavam-se mais letárgicos e preferiam se esconder no escuro, em vez de explorar o ambiente. Então, a função dessa proteína é proteger o organismo contra o excesso de estresse, nos ajudando a lidar melhor com ele;, diz.
Filmes
Outro estudo, publicado na Science, investigou, em imagens, as alterações sofridas pelo cérebro diante de um susto. Os pesquisadores, liderados por Guillén Fernández, do Instituto do Cérebro da Universidade Nijmegen, na Holanda, mapearam o órgão de voluntários expostos a situações estressantes e descobriram que as condições adversas mudam quase completamente a fisiologia cerebral. ;Primeiramente, fizemos ressonâncias magnéticas funcionais em 80 pessoas, expostas a cenas bastante violentas de filmes. Os exames foram realizados antes, durante e depois das exibições;, conta Fernández ao Correio. Os cientistas constataram que a exposição às cenas provocou aumento de cortisol na saliva, alteração dos batimentos cardíacos e ativação do sistema noradrenérgico, responsável pela manutenção do estado de ativação do organismo.
;O estresse agudo, como o desencadeado, por exemplo, por filmes violentos, muda a forma como o cérebro humano funciona;, escreveram os autores do artigo na Science. De acordo com Fernández, estudos anteriores com animais revelaram uma cadeia de respostas neuroquímicas no cérebro dos ratos expostos ao estresse. ;O que fizemos foi investigar a reação do cérebro de humanos;, conta. Além das medições fisiológicas, os cientistas compararam as imagens dos cérebros dos participantes, escaneadas também antes, durante e depois de um filme violento. ;O hormônio noradrenalina parece ser o responsável pela reorganização do cérebro;, diz Fernández.
Quando os participantes assistiram às cenas, as áreas do órgão relacionadas à atenção, ao estado de alerta e ao sistema neuroendócrino passaram a se comunicar em rede, algo que não ocorre em situações neutras ; o teste foi repetido sem a exibição do filme. ;Esperamos que esse trabalho nos ajude a entender melhor a resposta ao estresse para desenvolvermos estratégias apropriadas voltadas às pessoas que sofrem situações aflitivas. Com imagens, conseguimos revelar a ;face do estresse;, um problema real, que traz consequências tenebrosas para o indivíduo e a comunidade;, acredita Fernández.
Hereditário
Uma das consequências do estresse em grávidas é o risco de os filhos desenvolverem o mesmo problema quando adultos. Na última edição do The Journal of Neuroscience, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia descobriram que, em ratos, o problema é passado para as gerações, quando as fêmeas prenhes são expostas a situações estressantes.