Paloma Oliveto
postado em 03/12/2011 08:00
Dos personagens bíblicos, ele é uma figura tão detestada quanto o traidor Judas. Herodes, o Grande (73 a.C. ou 74 a.C. a 4 d.C.), rei da Judeia, não agrada nem a cristãos nem a judeus. Os primeiros porque acusam o soberano de um episódio conhecido como ;massacre dos inocentes;, no qual teria mandado matar toda criança com menos de 2 anos, temendo a vinda do novo rei Davi. Já os segundos sempre acreditaram ser ilegítimo seu direito ao trono ; ele era idumeu, um outro povo palestino ; e consideravam promíscua sua relação com Roma, que extorquia a região com cobranças injustas de impostos.
Pesava a seu favor, porém, a construção de um dos lugares mais sagrados para os judeus: o Muro das Lamentações. Só que nem isso agora poderá defender a biografia de Herodes, descrito pelo historiador do século 1 d.C. Flávio Josefo como um tirano cruel, odiado pelo povo e mais obediente a Roma do que à própria religião dos hebreus. A descoberta de moedas datando de 20 anos depois de sua morte sob as primeiras camadas de pedra do muro tirou o feito das mãos do soberano. A fortaleza que margeava o segundo Grande Templo, um complexo religioso enorme construído sobre as ruínas do primeiro, levou décadas para ser erguida e concluída. Herodes jamais a viu.
De acordo com o Antigo Testamento, o Templo de Jerusalém foi construído em 957 a.C., para abrigar as tábuas dos Dez Mandamentos. Era o símbolo da ligação entre o homem e Deus. Os babilônios destruíram o templo em 586 d.C., e teria ficado com Herodes a missão de reerguer e ampliar a edificação. Nas palavras de Flávio Josefo, a ideia era transformar as ruínas no ;maior complexo sobre o qual o homem já ouviu falar;.
De fato, uma obra grandiosa tomou conta do lugar. Mas o que os judeus levaram quatro décadas para construir, Roma deitou ao chão em um ano.
Em 70 d.C., Tito, governador romano da região, arrasou Jerusalém, matou milhares de pessoas e escravizou o restante. O fato teria sido profetizado por Jesus Cristo, que, segundo o Evangelho de São Mateus, afirmou, ao sair do templo: ;Em verdade, vos digo que aqui não ficará pedra sobre pedra;. Para provar a força romana, capaz de destruir uma edificação tão grandiosa, Tito decidiu deixar intacta a parte ocidental da proteção que cercava o local sagrado para os judeus ; o Muro das Lamentações.
Sucessores
Quem tirou de Herodes o título de construtor do muro foi uma equipe de arqueólogos do Departamento de Antiguidades de Israel, que escavava o local, conhecido como Monte do Templo, em busca de um antigo canal de drenagem de Jerusalém. Sob o que já foi a principal rua de Jerusalém, havia um canal que se estendia da piscina de Siloam ao Muro das Lamentações. Nesse local, eles encontraram três lâmpadas de argila típicas do primeiro século antes de Cristo e 17 moedas de bronze.
Dessas, quatro estampavam o rosto do pró-consul romano Valerus Gratus, que viveu duas décadas depois da morte de Herodes. ;O local, que antes pensávamos ser uma das esquinas do Grande Templo, era, na verdade, um mikvaot, uma casa de banhos rituais;, disse ao Correio Ronny Reich, professor da Universidade de Haifa, que participa das escavações.
Para que o complexo religioso fosse construído, a população que vivia no local teve suas casas confiscadas e destruídas.
Trabalhadores fizeram um aterro, cobrindo as ruínas de terra e, só então, depositaram os alicerces do Muro das Lamentações ; três blocos de pedra de 2t ; sobre o que, um dia, havia sido a casa de banhos rituais. Como, nesse local, moedas romanas datando de 20 anos depois da morte de Herodes foram encontradas, não é possível que o governante tenha sequer iniciado o complexo. ;As moedas mostram que a construção do muro não havia começado quando Herodes morreu, e provavelmente só se completou muitas gerações mais tarde, por seus descendentes;, disse à imprensa Eli Shukron, vice-diretor do Departamento de Antiguidades.
Com o achado, confirma-se o relato de Flávio Josefo, segundo quem o fim das obras, que deixou 10 mil pessoas desempregadas, só ocorreu no reinado de Agripa II, neto de Herodes. ;Não pretendo retirar em nada a grandeza de Herodes, afinal, esse é seu templo, mas quem o ergueu foram seus sucessores;, diz Ronny Reich. Ele lembra que o muro era apenas parte do complexo religioso, e que o historiador Flávio mencionou as grandes obras do governante no local.
Alegoria
Descrito pelo evangelista São Mateus, o episódio não é citado em outras partes da Bíblia nem pelo maior historiador do período, o judeu Flávio Josefo (37a.C. ou 38 d.C. - 100 d.C.). Acredita-se que seja mais uma alegoria para ilustrar a perseguição que Jesus sofreria mais tarde, quando se opôs à aliança de Herodes e Roma.
Dinastia
O Herodes que reinou na época da morte de Cristo era filho de Herodes, o Grande. Com o título de Herodes Antipas (20 a.C. a 39 d.C.), ele é citado pelo historiador Flávio Josefo como responsável pela perseguição a São João Batista, a quem teria mandado matar.
Peregrinações
O monumento é venerado pelos judeus, que, durante o restante do Império Romano, ficaram impedidos de visitar Jerusalém. No período bizantino, eles podiam ir à cidade sagrada, mas apenas uma vez ao ano. Entre 1948 e 1967, novamente os judeus foram proibidos de se aproximar do muro. Nesse local, eles oravam, lamentando as desgraças caídas sobre os filhos de Abraão. Daí o nome do monumento.